Capítulo 2 - O estanho do Velho Mundo despejado na floresta

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Quando entrou em sala, Emílio sentou-se desligado das coisas ao redor e não conseguiu acalmar a mente, só pensava em ir à biblioteca, em acelerar o tempo

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Quando entrou em sala, Emílio sentou-se desligado das coisas ao redor e não conseguiu acalmar a mente, só pensava em ir à biblioteca, em acelerar o tempo. O que o aguardaria? Porventura, o Prof. Wallace estaria lá? Finalmente, poderia esclarecer as peripécias em que sua alma estava imersa?

Enquanto seus pensamentos vagavam impulsionados por sua ansiedade à procura de respostas, assustou-se com o forte barulho da mão do professor de física no birô da sala de aula exigindo atenção. A batida ensurdecedora estilhaçou sua cortina de isolamento e o arrastou para a dura realidade da sala de aula.

Ao observar as conversas paralelas, deu-se conta de que a turma estava muito insatisfeita. Havia certa animosidade que impedia a esmagadora rotina copia-escuta-escreve-aprende de continuar.

Surpreendentemente, todos os alunos queixavam-se do formato mecânico das aulas. Daqueles do programa de intercâmbio, duas garotas à sua frente, a italiana de belos cabelos pretos, Bianca Bravo — conhecida por ser impulsiva e arrogante — e sua melhor amiga, a britânica de cabelos e olhos castanhos claros, Margareth Green — delicada e inteligente —, perguntavam-se por que deveriam ficar sempre em filas, pois mal podiam ver os próprios pés. À sua direita, três garotos, o português Pedro Coimbra, o espanhol Juan González e o norte-americano Martin Mills, amigos da equipe de futebol da escola, reclamavam do excesso de conteúdos e de sua falta de utilidade no cotidiano. Outros, ainda, questionavam a passividade de alunos e pais, e sua ausência nos momentos de planejar e decidir os rumos da escola. Falavam com liberdade e consciência como se fosse hábito tratar desses assuntos no velho Liceu; como se tivessem maturidade; como se liberdade de expressão e diálogo fossem sementes cultivadas naquele manicômio escolar. Até no fundo da sala, mesmo os alunos conhecidos como baderneiros, discutiam o modo como os professores ensinavam e propunham mudanças.

O professor de ciências não sabia explicar como se desencadearam aquelas discussões. Sentado, de pernas cruzadas e com a mão no queixo, questionava-se que verbo saíra de sua boca, qual palavra escrevera no quadro-negro ou que ato de loucura praticara em sala que se tornara o estopim daquele devaneio juvenil. Estava assustado com o poder das ideias que compartilhavam e, principalmente, com a harmonia com que conduziam suas reivindicações. Percebendo que perdera o controle e as queixas se multiplicavam para outras disciplinas, ele se levantou, ergueu a mão e evocou sua autoridade magisterial ao pronunciar, em latim, a célebre frase dos antigos manuais do Liceu, conhecida por todos os alunos: Ego maxima auctoritate in cathedra. De acordo com a tradição, depois de invocada, nenhum aluno poderia falar sem permissão do professor, sob a pena de ser excluído de sala.

Fez-se silêncio.

Ele se sentou lentamente com os olhos fixos na turma, assombrado pelas exigências que faziam, como se a turma de especiais não fosse capaz. Nunca os vira assim.

Emílio não achou exagero relacionar aquela manifestação de descontentamento com a chegada do Prof. Louis Wallace. O que mais o impressionou, contudo, fora o elevado grau de consciência crítica que derrubou a muralha do mundinho individualista da turma, integrando-a num sonho latente e insólito: mudar a rotina da escola.

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora