Capítulo 4 - O encontro na Ágora e as mensagens do Lógos

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Na manhã seguinte, Emílio acordou cedo para entregar jornais nos condomínios de luxo do outro lado da cidade

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Na manhã seguinte, Emílio acordou cedo para entregar jornais nos condomínios de luxo do outro lado da cidade. Há três anos seguia essa rotina. De bicicleta, percorreu sua rota de cara amarrada preso às desventuras de sua família e ao passado de sua história. Num descuido, quase foi atropelado. Levou um bocado de gritos e xingamentos; não revidou, fez-se de surdo e seguiu seu caminho.

Na esquina de um supermercado, um casal de idosos surgiu à sua frente, obrigando-o a parar abruptamente. Não houve acidente. Apenas derrubou uma gaiola vazia. Ao entregá-la com as devidas desculpas, ouviu do abatido velhinho:

— Ainda bem que hoje cedo tivemos a coragem de libertar o prisioneiro da nossa vaidade!

— Se nós podíamos soltá-lo, por que não o fizemos antes? — questionou a senhora ao seu lado.

O velhinho apenas encolheu os ombros e forçou um dúbio sorriso.

Aquelas palavras penetraram nos ouvidos de Emílio como uma flecha incandescente. A imagem da gaiola o fez sentir-se prisioneiro de si mesmo. Como o pássaro, ainda esperava que alguém o libertasse.

Mal dera um passo, foi tomado pelo pressentimento de estar sendo observado, assim como na biblioteca. Desta vez, porém, não estava confinado entre quatro paredes. Os arranha-céus pareciam antenas gigantes conectadas para captar cada movimento que fazia. Pedalou então o mais rápido que pode. O pressentimento não o deixava. Em sua cabeça, havia algo como um olho invisível vigiando-o das janelas espelhadas dos altos prédios. E o que quer que fosse, não podia ser visto. Então, tomou coragem e parou. Não aceitaria viver escondendo-se; não iria repetir o que sua família fazia há séculos: fugir. Olhou para os lados, às janelas e vidraças dos edifícios, às pessoas em sua volta, e como um louco, desafiou aquele olho invisível.

— Eu não tenho medo de você! — gritou. — Eu não vou aceitar!

Ele não queria chamar a atenção, mas um garoto montado numa bicicleta, olhando para o alto e gritando com as paredes não parecia alguém "normal" para quem passava.

— Meu Deus, o que as drogas não fazem? — afirmou um senhor de pasta na mão.

Emílio questionava-se por que as pessoas não percebiam, como ele, a vigilância silenciosa que os cercava. Como poderiam ser indiferentes ao controle bem acima de suas cabeças? No fundo, sabia que não eram cegos por acaso; algo os mantinha adormecidos. "Mas como podem não perceber?", perguntou-se muitas vezes observando a multidão. A resposta, ele a encontrou bem diante de seus olhos: a rotina. Compreendeu que os transeuntes ocupados em seu corre-corre entediante acabavam impedidos de enxergar além da aparência das coisas.

A estranha sensação só desapareceu quando cruzou seu olhar ao de uma linda águia no alto de um outdoor e se sentiu protegido. Um alívio inexplicável. A imagem gloriosa do animal trouxe-lhe um estado de paz e alegria: "Que coisa incrível! Uma águia na Cidade Luz!", exclamou. Uma vez que podia estar perdida, não parecia algo tão absurdo. "Deve ser por causa das mudanças climáticas. Os animais são os primeiros a procurar novas rotas", disse a si mesmo justificando aquele raro acontecimento. Não se deu conta, contudo, que apenas tentava acalmar-se ao recorrer a uma argumentação científica que aprendeu nas aulas de ciências. Afinal, algo deveria ser capaz de explicar como um animal de penhascos veio parar numa placa de metal. As lições de anos de escola sobre os limites entre pensamento e realidade lhe vieram à tona e insistiam em tapar sua visão diante do mundo fantástico que se manifestava a cada novo olhar que se permitia enxergar na velha rotina de entregar jornais. Ele ficou tão exasperado com sua covardia em simplesmente não aceitar mudanças que decidiu parar de contentar-se com as palavras que sua lógica lhe sugeria. Nada podia ser mais convincente que a raridade da aparição e a beleza estonteante do pássaro que avistara. Aquela imagem do belo restituiu-lhe o brilho do olhar e fez com que esquecesse o medo do extraordinário. Como uma fotografia, ela foi armazenada com toda a nitidez em sua memória. Só pensava em, mais tarde, satisfazer seu desejo de conhecê-la, quando o pouco tempo livre o recostasse na velha caixa d'água no terraço de sua casa, o local secreto onde sempre se recolhia para estudar e descobrir tudo o que era do mundo dos adultos ou do mundo da natureza. Mal podia esperar para conhecer nos livros os detalhes sobre o pássaro fenomenal que o encantou. Era o que fazia sempre quando algo novo o apaixonava; ele recorria incansavelmente aos livros até elucidar o mistério que o deslumbrava. Talvez fosse esta a razão de frequentar tanto a biblioteca, pois as coisas que não sabia ou não podia ter no mundo real, ele tinha nos livros.

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora