Capítulo 4 (primeira parte)

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Nove anos e meio depois...

Eis que num belo dia o bendito Igor aparece na minha vida novamente. Belo porque era uma tarde de final de setembro, sábado, o céu azul, os flamboyants floridos pintando o horizonte de vermelho, a praça cheia de crianças tomando sorvete, um casamento acontecendo na igreja matriz, vestidos longos e curtos desfilando, e eu lá, sentando num banco, olhando o movimento. Até que me levantei e comecei a andar, talvez eu tenha decidido tomar sorvete, ou talvez eu tenha visto a tia do feijão tropeiro e ia lá comprar, agora não me recordo bem, o que me lembro é que enquanto eu caminhava, avistei um cara muito alto vindo em minha direção e por estar contra o sol, eu não via nada além dos contornos. Por alguma razão (por que seria?) caras altos me chamavam a atenção e como meu namorado ciumento não estava por perto, eu não hesitei em olhar. Braços longos e fortes, camiseta regata, bermuda e chinelos. E se aproximando. Mais perto eu pude ver: cabelos escuros, baixos, barba, olhos verdes... Olhos verdes? Sim. E sorriso de quem estava se divertindo com a situação. Igor. Filho da mãe.

No início eu duvidei dos meus próprios olhos, pisquei, forcei o olhar. Como eu só usava óculos para ler e para trabalhar, então estava sem eles e poderia estar sendo enganado pela luz do sol poente, pelas lembranças de poucas horas atrás, pela pegadinha do Silvio Santos, pela fome, mas depois, quando reconheci aquele sorriso petulante, agora sem aparelho ortodôntico, com os dentes perfeitos, e aqueles olhos lindos, que um dia vi de tão perto, eu fui obrigado a acreditar: era ele!

Mas eu não podia simplesmente pular de alegria. Estávamos bem perto do último local em que nos vimos, naquele fatídico dia, quando minhas ilusões foram quebradas, assim como a cara dele (literalmente falando).

Eu não podia demonstrar que estava feliz, muito menos ansioso para vê-lo, e era tarde demais para fingir que não o vi, mas ainda podia me defender, eu realmente não o tinha reconhecido de longe. Continuei até a barraca de churros, que era a mais próxima, e pedi um. Estava nervoso e surpreso, porque eu tinha pensado nisso há poucas horas, em como eu não saberia como reagir se o visse um dia, mas o momento havia chegado e tudo o que eu fazia era tentar respirar naturalmente. Então me virei e o encarei.

— Lucas, quanto tempo! — ele disse, me dando a mão, aquela mão enorme que dava duas da minha.

— Igor?

Ele me abraçou rapidamente, tão rápido que nem deu tempo de pensar se retribuía ou não. Ele estava magro, mas forte, mais alto do que eu me recordava, cheiroso e mais bonito do que nunca. Com certeza ele ainda praticava esportes, pelo físico que exibia.

— Vejo que você não mudou nadinha, hein. — Ele continuou, me observando de cima.

A voz dele, a forma com que ele falava, era a mesma de quando me provocava na escola, me chamando pra briga. Entrei no clima de dez anos antes e respondi no mesmo tom, inclinando o queixo para olha-lo.

— É, e você, pelo visto também não. O que faz aqui?

— Nossa, o que faz aqui! — ele riu e revirou os olhos — A cidade é sua, por acaso? Meus parentes não me contaram. Estou de férias, não posso?

— Claro que pode, eu só perguntei porque tem anos e anos que você não aparece.

— Nada disso, eu venho de vez em quando, só que você não fica sabendo.

Ele disse isso e deu uma piscadinha, o que me incomodou levemente. Ignorei. A atendente me entregou o churro e eu comecei a me afastar da barraca, com o Igor me acompanhando.

— É, não fiquei sabendo mesmo, mas tudo bem. Mas que bom que você está bem, parece que ainda joga né, legal. Bem, eu já vou indo, tenho compromissos mais tarde. Foi bom te ver.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora