17 - Emilse

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A garota dos cabelos cor de mel

Lágrimas pingaram dos olhos claros de Emilse e molharam, por acidente, aquele papel amarelado. Um flashback lhe amontoou as memórias como uma sombra. A carta era do padre Heiner, que já estava morto, mas de certa forma ela podia senti-lo ali. Sentia saudades dele e dos bons momentos ao seu lado em Stuttgart e em Munique também. O seu rosto estava rosado, quase vermelho, devido ao choro. Ela saiu de seu minúsculo quarto na pequena casa em Munique, foi em direção à cozinha. Não encontrou o que queria; sua mãe. Avistou Jocelyn deitada no sofá assistindo reportagens sobre os americanos se vangloriando da ocupação na Alemanha. Repudiou aquilo. Foi até a cozinha e serviu-se de uma broa e uma limonada bem adocicada. Sentou-se quieta e aguardou. Quinze minutos depois, Alesha Hensel ainda com sua beleza exuberante, adentrou.

— Eu irei mama. — disse Emilse com uma voz rouca.

Alesha a fitou profundamente.

Munique, 1947

A grande cidade da Baviera agora mostrava ruínas e destruição para seus habitantes. Mesmo que a guerra já estivesse acabado há quase um ano, a deterioração era tanta que ninguém mais reconhecia Munique. Emilse Hensel Litz era uma garotinha curiosa dos cabelos cor de mel que saltitava no meio das pedras que insistiam em ficar soltas por aí. O padre Heiner dizia a todo momento para ela segurar sua mão, mas a garotinha dos cabelos cor de mel sempre andava uns dez passos à frente, pulando e pulando. Estavam em sua rota preferida: atravessar o rio Amper na direção norte até chegar aos prédios do campo de Dachau que havia sido libertado em Abril de 1945 pelos americanos ocupantes de Munique.

Quando chegaram no imenso portão de Dachau, Emilse insistia em ler aquela frase que a perturbava de certa forma, mesmo que com 8 anos. Arbeit Macht Frei (assim como em Auschwitz).

— O trabalho liberta. — ela sussurrava para si mesma — o trabalho liberta.

O bondoso padre Heiner assistia aquilo tudo sentado em uma rocha, sempre encuberto pela batina branca.

— Tio... — ela gritou do outro lado da rua, perto do portão trancado de Dachau.

Por mais que Heiner fosse irmão de Rodrigo, pai de Derek, a relação que tinha com as filhas de Alesha era de um tio bem próximo e carinhoso. Aquele que mima as sobrinhas. Era esse o legado do padre.

O padre Heiner olhou para Emilse e colocou seu dedo indicador direito nos lábios, pedindo silêncio. Os americanos poderiam achar ruim a presença deles ali. Meros "nazi" na visão deles.

Porém, ela insistiu:

— Por que Derek não trabalha?

O padre ficou intrigado com a pergunta da menina e foi andando suavemente em sua direção até repousar seus sapatos marrons diante do portão de Dachau e olhar Emilse através de seus óculos redondos.

— O que você está dizendo?

— Olha! — ela apontou com seu dedo indicador esquerdo, já que era canhota, para o portão e repetiu a frase ali escrita, dessa vez mais alto — O trabalho liberta. Vão libertá-lo da prisão se ele trabalhar.

O padre ficou desolado. A inocência de uma criança é algo incrível. A condenação de Derek pelo tribunal de Nuremberg ainda o machucava de certa forma. Era tudo culpa dele. Se não tivesse permitido a entrada do sobrinho na SS, se não tivesse ido com ele a Hoffnung, se não tivesse o deixado nas mãos de Wichard Schmidt, hoje ele não estaria na prisão.

Heiner só teve forças para responder:

— Não é bem assim querida. Isso aqui faz parte do passado do nosso país...

Renascenças da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora