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Anna C. Evan, 07/02/2018 Brooklin Novo, distrito de Itaim Bibi - SP

   Hoje eu percebi que não temo a minha morte como deveria, de acordo com o natural do ser humano, mas sim a morte das pessoas que amo ao meu redor.

   Foi necessária apenas a aproximação de um cara estranho do meu pai que se afastava da estação, já que mesmo morando bem perto dessa, fazia questão de me levar até ela, todo dia. Passaram-se pensamentos bizarros de como o meu pai poderia morrer. Ele poderia ser assassinado. Poderia ficar tão decepcionado comigo, com a própria vida ao ponto de tirá-la como um grito de "Basta!". Poderia entrar em coma alcoólico por uma de suas sextas-feiras de bebedeira. Poderia morrer dormindo, sendo assim levado por uma idade avançada. Mas um dia, todos nós morreriamos. Uns mais cedo do que outros.

   Uns por vontade própria.

   Hoje eu também vi meu amigo enquanto esperava o metrô. Meu melhor amigo. Aquele ao qual estou privada de ter qualquer contato, por menor que seja. Mas mesmo eu estando proibida disso, a única coisa que se passava pela minha cabeça (e ainda está se passando no momento em escrevo isso, numa manhã de quarta-feira às 05:56) era sair daquela estação e correr. Correr a pouca distância que estava entre nós, o que eu sei que faria meus pulmões implorarem por ar em apenas alguns segundos, por conta do sedentarismo. Correr para ele e o abraçar, como se minha vida dependesse disso. Abraçar ele para nunca mais soltar. Apenas nossos braços ao redor um do outro dizendo que tudo iria ficar bem. Mas eu não fiz isso.

   O observei entrar no ônibus que o levaria para a escola, aquela escola que o mesmo chamava de prisão. O vi se afastar com aquele corte de cabelo estranho que tanto o agradava e me senti vazia.

   E então eu também fiz meu caminho. Entrei naquele metrô para chegar ao meu inferno particular. Lá, aonde me sinto inferior e burra até mesmo comparando-me a criança do ensino infantil.

   Entro naquele vagão lotado, repleto de gente com corações vazios e mentes a mil. Tão sonolentos quanto eu. Muitos até mesmo cochilando em pé ou com a cabeça recostada a janelas com vidro quebrado. Amigas fofocando sobre outras colegas de emprego. Alunos de escolas particulares e universitários apenas esperando para que tudo isso acabe.

   A paisagem fica borrada do lado de fora. As silhuetas embaçadas por conta da velocidade do metrô. E eu me sinto egoísta. Egoísta por pedir que ele vá devagar, para retardar a minha chegada naquela jaula disfarçada de sala de aula, com fileiras de carteiras e aquela lousa branca que parece me assombrar. Me sinto egoísta por pensar no que aconteceria se o mundo inteiro acabasse. Imaginem só! Nada de escola, nada de empregos que decepcionam familiares, nada de notas que  julgam nossa capacidade por questões de A a E.

    E quando chego na sala repleta de gente com mentes e corações vazios demais, com contas bancárias cheias demais, penso em como sentia falta dos meus velhos amigo. Daqueles funkeiros com corações enormes e malácos que gostavam tanto de gatinhos quanto gostavam de seus cigarros ou de suas bebidas. Sinto falta da quadrilha que não deu certo, das bocas que beijei e das que não beijei também. Sinto falta de ouvir k-pop e música sad com meus amigos retardados. Sinto falta da vida que foi arrancada de mim no momento em que cheguei em casa fedendo a vinho e cigarro, não pelo álcool ou pela nicotina, mas por conta das pessoas, que nada tinham a ver com os acontecimentos, esses os quais tive que me afastar.

   Eu espero que um dia possamos estar todos nós, juntos como antigamente, cantando Guns n' Roses, David Bowie ou até mesmo alguma música da Cyndi Lauper.

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   O intervalo é meu horário de pensar, o que não é realmente uma coisa boa. Eu tenho medo de pensar. Tenho medo do que posso fazer se pensar demais.

   Para não pensar em coisas aleatórias eu me foco em ler, de fanfics a livros estranhos ou pensar no menino bonito da minha sala. Essa última acontece involuntariamente. Eu não posso dizer “estou apaixonada” como uma criança de ensino fundamental, mas eu não consigo não pensar em como acho os olhos castanhos atraentes e extremamente adoráveis quando ele sorri, as mãos bonitas e a pele branquinha. É tudo muito automático. Ele está lá duas fileiras ao lado, apenas algumas cadeiras a frente. Eu o olho e as vezes o escuto falar, e a voz dele é incrível! Pensar na possibilidade de ele perceber o quanto eu o olho é algo que me apavora. Pensar em ser rejeitada me apavora.

   Deus, eu só peço que ele seja gay!!!

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   Foi um bom dia, além de tudo. Eu e minhas primas pintamos um pedaço de uma das paredes sem graça do meu quintal. É incrível o quão idiota eu me sinto por sentir que estou alí apenas por ser a minha casa. Eu sei o quão bem elas estão longe de mim, mesmo que eu me sinta tão mal por estar sozinha. Eu sei que eu sou apenas a terceira prima. Aquela que serve pra quando as outras duas estão brigadas. A distração para quando elas sentem que precisam de tempo uma da outra.

   Eu acho que nunca senti isso. A necessidade de dar um tempo com uma pessoa importante pra mim, até porque eu nunca tive essa pessoa. Sempre fui eu, meu irmão e nossos pais. Nós quatro contra o mundo. Mas aí nós nos mudamos. Viemos morar onde a família do meu pai estava. Longe de toda a família da minha mãe, não que nós morássemos perto antes, mas ainda era longe.

   Minhas primas tinham ido me visitar naquelas férias. Elas já estavam a quase um mês morando conosco e às vezes elas paravam de se falar. Eu apenas podia observar e ouvir. “Eu sou um canal”, repetia para elas, “vocês só falam uma sobre a outra”, pensava comigo mesma. Mas elas logo voltavam a se falar, mais grudentas uma com a outra do que nunca, e isso me deixava feliz. Ver que elas têm uma a outra me deixava feliz. Mas fazia eu me sentir extremamente invejosa. Pois eu sentia sim, inveja. Não era ciúmes, nem nada do tipo. Eu as invejava por sempre terem tido alguém a quem recorrer. Por sempre terem tido, não só uma a outra, mas também toda a família ao redor.

   Esse sentimento um dia vai passar. Um dia eu terei alguém para segurar a mão no final do dia.

all will passOnde histórias criam vida. Descubra agora