THALEIA E AS FLORES CANDENTES

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- Sente-se!

- Também, assim...

- Sente-se!... você não está respeitando devidamente a presença das flores...

- Quero lá eu saber de flores...

- Ora, direis, não ouvir as flores...

- Você está misturando teses e...

- Cale-se! Sente-se!

Sentei-me por fim. Por meio de uma superabundância de flores, prímulas, para ser exato, bem como de instalações, vasos e cachepôs para ser mais exato, que se afirmam por meio de um percurso jardinativo intenso, onde a mulher gentil, amável, para ser mais exato, vivencia e sente...

- Vivencia e sente o que? – ele perguntou, sobraçando orquídeas... – vivencia o que?

Sujeito chato. Dono de um nariz aquilino que sugava quase todo o ar do ambiente. A garota, por sua vez, muito engraçada, brincando com suas flores. Ele continuou a lenga- lenga interminável... ela ria...

- A criação de novas formas e tradições de flores, entre formas de flores estanques, como margaridas, rosas, anêmonas, estrelitzas, acácias, gardênias (e o que mais viesse) é também parte do passado, - e jogou sobre mim uma maço de crisântemos amarelos (vim saber depois, para ser mais exato).

Fica evidente, pois, para qualquer conhecedor de flores que a exposição montada por aquele chato sem galocha, não trazia nenhuma novidade formal. Se dependesse dele inventaria umas dez novas floradas e novos botões, mas, não dependia... tudo se devia de acordo com a vontade de Thaleia. Ela se limitava a contar piadas e a colocar e retirar máscaras. Ela mesma ria e rolava no chão com dores de barriga.

- Thaleia, - ele dizia entre dentes, - usa o mesmo repertório criativo de uma série de movimentos modernos da época grega pré-Aristóteles, - e eu percebi um ar de mofa que... não disse o nome dele não é(?), pois digo-o agora... o meu mal- educado ordenador se chamava Clóvis. Clóvis continuava. - Isso não deveria surpreender ninguém... mas, não precisa perder nosso tempo contando anedotas que nem mesmo Tales de Mileto conhece...

- O jônio?

- Falo de Tales, o que cultiva azeitonas...

- O senhor conheceu Tales?

- Evidente... de leituras e ouvir falar.

- Muita gente diz que sua Filosofia vem da plantação e colheita de azeitonas...

- Como?

- Primeiro era ciência, contar azeitonas, calcular estoques e prevenir o futuro... depois virou Filosofia. (ela o olhou com os olhos de amêndoas) Então, não conheceu...

Clóvis resmungou e empurrou o canteiro de azaleias para a esquerda...

- Quer coisa mais imbecil que uma azaleia?

Clóvis tem formação como Mestre engenheiro, porém, depende de Thaleia. A que faz brotar as flores... Isso talvez explique sua linguagem rebuscada, sardônica, um tanto intempestiva e ordenadora... mas, não explica seu sucesso.

- Sente-se!

Thaleia jogou seu bastão para Clóvis pegar e ele deixou o bastão cair. Foi incompetente nas lides circenses. Thaleia começou a rir, levantou os pés sujos...

Se aceitarmos que as flores são mensagens, aí começamos a compreender a razão do sucesso de Clóvis. O trabalho de Clóvis não é uma obra de arte em jardinagem, no sentido tradicional. É, na verdade, um projeto lá da vida dele que não faz nenhum sentido para a vida dos outros...

- Sente-se! E preste atenção!

- Se cada jardim plantado por Clóvis acionar estruturas olfativas ou visuais acrescentando significados à mensagem original, então teremos, como resultado um determinado jardim de delícias, zona de flores entrando em nós por diferentes buracos e furos... algo um tanto erótico, para ser exato... maneiras, por assim dizer, por meio de sentidos vários: você vê, cheira, toca a flor, acessa, presencia a criação do jardim. Evidentemente que o jardim gira em torno da vida da musa, mas seu maior ator e divulgador é o próprio Clóvis que se arrasta em carretas e sacos repletos de gerânios, que são as personagens da mostra...

- A culpa é de Thaleia, se não há novidades... Já carreguei cinquenta baldes de Dálias... mundo afora.

Clóvis, apesar de mal-humorado, é a razão do sucesso do jardim. Ele carrega a bisnaguinha com específico e misterioso caldo verde que espirra na cara das plantas. E quando o jardineiro é mais importante que o jardim (tipo: "isso não é apenas uma fúcsia, é uma alfazema"!) já sabemos: estamos em presença do gênio. E esse gênio submete a platéia de visitantes com uma massa de informações e de formas de exposição tão diferentes, numa quantidade superlativa de vasos de barro e cimento, que qualquer mortal fica inferiorizado por esse volume de begônias e bogarins nunca visto, fantasias de glicínias, símbolos de camélias, citações de hortênsias e controles remotos de cactos. Cactos de vidro.

Única atitude: a reverência. Estamos num labirinto de cardos e ciclames. Infinitudes de risonhas íris azuis, pletora de cravos e centáureas.

- Sente-se! Verei se espremo alguma ideia de Thaleia. E, já volto. Não mexa nas flores!

MITOLOGIA PELO MÉTODO CONFUSOOnde histórias criam vida. Descubra agora