16 - Leonhard

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PARTE II

Apesar da vida ter lhe tirado algumas pessoas, como sua mãe por exemplo, ela lhe dera outras, como Hanna.

Enfim, Leonhard podia sentir o que era ter uma mãe de verdade que cuidasse dele de todas as formas possíveis.

Seu pai sempre fora um vulto. Quando não estava diante da máquina de escrever, saia de casa ou simplesmente estava calado, tomando chá ou café em meio aos devaneios. Uma vez, Samuel lhe disse que Caleb cuidava muito bem de Leonhard quando era um bebê e que Edith, sua avó, tinha feito de tudo para ficar com o neto. O que, claro, Caleb não permitiu.

Isso surpreendeu Leonhard. Não sentia esse afeto todo vindo do pai. Do avô sim, sentia todo o amor do mundo emanando de Benjamin para ele, mas a vida lhe tira as melhores e mais importantes pessoas. Por quê? Esse seria seu destino? Perder todas as pessoas que o amavam abruptamente?

A avó detestava falar sobre a falecida mãe, então Strauss se incumbia de mostrar-lhe tudo sobre Lisie. Desde o quarto que permanecia intacto na mansão até as fotos da garota, as poucas filmagens dela tocando flauta, suas roupas, seus pertences. Strauss era quem levava Leonhard ao cemitério para visitar o túmulo da mãe. Leonhard não chorava. Apenas observava as datas de nascimento e morte e pensava por que uma pessoa tão jovem merecia morrer. Ela tinha uma vida pela frente. Tinha um filho para criar. A figura de Lisie era um sopro fugaz na mente de Leonhard. Ele sempre soube que ela existiu um dia, mas não tinha ideia da enormidade de sua bondade, mesmo quando todos a diziam.

Ele evitava ao máximo perguntar qualquer coisa sobre Lisie à Caleb. Sabia que isso entristecia o pai de certa forma que ele sempre chorava.

Leonhard tinha uma foto de Lisie na primeira gaveta de sua cômoda.
Ninguém sabia disso, nem mesmo Hanna. Ela tinha um sorriso maravilhoso no rosto e estava com o uniforme da escola. Leonhard havia surrupiado a fotografia das coisas da mãe. Ele imaginou que se a pedisse, ninguém lhe daria. E, às vezes, quando queria, olhava para a fotografia e pensava como uma menina tão jovem como aquela estampada no pedaço de papel, poderia ser sua mãe. Achava que combinaria mais como uma irmã. Caleb tinha uma expressão velha em seu rosto, por mais que fosse jovem. Isso o fazia aceitá-lo como pai e não como um irmão.

Leonhard se lembrava da primeira vez em que viu o número tatuado no pulso direito do pai. Um número estranho e mal desenhado. Ele era criança, tinha sete anos quando percebeu aquela tatuagem. Poucos dias depois, percebeu que Hanna também tinha um número e seu avô também. Eram números diferentes e mal desenhados.

Leonhard começou a reparar nos braços das pessoas a sua volta a fim de encontrar números mal desenhados. Havia apenas no pulso de Samuel. Sua avó, Strauss, os colegas da escola, as professoras. Ninguém os tinha. Nem mesmo ele tinha um número mal desenhado no pulso. Resolveu contatar o pai. Depois, percebeu que era uma besteira. Seria melhor ter perguntado a Hanna.

— O que é isso no seu pulso papa*? Por que poucas pessoas têm isso? É algo especial?

Caleb olhou para o pulso direito e para os números tatuados. Respirou fundo e assoprou o ar diversas vezes pela boca.
Era difícil falar sobre isso? Não seria algo tão especial?

Por fim, Caleb disse:

— Esse é o número de histórias que quero escrever. É minha meta. Fica aqui no meu braço para que eu nunca me esqueça.

Leonhard ficou confuso. Por que tatuar um número no braço para lembrar-se de uma meta? Não seria melhor anotar em um papel e guardar na gaveta?

— Tia Hanna, o vovô e Samuel também escreverão histórias? — questionou intrigado.

— Não necessariamente histórias. A meta deles é diferente da minha.

Renascenças da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora