Capítulo 2 (quarta parte)

1.5K 187 46
                                    


IV


— Lucas? — disse o Igor, apertando os olhos como se não acreditasse que eu era real — O que você tá fazendo aqui?

— A rua é pública, não é? Ou eu vim cedo demais?

Amanda passou para a frente do Igor, toda simpática, tentando evitar confusões, mas claro que ela não sabia que só ia piorar as coisas.

— Oi Luca, tudo bem? O Igor vai jogar hoje, bora lá com a gente!

Olhei para o Lucas, que estava com cara de susto atrás da Amanda e olhava me olhava de forma significativa, como se tentasse me dar um recado.

— O quê?

Eu não estava acreditando. O fluxo de pessoas na rua mais movimentada do bairro tinha que desviar da gente para continuar no curso, mas eu não os via, a raiva e a decepção me cegavam.

— É, vamos lá com a gente... — o Igor repetiu com um sorriso sem graça, ficando ainda mais sem graça quando a Amanda pegou o braço dele e passou sobre os próprios ombros.

— Tá de brincadeira, não é? — falei diretamente para o Igor, olhando bem nos olhos dele, que começou a ficar com cara de bravinho.

— Ih gente, vocês não vão brigar por nada no meio da rua, vão? — E com uma alegria mal contida ela confidenciou — Lucas, a gente tá ocupado, se é que me entende, depois a gente conversa, amigo.

— Eu não tô acreditando nisso... — balancei a cabeça, me sentindo sufocado. Doeu a alma. Tremi de ódio, também.

— Então Lucas, depois a gente conversa, vai lá no jogo depois...

Quando o Igor disse isso, tão sem jeito que quase não se ouvia, e já começava a virar as costas e andar, me deixando para trás, eu me senti uma bomba-relógio no último segundo da contagem regressiva: explodi em milhares de estilhaços.

Dei alguns passos rápidos e com o punho cerrado acertei bem no sorrisinho envergonhado e idiota que ele tinha na boca, pegando-o de surpresa. Com a outra mão o empurrei e me preparava para mais quando uma mulher que passava deu um grito e a Amanda e entrou na minha frente, segurando as minhas mãos e me chamando de doido. Eu a derrubaria se outras pessoas não tivessem me ameaçado, então me contive e elas ficaram de longe.

O Igor levou a mão à boca e retirou-a cheia de sangue, o lábio superior parecia cortado, e apesar de ter raiva estampada no rosto, ele não revidou nem tentou se defender, apenas caminhou até um poste e se encostou nele, onde ficou cuspindo o sangue e olhando para baixo. Eu fiquei onde estava, sendo vigiado caso tentasse passar pela Amanda e chegar ao meu alvo, minhas mãos tremiam de nervoso e um vazio enorme se formava dentro de mim, como se alguma coisa grande tivesse sido arrancada à força. Minha respiração saia com dificuldade e eu não sentia o chão, estava mesmo forma de mim. Me sentia mais ferido do que o Igor, muito mais, porque um corte na boca logo sara, mas a dor que eu sentia era longa, humilhante. Suspirei para prender as possíveis lágrimas que pudessem cair, porque eu nunca me permitiria chorar feito um bebê na frente deles, ainda que me afogasse nelas depois.

— Lucas, olha o que você fez! — disse a garota que até então era minha amiga. — Ele não fez nada com você! Você tá maluco, é?

Ri de raiva e tristeza, passei as mãos pelo rosto, me dando conta de que eu tinha que sair dali ou a cara do Igor levaria mais socos, se ele não se defendesse. Imaturo? Pode ser. Com a palavra Egoísta eu já estava acostumado, desde criança ouvindo os parentes "Ah, mas a Norma deveria arrumar outro filho, senão o Lucas vai crescer achando que o mundo é só dele" e "Ele não sabe dividir nem esperar". Que fosse, eu estava sofrendo, se chamassem de egoísmo e imaturidade eu estava pouco me importando. Essa primeira decepção em praça pública pautou a minha filosofia para toda a vida, nos relacionamentos que me arrisquei a entrar: nunca aceitei ser o segundo plano de ninguém.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora