Capítulo 14 - Limusine

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– Bom dia – Senti algo macio percorrer meu rosto.

– Sai! – Levantei a mão como se estivesse espantando um mosquito.

– Acorda.– Mais perturbação.

– Ai, Anna! Sai! – Tirei o lençol e me sentei na cama.

– Feliz aniversário! – Gritaram Anna e meus amigos ao mesmo tempo.

Esfreguei os olhos e observei meus amigos e irmã usando chapéu de aniversário do Mickey.

– Isso é jeito de acordar uma amiga? – Mexi no cabelo.

– É claro que é. – Karen se jogou na cama. – Parabéns. – E me entregou uma caixa embrulhada com papel dourado.

– Parabéns. – Junior me deu um embrulho cheio de fita adesiva.

– Eu trouxe meu presente, mas Hayley está me dando um muito melhor. – Gabriel tinha um sorriso safado. – A comissão de frente aumentou nestes últimos anos.

– Sai daqui, tarado! – Disse ao pegar o travesseiro e me cobrir.

– Não sei por que fica cobrindo? Eu já vi!

– Ai, se vocês vão começar a lembrar do romance que tiveram, vou embora. – Disse Karen.

– Eu também. – Disse Junior. – Nunca vou esquecer da sua bebedeira, quando ela te deu o fora.

Arregalei os olhos.

– Você encheu a cara por minha causa? – Comecei a rir.

Gabriel ficou sério.

– Ele até tentou se matar. – Disse Junior.

– Espera... Conta mais. – Disse Anna, que se sentou na cama.

Junior deu um sorriso maldoso. Parece que chegou a hora da vingança.

– Esse mané chegou à minha casa num sábado à tarde. Foi um dia depois de ele ter levar o fora. – Junior riu. – Ele já chegou chorando e dizendo “A Hayley não me ama mais, não sei o que vou fazer sem ela!”.

Karen e Anna começaram a rir, tanto que as duas afundaram na cama ao meu lado. E eu fiquei de boca aberta.

– Tentei consolá-lo, mas ele atacou o armário de bebidas do meu pai e ficou mais chorão. Até o momento em que subiu na varanda do meu quarto dizendo “Eu vou me jogar. A vida não tem mais sentido!”.

– E o que você fez? – Perguntei.

– Ah, eu o segurei pela calça e o puxei para dentro. Depois levei essa coisa. – Junior apontou para Gabriel, que tinha um olhar “Vou arrancar sua pele” – Para o banheiro e dei um banho nele. Se a minha mãe o visse naquele estado, me mataria e depois me ressuscitaria para a mãe dele me matar outra vez.

Levantei da cama e dei um abraço no meu amigo chorão.

– Desculpa.

– Tudo bem, já superei.

– O que posso fazer para você se sentir melhor? – Perguntei ainda abraçando-o.

– Mostra os peitos pra mim. Ai! – Dei lhe um tapa na nuca.

– Cadê o meu presente? – Perguntei ao me afastar.

Gabriel sorriu e tirou do bolso uma caixinha azul.

– Não podemos esquecer o bolo. – Karen pegou uma sacola cor de rosa do chão e de dentro tirou uma caixinha branca.

– Um cupcake? – Perguntei.

– Foi o que deu para comprar. – Ela colocou uma vela azul no topo. – Vem cá! Assopra a velinha.

Aquele era o cupcake mais feio que já vi. A massa cresceu torta e o chantili no topo parecia creme de barbear, com barba e os confeitos foram jogados de qualquer jeito. Mas como diz minha mãe “O que vale é a intenção”. Mal sabe que de boas intenções o inferno está cheio. Se bem que eu sei que aquele cupcake foi comprado com todo o carinho.

– Faz um pedido. – Disse Anna.

Fechei os olhos e fiz meu pedido. Nem sei o que deu em mim para pedir aquilo, mas tudo bem.

– Parabéns! – Disseram todos assim que a vela apagou.

Depois de comermos o cupcake charmoso, abri meus presentes, que eram: Uma bolsa prateada, um par de brincos, um coelho de pelúcia estranho (Aquilo era a cara do Junior) e um colar com uma medalha amarela com a frase “100% Nerd”. Tinha que ser do Gabriel.

– Nós já vamos. – Disse Karen ao se levantar. – Nos vemos à noite?

– Não vai dar. Vou trabalhar no baile. – Disse.

– Como você é lerda! – Karen revirou os olhos. – Eu e o Gabriel compramos os ingressos.

– E vamos passar para te buscar as oito da noite. – Disse Gabriel. – De limusine.

– Sério?

– É claro. Por que acha que seus presentes foram tão baratos? – Gabriel arrumou os cabelos. – Eu e Karen fizemos uma vaquinha para pagar a limo.

– Então, nos vemos às oito. – Karen me deu um abraço.

Ganhei mais um abraço dos meus amigos antes de eles saírem.

– Como é ter dezoito? – Perguntou Anna ao voltar.

– Sei lá. Não estou sentindo diferença. Parece a mesma coisa. – Dobrei o lençol. – E você não vai ao baile?

– Não. Vou ao cinema com o Fred. – Anna foi até o guarda-roupa e olhou para meu vestido pendurado na porta.

– Sei que já passou da hora de perguntar isso, mas... Está namorando o Fred? – Perguntei ao estender a colcha sobre a cama.

– Mais ou menos. – Anna suspirou. – A gente deu uns beijos, mas parece que ele não está tão interessado quanto eu. Ele é estranho. Vai ver ele joga no outro time.

Comecei a rir.

– Pelo jeito você não tem sorte.

– E você e o Sr. Coulson? – Anna sentou na cadeira da escrivaninha.

– Não tem nada. – Disse constrangida. – Nosso relacionamento é meio... Platônico. E ele é velho.

– Ainda está encanada com a idade. – Anna revirou os olhos. – Se o apresentasse aos nossos pais e dissesse que ele tem vinte e um, eles acreditariam. Já falei... Ele vive no formol.

Será que por ser indeterminado, ou sei lá o quê? Ele envelhece de forma lenta?

– Teve mais alguma lembrança? – Perguntou Anna sussurrando.

Caminhei até a porta e a fechei.

– Tive outros sonhos, mas eles são confusos. – Sentei-me na cama. Anna se levantou da cadeira e se juntou a mim na cama.

– O que vê?

– Bem, eu vivia numa fazenda ou algo do tipo. Tinha vários cavalos na propriedade e empregados. Tem uma mulher ruiva muito bonita. Acho que é minha mãe e tem outro homem ruivo de barba. Acho que é meu pai. Também vejo uma família são três pessoas. A mãe, eu acho. É linda, alta, loira e tem uma presença. Os filhos são sérios, principalmente, o mais velho. Acho que não vou com a cara dele.

– Os nomes?

–  Não  sei.  Também   vejo   com  frequência  um   rapaz magro, com cabelos escuros, um pouco longos e olhos azuis. Acho que ele é empregado e...  – Calei-me.

– O quê? – Anna parecia ansiosa.

– Eu sou louca por ele.

– Namorado? – Anna franziu a testa.

– Não. É outro tipo de sentimento. É como se ele cuidasse de mim e eu dele. Como se fosse nossa missão. É difícil de explicar.

– Qual é o nome dele?

– Tristan.

– Nome chique. – Comecei a rir. – E você não teve mais crises de sonambulismo?

– Graças aos céus, não. – Suspirei. – Odiava acordar no meio do quintal alheio. Talvez as coisas estejam voltando ao normal.

– Se descobrir mais coisas sobre seu passado. O que vai fazer? – Vi um pouco de medo em minha irmã.

– Não sei, mas eu prometo... Jamais vou deixá-los. – Segurei sua mão. – Vocês são minha família.

Anna deu um sorriso e me abraçou com força.

– Eu te amo, louca!

– Eu também, bestona!


***


– Posso dizer novamente que está linda? – Disse minha mãe emocionada.

Nós duas estávamos em seu quarto diante de um espelho de corpo inteiro. Minha mãe estava atrás de mim e apertava meus ombros com força.

Quem diria? Um belo vestido, saltos, maquiagem e penteado fazem milagres. Não conseguia me reconhecer. Acho que só fiquei bonita porque foi minha mãe quem me arrumou. Se fosse eu, o resultado teria sido um desastre. Como aquela vez que Anna pediu para que eu a maquiasse e quando terminei o serviço, ela parecia uma drag queen.

– Agora quero que desça para tirarmos umas fotos. – Disse minha mãe ao me olhar mais uma vez.

– Mãe, para. – Disse séria. – Até parece que eu vou casar. E o baile de formatura nem é meu.

– Eu sei. É que você está tão linda. – Minha mãe estava prestes a chorar.

Se minha mãe não chorou, meu pai não conseguiu se controlar.

– Está linda, minha filha. – Meu pai me deu um abraço. – Acho que o tal de Ryan vai gostar.

– Pai! – Exaltei-me – Quem te...

– Foi sua mãe. Então, o rapaz é tudo o que ela diz ser?

– Não sei. – Comecei a sentir meu rosto queimar.

– Pela sua cor, eu diria que sim. – Meu pai riu.

– Pare de abraçá-la. Vai acabar amassando o vestido. – Disse minha mãe. – Anna, tire uma foto nossa?

Eu e meus pais nos sentamos no sofá, enquanto Anna preparava a câmera.

– Deem um sorriso. – O flash me fez ver bolinhas azuis.

– Agora tire uma ao lado da sua irmã. – Minha mãe se levantou.

Anna se sentou ao meu lado. Soltou o cabelo e tentou arrumá-lo.

– Prontas? – Perguntou nossa mãe.

– Sim. – Respondemos as duas, enquanto mantínhamos nossos sorrisos amarelos.

Novamente vi bolinhas.

– Me dê a câmera. – Disse Anna ao se levantar. – Vou postar as fotos no Facebook. E vou te marcar. Preciso registrar sua transformação. Quem diria que por trás de um “moleque”, havia um mulherão desses.

Anna subiu correndo as escadas antes que eu a pegasse. Ela  tinha  razão. Não  sou feia, me acho bonita, mas por alguma razão minha beleza não cai no gosto dos outros.

Não passou muito tempo e minha carona chegou, e no horário.

Despedi-me da minha família, peguei minha bolsa prateada com celular, identidade, chave de casa e saí.

Karen já tinha dito que iríamos com limusine ao baile, ela só esqueceu-se de mencionar que a limusine pertence ou pertenceu a Barbie. A lataria era pintada de cor de rosa e as portas e o capô tinha flores azuis, vermelhas e amarelas decorando.

– Vamos logo! – Gritou Gabriel ao abrir a porta da limusine.

Ao entrar o show de horror continuou. Os assentos não eram de couro e sim, com estofamento de oncinha.

– Sério? – Perguntei ao entrar e tocar o estofamento.

– Qual é? É chocante! – Disse Gabriel com um sorriso de orelha a orelha. Era impressão minha, ou ele estava bêbado?

Bêbado ou não, pelo menos ele estava bem vestido. Usava um terno cinza e uma gravata azul clara. Karen também estava bem vestida. Usava um tomara que caia preto com um cinto vermelho, sapatos de salto pretos e o cabelo preso num rabo de cavalo.

– Você tá uma gata.– Disse Gabriel ao dar um gole numa garrafa de água mineral. É claro que aquilo não era água.

Karen se sentou ao meu lado.

– Ele já chegou assim na minha casa. – Karen sussurrou. – O que a gente faz?

– Não sei... Espera! Tive uma ideia.

– O quê? – Karen ficou animada.

– Isto é uma limusine, deve ter um frigobar em algum lugar. – Olhei ao redor. – Vamos jogar um pouco de água nele e nos livrarmos daquela lá. – Apontei para a garrafa nas mãos de Gabriel.

Nós encontramos o frigobar... Vazio. E para piorar, não conseguimos  nos  livrar da garrafa batizada.  Mesmo bêbado, Gabriel deu um baile na gente. Depois de cairmos duas vezes dentro da limusine. Gabriel ficou em pé, subiu num dos assentos e tirou metade de seu corpo pelo teto solar e começou a cantar “Wherever You Will Go” do The Calling.

– Vamos lá! O refrão agora. – Disse Gabriel ao nos puxar pelo braço, para ficarmos com ele do lado de fora.

– If I Could, Then I Would. I'll go wherever you will go. – Cantamos eu e Karen.

– Boooooo! Canta com vontade! – Gabriel gritou com as mãos para o alto.

Suspiramos e começamos a cantar, e com vontade.

– Run away with my heart. Run away with my hope. Run away with my love. – Cantamos os três, com direito a mãos para o alto e tudo.

Quando finalmente chegamos à escola, Gabriel já estava jogado no chão da limusine em estado de coma.

Não foi fácil entrar na escola de salto e ainda por cima carregando a carcaça do seu melhor amigo nas costas. Karen tentou me ajudar, mas era muito frouxa.

Levei Gabriel até o banheiro masculino e pedi para Karen vigiar a porta. Sentei-o no lavatório e abri a torneira. Molhei um pedaço de papel toalha e comecei a esfregar em seu rosto e nuca.

– Gabriel... Acorda. – Dei lhe uns tapas de leve no rosto. Ele abriu os olhos, deu um sorriso e tombou para frente.

– Não faz isso comigo. – Segurá-lo e tentar me equilibrar no salto era difícil.

– O que houve com ele? – Perguntou o Sr. Coulson ao entrar, seguido por uma Karen esbaforida.

– Eu tentei impedi-lo, mas não deu.

O Sr. Coulson se aproximou e observou Gabriel.

– Ei, rapaz? – Ele deu uns tapas em seu rosto.

– Professor! – Gabriel abriu os olhos e sorriu – Olha só. Tá gatão! É hoje que a Hayley cai matando!

Se  a  situação  não  fosse tão grave, até concordaria com Gabriel. O Sr. Coulson usava um terno vinho (Nunca vi um dessa cor), camisa branca e gravata preta. Realmente ele estava um gatão. Também, se ele vestir uma lona vai ficar bonito. Gente bonita é de causar raiva.

– O que você bebeu? – Gabriel ia fechar os olhos, mas o Sr. Coulson deu outro tapa.

– Ai! Não faz isso que eu gamo. – Resmungou Gabriel.

– O que você bebeu?

– Vinho, cerveja... Vodca! – Gabriel gargalhou.

– Srta. Hawkins, vá até minha sala e pegue na escrivaninha, na segunda gaveta, uma caixa de isopor azul. – Disse o Sr. Coulson ao tirar um chaveiro e jogá-lo para Karen. – Anda, rápido!

Karen saiu correndo.

– O que vai dar a ele? – Perguntei preocupada.

– Só disse aquilo para ficarmos sozinhos com ele.

– Olha...  – Gabriel apontou o dedo para nós dois. – Não curto sexo em grupo.

– Cala a boca! – Dei-lhe um tapa no rosto.

– Me ajude a colocá-lo em pé. – Segurei Gabriel por um braço e o Sr. Coulson pelo outro. – Agora, com cuidado, vamos levá-lo até a privada.

O Sr. Coulson abriu um dos cubículos, empurrou o tronco de Gabriel em direção ao vaso sanitário.

– É melhor se afastar um pouco. – Dei uns passos para trás, enquanto o Sr. Coulson apoiava uma mão na barriga de Gabriel e a apertou. Foi imediato. Voou vomito direto para o vaso.

– Nessas horas é bom ter poderes mágicos. – O Sr. Coulson riu.

– Você pode curar ressaca? – Perguntei surpresa.

– Na verdade, até hoje só infringi estados de bebedeira. Mas fiz o feitiço inverso. Talvez dê certo. Acho que ele vai precisar de mais uma coisa. – O Sr. Coulson colocou as mãos na cabeça  do  meu  amigo. –  Daqui  alguns  minutos  ele  já  estará melhor.

Karen voltou dez minutos depois, mais uma vez esbaforida, e dizendo que não encontrou nenhuma caixa de isopor azul.

Entorpecida (A Chave Mestra #1)Onde histórias criam vida. Descubra agora