18 - Derek

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A saída da prisão

Derek Kupffer nunca foi tão inteligente. Mas, ninguém poderia duvidar que o que ele sentia por Lisie era tão verdadeiro quanto à luz do sol.

Durante seus 10 longos anos na prisão, ele manteve-se em um ritual frenético, já estava dependente. Todo manhã, lá pelas 6:30 quando acordava, ele levantava seu travesseiro de plumas que mais parecia um simples lençol velho e verificava seu tesouro mais bonito antes de ir tomar o café da manhã. Um café que por sinal era melhor do que o oferecido aos prisioneiros de Hoffnung.

Sim, ele tinha saudades de ser um soldado da SS e de ter como companhia o ilustre comandante Wichard Schmidt, que agora estava morto e queimado em meio às cinzas, e não, não se arrependera de ter atirado com toda firmeza na cabeça de Hermann Litz. Na verdade, ele se sentia orgulhoso de tal fato. De certo foi bastante egoísmo de sua parte assassiná-lo à queima roupa, ele havia privado suas irmãs de ter um pai para o resto da vida, porém, isso não lhe doía, perdera o próprio pai que amava muito quando tinha apenas 4 anos de idade.

O tesouro embaixo do travesseiro era mágico. Fazia-o sorrir sempre. Era como uma válvula de escape acionada toda manhã. Olhando aquilo ele parecia pairar no céu, livre e o melhor; com quem sempre amou.

Lisie.

Não seria incômodo algum um encarcerado permanecer com a fotografia de uma garota dentro de sua cela individual que mal cabia uma cama. Os agentes penitenciários pareceram ignorar isso durante a prisão em Abril de 1946. E lá estava Derek Kupffer a olhar sua eterna amada junto com a flauta transversal todas as manhãs durante 10 anos.

Tinha um objetivo. E iria cumpri-lo. Quando saísse daquela prisão moribunda, visitaria o túmulo de Lisie. Não queria comer, andar descalço sobre as pedras, nadar nas águas dos rios ou fazer anjinho na neve. Queria apenas deixar flores para Lisie e dizer o quanto a amava e lamentava sua morte precoce.

E assim ele levou uma vida monótona entre os banhos de sol e a comida sem sal da cadeia. Não se arrependia hora nenhuma por estar ali, privado de sua liberdade, sabia que mereceu tudo aquilo. E o que mais sentia falta era da sua vida de soldado, da Guerra, do uniforme negro e de Lisie. Nada mais importava.

1955

O dia estava frio e a bruma cobria um terço dos prédios da penitenciária. O céu era cinzento e esbranquiçado. Não chovia, mas o vento cortava em todas as direções, como uma navalha bem afiada.

Derek estava em sua cela, como de costume, já quase no final da pena. Ele portava consigo a fotografia de Lisie e escutava o rádio. Um rádio de pilhas velho que o agente Huberman o dera no verão passado. O rádio só funcionava sincronizado em uma estação: a americana. E Derek odiava aquilo. Aqueles americanos idiotas dividiram a Alemanha como se dividissem uma pizza e se achavam donos de tudo. Além disso, não entravam em acordo com os soviéticos, que eram grandes parceiros na Guerra. Hipócritas!
Derek ouvia as notícias vindas de Berlim e resmungava balbucios inaudíveis para si mesmo toda vez que um americano falava. "Esses americanos são mesmo uns arschloch! E os soviéticos também! Bando de burro, se o Führer estivesse vivo iria esfolar a cara deles", pensava Derek.

Derek foi interrompido por três batidas altas na porta da cela e começou a resmungar mais ainda. "Não tenho paz nem mesmo preso", pensou. Levantou-se de mau humor e foi averiguar quem era. O agente Huberman, claro. Quem mais bateria na porta de sua cela?

Guten morgen Herr Kupffer. — cumprimentou o agente.

Guten morgen. — Derek respondeu revirando os olhos. Não disfarçou sua irritação.

— Como passou a noite? — o agente tentou puxar assunto, o que irritou Derek ainda mais.

— Por favor Huberman, fale logo, eu estou ocupado escutando o rádio...

— Não tenho boas notícias hoje. O seu tio, o padre... ele, ele...

Derek arregalou seus olhos verdes para o agente que já não conseguia pronunciar mais nada além de simples soluços.

E foi então que Derek caiu de joelhos no meio da minúscula cela. Pôs as mãos na cabeça e puxando seus fios loiros, gritava feito uma criança.

Abril de 1956

Quando Derek leu a carta póstuma de seu tio, quis rir. Emilse cuidando dele? Uma pirralha que ele mal se lembrava do rosto. Em todos os casos, era melhor Emilse do que sua mãe. Se Alesha viesse, ele iria embora. Deveras ficou admirado ao descobrir o quão próximos Emilse e seu tio haviam se tornado naquele pós-guerra terrível. Isso nunca passou por sua cabeça.

Derek se livrou do uniforme laranja, da minúscula cela, do rádio e das comidas sem sal no dia 23 de abril de 1956, com seus quase 32 anos de idade. Como prometido, visitou o túmulo de sua amada Lisie naquele mesmo dia. Deixou-lhe rosas. Passou a mão nas letras que compunham a escrita da lápide e deixou lágrimas escaparem de seus olhos. Aquela fotografia que ficou por 10 anos debaixo do travesseiro agora estava em suas mãos toda molhada de lágrimas. "Eu te amo Lili, sempre te amarei".

Ele se dirigiu meio confuso para o endereço da nova casa. As ruas de Stuttgart pareciam diferentes demais ao que sua mente era capaz de lembrar. Caminhava com seus sapatos pretos em passos rápidos e desajeitados por entre os becos e ruelas da cidade que adotou como sua. Sentiu uma imensa vontade de retornar à mansão para ver Frau Schmidt, que o salvara no dia do tribunal, a quem ele seria eternamente grato. Mas não o fez. Apenas se dirigiu ao novo endereço com o pensamento fixo de viver uma nova vida a partir dali.

1961

— Emilse, meu café ! — Derek gritava para a irmã que estava tomando banho no andar de cima da casa.

— Já vou! — ela respondeu também com um grito.

Emilse desceu as escadas vestindo seu uniforme de bibliotecária e com os cabelos cor de mel pingando leves gotículas de água nas costas. Derek estava com a cara emburrada esperando o bendito café ficar pronto. Quando ficou, ele tomou tudo em um só gole.

Emilse olhou de relance para o irmão e terminou de ajeitar sua bolsa para mais um dia de trabalho. Derek percebeu que ela havia tirado de dentro da imensa bolsa uma rosa bem vermelha. Ela se espetou diversas vezes com os espinhos presentes no cabo da flor até colocá-la em um recipiente com água. Derek ficou intrigado. Mas não disse nada.

Duas semanas depois

Emilse havia deixado dinheiro sobre o balcão da cozinha para fazer as compras. Essa era a responsabilidade de Derek. Na certa ele iria comprar sua caixa de cereal favorita e muito leite. Mas também precisava comprar aquelas coisas para limpar a casa e lavar as roupas. Derek saiu contente pelas ruas de Stuttgart com seu chapéu preto cobrindo seus fios loiros em sua cabeça. Ele assobiava uma música qualquer enquanto caminhava. Ele retornou com a mesma alegria para sua residência naquele fim de tarde, mas o que viu foi algo que o deixou profundamente irritado.

— Que pouca vergonha é essa? — ele esbravejou encarando sua irmã e um rapaz com cara de judeu.

Emilse estava sentada no balcão da cozinha e o rapaz com cara de judeu a estava beijando.

Os três se entreolharam.

Renascenças da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora