Capítulo 5 (primeira parte)

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O fim e o recomeço



Quando o Igor foi embora, já passava das sete da noite. A gente começou a falar do passado, dos nossos colegas, dos nossos hobby, caímos na besteira de falar sobre as nossas profissões, e assim o tempo passou sem que eu me desse conta. Quando ele estava saindo, meus pais estavam chegando no portão, e isso me deixou sem graça, minha mãe deve ter se lembrado da conversa que tínhamos tido havia poucos dias, pelo jeito que me olhou. Fui para o quarto antes que ela comentasse alguma coisa.


Durante aquela semana ainda me mantive firme no propósito de evitar encontros com o Igor, mas isso estava ficando cada vez mais difícil. Ele saía todos os dias para correr e passava pela minha rua, justo na hora que eu estava saindo para o trabalho, me cumprimentava, às vezes a gente trocava algumas palavras, e com o tempo as conversas na rua foram aumentando. No outro fim de semana ele apareceu na minha casa, eu estava trabalhando, mas ele teimou em me ajudar e assim descobrimos que tínhamos muitas habilidades em comum. Foi divertido e confesso que me senti estranho quando tive que mandá-lo embora para que o Miguel não o encontrasse no meu quarto, e ele saiu sem dizer palavra, de cabeça baixa e com um sorriso triste. Para compensar, chamei-o para jogar no outro dia, ele topou, e mais uma vez conversamos até perder a noção do tempo.

A partir daí ele passou a ser presença constante onde quer que eu estivesse, mesmo que essa presença fosse virtual ou moral. De repente ele começou a aparecer no meu local de trabalho, não para me importunar, mas para falar com meus colegas que também eram dele, e de repente ele estava enturmado com a minha turma, participando das coisas que eu participava, andando por onde eu andava, como nos velhos tempos. E eu não sabia o que fazer a respeito, ainda mais porque o dia de ele partir se aproximava. Como uma sina, cada vez que ele se aproximava de mim, era para partir logo em seguida e, por isso, dessa vez, eu não achava necessário mantê-lo distante. Para quem questionasse a aproximação, eu tinha a desculpa: ele é só um amigo que está de passagem, fim do mês e ele vai embora, mais duas semanas e ele vai embora, na semana que vem ele vai embora. As coisas andavam conspirando tão errado que naqueles dias nem mesmo o trabalho, que sempre adentrava as madrugadas, estava me mantendo a salvo.

Não sei se o efeito teria sido diferente se eu o tivesse repelido, se não o tivesse encorajado a conversar, a falar de si, e falado de mim para ele, mas o fato é que em poucos dias, a despeito de tudo o que eu pensava e sentia, eu estava simplesmente confuso. Eu tinha plena consciência de que recebê-lo na minha casa numa quinta-feira à noite desagradaria ao meu namorado, caso ele ficasse sabendo, mas ainda assim o recebi, eu sabia que aceitar seu convite para sair não ajudaria em nada na situação, mas mesmo assim eu aceitei. Não foi por desconhecimento do que poderia vir que eu permiti e até desejei tudo aquilo.

De repente eu me tornei aquilo que eu mais odiava: a pessoa que não sabe o que quer. Aquela pessoa que fica procurando defeitos no companheiro e motivos que justifiquem seu mau comportamento. O Miguel era ciumento, sempre foi, e eu sabia disso. Ele tinha ciúmes dos meus colegas de trabalho, heterossexuais e comprometidos que nem se quisesse eu teria a menor chance. Já havíamos brigado não sei quantas vezes por causa disso e ele sempre estava errado, mas dessa vez ele estava certo. Ainda que não tivesse acontecido nada entre mim e o Igor, eu estava, de fato, dividido.

O Miguel ligava constantemente, eu explicava que não era o que ele estava pensando, às vezes omitia detalhes para não o estressar, ainda mais em seu período de provas na faculdade, mas aquelas discussões estavam nos desgastando. Depois de passar alguns dias estranhamente calmo, ele apareceu na minha casa, num horário bem incomum, com uma sacola, colocou-a sobre a minha cama e ficou me olhando, de pé, com os braços cruzados. Fiz menção de me levantar, mas ele me fez permanecer onde estava. Seu rosto estava vermelho e decidido.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora