Penúltima semana do mês de Junho e daqui a sete dias... Férias! Parece um sonho e vai ficar ainda melhor na sexta-feira, quando meu castigo acabar e junto com ele o meu aniversário.
Dezoito anos. Nem eu mesma estou acreditando. É uma pena que não vou passar com meus amigos ou com minha família. Mas meus pais e Anna prometeram um bolo. E eu vou contar as horas para o baile dos formandos acabar, e assim voltar para casa e mergulhar de cabeça no meu bolo de chocolate.
Minha animação só não é completa porque aquela poção não funcionou. Já passou uma semana e nada. Não tive dores de cabeça ou flashes. A única coisa que consegui foi uma diarreia, que quase me envergonhou diante da escola toda. Menos mal que consegui chegar ao banheiro. A cena deve ter sido engraçada. Eu correndo feito uma doida pela escola e Karen me seguindo e gritando “Espera!”, com uma caixa de lenço na mão. Justo naquele dia esqueceram de abastecer os banheiros com papel higiênico.
Ainda tinha mais duas provas, e neste momento estou estudando para a prova de História. Arrumei os travesseiros na cama e deitei para dar uma última lida nas minhas anotações. Sei que deveria estar no meu nono sono, mas se o aluno não escreve exatamente como está na apostila, a professora dá a resposta como errada.
Já não conseguia manter meus olhos abertos. Eles teimavam em fechar. Minha vontade era grampear minhas pálpebras na testa. Ou podia ser até com a supercola bastão da Anna, que de tão eficaz, era capaz de colar até tecido.
Estava lendo o último parágrafo sobre o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, que deu origem a Primeira Guerra Mundial, quando ouvi a porta do meu quarto se abrir com tudo. Dei um pulo e joguei a apostila no chão.
Fiquei de joelhos na cama e olhei para a porta. Não havia nada, apenas o corredor escuro. Levantei-me lentamente. Ajeitei minha camiseta regata e o cordão da calça do pijama. Apoiei minha mão no batente e espiei o corredor.
– Mãe? – Olhei para a escada e vi uma sombra.
– Anna? – Dei alguns passos. – Não tem graça, sabia?
Coloquei meu pé no primeiro degrau. Quando ia dar mais um passo alguma coisa agarrou meu pé e me derrubou na escada e me arrastou para baixo.
Levantei o rosto para ver quem era, mas o que vi foi um belo quintal. Com árvores, roseiras e um grande estábulo do lado direito, onde um cavalo branco bebia água, enquanto um rapaz de cabelos escuros, um pouco longos, cuidava dele. O rapaz conversava com o bicho e passava a escova.
Coloquei a mão no chão de terra e me levantei. Não sei explicar, mas de alguma forma eu conhecia aquele cavalo. O pangaré se chamava Bobby e o rapaz...
– Tristan! – Gritei. Ao abrir a boca, percebi que minha voz saiu estridente e fina. Como de uma criança. O rapaz se virou ainda com a escova na mão. Sorriu em minha direção e veio até mim.
– O que faz aqui, pequena dama? – Ele me pegou no colo como se eu não pesasse nada. – Como vai? – Recebi um beijo na bochecha e também lhe dei outro.
– Vamos até o lago? – Perguntei. – Está me devendo aquelas aulas.
Ele me observou por alguns segundos. Seu olhar não me incomodou, pelo contrário, poderia passar o dia todo olhando para aqueles olhos azuis como o céu.
– OK. – Ele sorriu. – Vou terminar de cuidar do Bobby e então vamos.
Alguns minutos depois estávamos montando outro cavalo de cor marrom e cavalgando no meio de uma floresta. A toda velocidade. Por alguma razão eu sabia que estávamos fazendo algo errado. O rapaz fazia o cavalo pular troncos de árvores e até passamos por baixo de alguns. A sensação de estar correndo por aquela floresta era única. Sentir o vento no rosto dava a impressão de estar voando.
– Mais rápido! – Gritei ao passarmos por mais um tronco caído.
– Se cairmos, seu pai me mata. – Disse o rapaz. – Ele proibiu corridas com você na garupa.
– Não pedi pra você correr, foi você que começou.
– É verdade. – Ele riu. – Se segura! – Pulamos mais um tronco.
Chegamos à beirada de um lago de águas cristalinas. Você podia ver seu reflexo como se fosse um espelho.
– Está pronta para dar umas braçadas? – Perguntou o rapaz.
– Promete que vai ficar por perto? – Perguntei.
– É claro que vou. – Ele estendeu a mão. Segurei-a com força e começamos a caminhar em direção ao lago.
No início eu podia sentir meus pés tocando o solo, mas conforme avançávamos, meus pés iam ficando suspensos.
– Não me solta, Tristan. – Disse enquanto fazia força para boiar.
– Continue batendo os pés. – Ele me segurava de leve pela cintura.
– Você vai me soltar!
– Não vou. – Ele riu. – Tente bater os braços.
– Não consigo.
– Consegue sim. Concentre-se.
Fiz algumas tentativas, mas meu medo de afundar era maior.
“Deixa de ser medrosa”, pensei.
Dei um suspiro e comecei a bater os pés e os braços. Nem acreditei quando vi que conseguia me movimentar por alguns centímetros.
– Consegui. – Comemorei.
– Parabéns. – Então vi o rapaz batendo palmas. Ele tinha me largado. Dei um grito e afundei. Não levou nem um segundo e duas mãos me erguiam pela cintura.
– Você me soltou. – Disse quando vim à tona. – Seu idiota! – Dei alguns tapas em seu rosto, mas ele apenas riu. – Eu podia ter me afogado!
– Não seja melodramática. – Ele jogou um pouco de água no meu rosto.
Não sei se passamos a tarde toda no lago. Era difícil ter uma noção do tempo. As imagens mudavam de repente.
Agora estávamos de volta ao estábulo e por algum motivo, eu estava chateada. Tudo começou quando vi uma carruagem vermelha, com cortinas pretas e dois cavalos brancos parados no quintal ao lado do estábulo.
– Venha. – O rapaz me ajudou a descer do cavalo. – O que foi, pequena dama?
– Os Radcliff vieram fazer uma visita. – Apontei para a carruagem. – Eu gosto da Sra. Radcliff, só não suporto o filho mais velho. Aquele almofadinha chato.
– Tenho que concordar. Patrick é meio difícil de engolir. – Disse o rapaz meio risonho. – Deve ser o cabelo arrumadinho.
– Ele ainda vai pagar pelo que fez a você. – Disse. – Aquele loirinho fresco não tinha o direito de te bater.
– Ainda lembra-se disso? – O rapaz franziu a testa. – Já faz mais de um ano.
– Tristan, eu tenho uma boa memória.
– Estou vendo. Mas... Só não gosta dele porque me bateu?
– Também, mas estou louca da vida com a proposta que a mãe dele fez a minha.
– E qual foi? – O rapaz prendeu o cavalo e começou a retirar a sela.
– Ela sugeriu que quando eu tivesse dezessete anos me casasse com ele. Pode uma coisa dessas? – Bufei.
– Só por isso?
Fiquei com tanta raiva pela sua falta de atenção, que dei lhe um chute na canela.
– Isso é sério, Tristan! Não vou me casar. Ele é besta e mais velho. – Fingi um arrepio só para fazer graça. Por incrível que pareça isso não me incomodava. O que me irritava era o fato dele ser besta mesmo. – Quando eu tiver dezessete, ele vai ter vinte e cinco.
– E daí? – Preparei outro chute, mas o rapaz fugiu. – Pequena dama, sabe que é a tradição. Você é uma fênix e tem que casar com alguém de sua espécie. Assim dará continuidade a ela.
– Eu podia ter filhos com um livre. De acordo com a lei é permitido. – O rapaz, que até a pouco estava de costas rindo, se virou com tudo e apertou meus braços.
– Nunca mais pense ou diga isso, entendeu? – Ele elevou a voz. Ao que tudo indica, ele nunca tinha feito isso comigo. Eu sentia minhas pernas tremerem e a vontade de chorar.
– Qual é o problema? – Perguntei tentando não chorar. – A lei permite. O Sr. Rossdale Pai tive os dois filhos com livres.
– Sim, mas é diferente. Ele é homem e é com ele que ficaram as crianças. No seu caso seria uma desonra para a sua família.
– Foi por isso que o tio Andrew fugiu?
– Mais ou menos. Que cara é essa? – Meus olhos já estavam cheios de lágrimas.
– Você gritou comigo. – E comecei a chorar.
O rapaz sorriu, se ajoelhou diante de mim e me deu um abraço.
– Desculpe. – Ele beijou o topo da minha cabeça.
De uma hora para outra o abraço se dissolveu como fumaça e me vi num quarto todo pintado de branco e com uma cama feita de madeira vermelha.
Estava usando um robe, enquanto uma mulher de longos cabelos vermelhos penteava os meus.
– Que diabos você fez com o seu cabelo? – Ela passava o pente, que se prendia em algumas mechas.
– Ai! Eu e o Tristan fomos nadar no lago. Ai!
– E como vão as aulas? – Mais uma vez senti um puxão.
– Bem. Hoje consegui nadar alguns centímetros sozinha.
– Que maravilha! – A mulher parou de pentear e olhou para mim com ternura.
– Mãe?
– Sim? – Ela retirou o robe e começou a me vestir.
– Vou realmente casar com o idiota do Patrick?
– A boca, Bettina! – Ela ajeitou a alça do vestido. – Talvez, mas falta muito tempo para isso.
– Mas você e o papai não ficaram noivos quando você tinha doze anos?
– Sim, mas agora os tempos são outros. E se a Sra. Radcliff vencer a eleição, ela vai mudar as leis, e quem sabe não precisará casar com alguém da sua espécie.
– Um livre? – Perguntei animada.
– Sim.
– Se as leis mudarem, já sei com quem quero me casar.
– Com quem? – Ela passou uma escova pelo vestido.
– Tristan. – A mulher levantou o rosto e ficou com uma cara muito feia. – O que foi?
– Nunca mais diga isso. Tristan não pode ser seu, entendeu? – Ela falou com tanta autoridade que fiquei muda. – Calce seus sapatos e desça. O jantar já será servido. – Ela caminhou em direção a porta.
Novamente fui teletransportada para outro lugar. Agora estava num corredor escuro e olhando por uma fresta, um escritório com uma grande estante de livros.
Sentado na escrivaninha havia um homem de cabelos vermelhos com leves ondulações. Ele usava uma camisa branca com um colete azul marinho.
– Não se preocupe com isso. Ela só diz o que diz porque é jovem. Logo, logo, ela envelhece e esquece essa paixonite.
– E senão esquecer? – A mulher de cabelos longos, que vi a pouco estava ao lado do homem – O que vamos fazer?
– Quando Bettina crescer, vamos contar a verdade. Ela é inteligente, vai entender.
– E se ela for rebelde, hein?
– Quer que eu mande Tristan embora?
Eu senti um aperto no peito.
– Não. Mas... Converse com ele.
– Se eu contar, Tristan vai rir na minha cara. – O homem começou a rir.
– Pare! – A mulher lhe deu um soco no braço. – Isso é sério, ou melhor, grave. Bettina é uma criança, mas ela vai envelhecer e se ela ficar uma mulher atraente. Acha mesmo que Tristan vai continuar a olhá-la da mesma forma?
O homem suspirou.
– Vou conversar com ele. Explicar a situação.
– Obrigada. – A mulher soltou um suspiro de alívio. – Vou ver como a nossa pequena está.
Eu me preparei para correr, mas antes que pudesse, comecei a ouvir o som de uma buzina, seguido de um...
– Acorda! – Anna chacoalhou meus ombros.
Apoiei meus cotovelos no colchão e abri meus olhos com tudo.
– Foi um sonho. – Disse. Eu sentia minha garganta seca.
– O quê? – Anna franziu a testa. – Levanta logo. O café já está pronto. – Ela pegou meu despertador do criado-mudo.
Assim que ela saiu do quarto voltei a deitar. Sentia minha cabeça girar e meu corpo todo dolorido. Virei de lado e encontrei minha apostila jogada no chão.
Se não fosse semana de provas faltaria. Sem alternativa, a melhor coisa a fazer era tomar um banho e uma xícara de café bem grande.
– Bom dia. – Disse ao entrar na cozinha vinte minutos depois. Deixei minha mochila no chão e arrastei minha carcaça até a pia. Peguei uma xícara grande e a enchi com café.
– Tudo bem, querida? – Perguntou meu pai.
– Tudo. – Puxei a cadeira e me sentei. – Só estou cansada.
– Veja só pelo lado bom, as aulas estão acabando.
– Verdade. – Bocejei. – Mãe, onde guarda a sua caneca térmica?
– No armário em cima da geladeira. – Minha mãe me observou com desconfiança. – Por quê?
– Vou precisar de uma dose extra de café.
Assim que eu e Anna entramos no Impala, voltei a dormir. Um cochilo de quarenta minutos seria tudo de bom.
Não sei se foi o cochilo ou as duas xícaras de café, mas fiquei ligada durante as provas.
Karen e Gabriel disseram que eu parecia uma cientista maluca, que virou a noite acordada e que por causa da falta de sono e da overdose de café, fiquei com os olhos arregalados. Exagero, é claro.
Quando o relógio marcou duas da tarde, eu já tinha acabado todas as provas do dia e do ano letivo. Agora era só esperar pelas notas e férias.
Enquanto esperava pela minha irmã no estacionamento, aproveitei para terminar de ler os últimos capítulos do segundo livro de Vampire Academy. Estava tão compenetrada na cena, que nem senti que alguém se aproximava.
– Srta. Kilvert Dois? – O Sr. Coulson estalou os dedos.
– Ah! Oi! – Abaixei o livro. Quando ergui o rosto, ele me observou preocupado.
– Está bem?
– Sim. Por quê?
– Está com umas olheiras fundas.
– Não dormi muito bem. Na verdade, eu dormi. – Coloquei o marcador de páginas no livro e o fechei. – Só que sonhei com tanta coisa, que ao acordar tinha a sensação de não ter dormido nada.
– O que sonhou? – Ele riu e cruzou os braços.
– Não foi sacanagem. Posso garantir. – Retruquei brava.
– Não disse nada!
– Mas pensou!
– Não pensei, mas agora que mencionou...
– Credo! – Levantei-me. – Sonhei que estava com... – Não completei a frase “Tristan” – Tristan!
– O quê? – O Sr. Coulson franziu a testa.
– Tristan. – Repeti.
– Do que está falando, Srta. Kilvert ? – O Sr. Coulson deu alguns passos para trás. Acho que minha agitação o assustava.
– Eu não sonhei. Foram lembranças. – Disse com um grande sorriso.
– E quem é esse Tristan?
– Não sei. – Segurei seu braço. – Mas vou descobrir. Minhas lembranças estão voltando. – Eu queria sair gritando. Extravasar minha alegria. Se Anna estivesse ao meu lado daria um forte abraço nela.
– E o que mais se lembra?
– Aconteceu um jantar na minha casa, ao menos acho que era. Tinha uma coisa sobre um casamento... Uma eleição. – Suspirei. – Vi tantas coisas que vou levar um tempo para organizar.
– Posso dar uma sugestão?
– Claro!
– Compre um caderno e anote tudo que se lembrar. Assim pode organizá-las melhor.
– Vou fazer isso.
No caminho de volta para casa, contei sobre o sonho para Anna. É claro que era difícil de explicar. Talvez eu deva anotar tudo, como o Sr. Coulson sugeriu.
Queria chegar logo em casa e contar aos meus pais, mas não pude. Eles tinham uma surpresa para mim e estavam eufóricos demais.
Assim que entrei em casa, minha mãe me fez sentar no sofá e colocou duas caixas marrons de presente no meu colo. Aquele dia não podia estar melhor. Presentes de aniversário adiantados.
Abri a primeira caixa e dei de cara com um sapato de salto na cor pérola e com algumas pedrinhas.
– Sapatos? – Franzi a testa.
– Não gostou? – Minha mãe ficou triste.
– É lindo, mas mãe... Não sei andar de salto. Não me entenda mal. – Cocei a cabeça. – Sou muito... Moleque.
– Mas eu posso te ensinar. – Minha mãe se sentou ao meu lado. – Abra a outra caixa.
Abri a outra e encontrei um vestido, também na cor pérola. Era lindo. O top era todo rendado, as mangas eram curtas, a saia não era curta, passava um pouco os joelhos e tinha algumas pregas pequenas.
– É a sua roupa para o baile.
– Mas eu vou lá apenas para ajudar. – Disse séria.
– Eu sei. Que tal ir ajudar com estilo? – Minha mãe tirou o vestido da caixa e me obrigou a levantar. Ela o colocou contra o meu corpo. – Agora que o seu cabelo cresceu dá até para fazer um penteado. O que acha? Diga que gostou, por favor. – Ela segurou minha mão.
– Adorei. – Minha mãe começou a dançar. – O que é isso? Single Ladies?
– Mais ou menos. Amanhã vamos começar a treinar com o salto. Se depois de toda essa produção o tal Ryan não te pedir em namoro, não sei de mais nada. – Minha mãe pegou os presentes e subiu as escadas.
Olhei para Anna, que estava sentada no sofá. Ela tinha um sorriso, que era uma mistura entre o alegre e o maquiavélico.
– Foi você! – Olhei feio para ela, que apenas disse...
– Não sei do que está falando.
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Entorpecida (A Chave Mestra #1)
AdventureHistória Concluída Hayley sempre se considerou a encrenqueira da escola, a garota sem memória adotada pelo casal Kilvert, e que vive em pé de guerra com a irmã, que possui um péssimo gosto pelo sexo oposto. Seu mundo começa a mudar após um inciden...