Capítulo 7 - Homens de Preto

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Hoje estamos a exatos um mês das merecidas férias de verão. Não vejo a hora de aproveitar um pouco de paz. As coisas na escola deram uma melhorada, quer dizer, eu me esforço para que dê. Sempre que algum babaca aparece e tenta me tirar do sério, conto até dez e respiro fundo. Não tem sido fácil. Nunca me perguntei, mas na outra noite, enquanto assistia TV, me perguntei por que sempre bato em alguém?


Sou estourada, sei disso. Mas nestes últimos meses, para ser mais exata, desde dezembro passado, minha paciência já tão reduzida, diminuiu ainda mais. Não pode ser só uma fase de adolescente besta. Deve ter outra explicação. Vai ver meus pais verdadeiros tinham problemas mentais, e eu estou indo pelo mesmo caminho. Pelo menos de uma coisa não posso reclamar. O idiota do Max parece ter me esquecido. Ele não me denunciou, nem voltou a importunar minha irmã, que já partiu para outra. Ela andava para cima e para baixo com o aluno novo. Parece que o cara é legal. Isso é o máximo que posso dizer. Ainda não me convenci que o dito cujo seja do bem. Afinal, minha irmã tem um péssimo gosto para namorados. Com relação aos outros problemas na escola, posso dizer que estou conseguindo tirar tudo de letra. Madame Stratford anda me tratando bem. Não piso em seu calo e ela me deixa na minha.

Ando comparecendo em todas as reuniões com a Srta. Weiss. Nossas conversas se resumem a família, colegas de escola, e é  claro, meu passado esquecido. Não sei por que continuo a vê-la? Daqui a pouco vou gastar toda minha imaginação e não teremos mais assunto. Também estou cumprindo minha detenção à risca. Já ajudei os formandos a pintar o anfiteatro, e hoje à tarde vou a Galeria Bright com alguns colegas para arrecadar dinheiro para a formatura. Parece que falta pagar o DJ, ou algo do tipo. Vamos vender suco e doces ao valor de oitenta centavos. Pedi a minha mãe para preparar alguns rocamboles de chocolate. Poderia muito bem preparar alguma gororoba eu mesma, mas não quero mandar pessoas inocentes ao hospital.

Ainda tinha mais alguns minutos para ficar na cama. Não abri os olhos, mas sabia que o relógio devia estar marcando seis e quinze da manhã. Ajeitei-me melhor na cama e então a notei dura e fria demais, e diria até um pouco pegajosa.

Abri meus olhos lentamente e dei de cara com um cachorro vira-lata na cor amarela. Ele ou ela estava deitado numa posição meio esfinge e com as orelhas levantadas.

Na hora soube que estava num local estranho. Nós não tínhamos cachorro, nem mesmo um periquito. Sentei-me com tudo e olhei ao meu redor. Além do cachorro, via um arbusto cheio de flores amarelas e uma mesa branca com quatro cadeiras. Eu dormi no jardim de alguém. Como isso era possível? Lembro-me de ter arrumado minha mochila, escovado os dentes, arrumado a cama e antes de deitar, ainda verifiquei se fiz a lição do final de semana. Guardei meu caderno e apostila de biologia e fui dormir. E agora acordo cheia de musgo, no jardim de alguém, com um cachorro que não para de me olhar.

“Eu tenho doença mental, só pode! Calma! Respira fundo”, pensei.

Levantei-me e olhei a rua. Ela parecia familiar. Onde já havia visto aquele gnomo de jardim da cada da frente? Minha resposta veio em forma de um senhor de cabelos grisalhos, que antes de entrar em seu Crysler azul, gritou o nome de alguém que conhecia bem.

– Max! Já estou saindo!

Estava próxima da casa de Max. Agora me lembrava. Fui até lá uma vez para arrancar minha irmã de uma festa. Recebi uma ligação anônima dizendo que Anna estava bêbada e passando mal.

Mas como vim parar aqui? Não tive muito tempo para pensar. Anna apareceu com seu carro e pronta para ir à escola.

– Entra. – Disse ela ao abrir a porta do carona.

Entrei correndo e me sentei.

– Preciso voltar para casa. Papai e mamãe devem estar espumando de raiva.

Anna arrancou sem dizer nada e seguiu em direção à escola.

– Não me ouviu? Preciso ir para casa! – Disse exaltada.

– Vamos para à escola. Vai para o banco detrás e troque de roupa. – Disse Anna sem tirar os olhos da rua.

– E os nossos pais?

– Eles acham que você está comigo.

– Eles não notaram minha ausência? – Estava perplexa.

– Notaram, mas eu os enrolei. E não se esqueça de que temos que combinar uma história. – Anna segurou o volante com uma mão, enquanto a outra me passava uma sacola verde.

– Minhas roupas. – Disse ao abri-la.

– Anda logo, se troca!

Passei para o banco detrás e comecei a me trocar. Só espero que ninguém nos veja.

Chegamos à escola e eu estava quase pronta. Só falta passar uma maquiagem e escovar os dentes. Por sorte Anna saiu de casa prevenida.

– Anna, me passa o seu espelho? – Pedi ao ajeitar meu tênis. – Anna?

Notei que ela estava relutante quanto ao espelho.

– Vou te dar o espelho, mas, por favor, não surta. – Anna me passou o espelho com as mãos trêmulas.

Fiquei tão aflita, que o puxei de suas mãos. Assim que vi minha imagem refletida, dei um grito. Se tivesse algum poder supersônico teria estilhaçado os vidros do carro.

Larguei o espelho no banco e sai correndo em direção à escola. Atravessei o estacionamento como uma doida. Não parei nem quando ouvi a voz dos meus amigos.

Entrei na escola com tudo e comecei a correr. Precisava me ver no espelho do banheiro. Mas um pouco antes de entrar alguém segurou meu braço.

– O que houve, Srta. Kilvert? – O Sr. Coulson me observava com preocupação. – Vi como entrou correndo na escola. Não foi atacada também?

– Não. Eu... – Tentava recuperar o fôlego. – Atacada? Quem foi atacada?

– Acabamos de receber a notícia que a Srta. Lee foi atacada em casa. – Disse o Sr. Coulson sério. – Alguém invadiu a casa e a agrediu. Ela está internada no hospital em estado delicado.

– Que horror! – Não gostava de Kristen, mas a coitada não merecia.

– Então, está tudo bem? – O Sr. Coulson ainda me observava desconfiado.

– Sim.

– OK. Te vejo na aula. – Ele começou a se afastar. – E Srta. Kilvert... Gostei do novo visual. – “Só você”, pensei. Acenei para ele e entrei no banheiro.

Não sei por quanto tempo fiquei me observando no espelho, mas a única coisa que eu pensava era... Como explicar aquilo aos meus pais? Se eles sentiam qualquer tipo de remorso em ter me adotado, hoje seria o dia para confessar.

Eu me observava de frente, de lado, de costas e ainda não acreditava. Como é possível fazer o cabelo crescer da noite para o dia? Fui dormir com o meu manjado corte Emma Watson e acordei com o cabelo parecido com o da Edna do desenho Os Incríveis. Para ficar igual só faltava a franja e ser da cor negra.

Já estava no banheiro há muito tempo, então decidi dar um jeito no meu novo cabelo. Passei meus dedos por eles. Estava  prestes  a  sair, quando  Anna  chegou. Ela  tinha o  olhar preocupado, como se esperasse que eu surtasse novamente.

– Pode ficar tranquila. – Disse. – Só não sei como é que vou explicar isto. – Apontei para minha cabeça. – Para os nossos pais.

– Não tem o que explicar. É que nem o lance de Nova York.

O lance de Nova York. No final do ano passado, os tios da Anna. Sim, os tios dela, eles sempre que me encontram fazem questão de jogar na minha cara que sou uma intrusa, e que se fosse por eles, seria devolvida de onde sai. Em outras palavras: Um orfanato no interior da Inglaterra.

Enfim, no final do ano passado, os tios da Anna nos convidaram a ir com eles até Nova York para passar o Natal.


A estadia foi normal. Fizemos os típicos programas turísticos. Eu e Anna parecíamos Gisele e Príncipe Edward  voltando do passeio. Com direito a chapéu da Estatua da Liberdade e tudo. E no nosso terceiro dia fomos ao Rockefeller Center admirar aquela famosa árvore de Natal. Tiramos algumas fotos, depois fomos jantar e voltamos para o hotel.

Na manhã seguinte acordei num carro de polícia. De acordo com eles, fui encontrada vagando pelo Central Park, mas não tenho nenhuma lembrança do ocorrido. A única coisa que sei é que da noite para o dia, deixei meu corte de cabelo, prisioneiro do holocausto, pelo corte Emma Watson. Meu cabelo cresceu milagrosamente uns seis centímetros, e permaneceu assim até há noite passada.

– Mesmo assim. – Disse ao pegar minha mochila. – Não quero assustá-los. Isso aqui é demais para a cabeça deles.

Anna não concordou ou discordou. Ela apenas me acompanhou em silêncio. Como sempre ela se dirigiu ao 1º Andar e eu ao terceiro. Assim que entrei na sala fui bombardeada por olhares curiosos e cochichos. Ninguém se atreveu a me perguntar nada. Afinal, todos conheciam minha fama de pavio curto.

Ao me sentar na minha cadeira, vi que Kelly e Kate estavam cabisbaixas.

– Pelo visto seu final de semana foi proveitoso. – Disse Karen ao se sentar ao meu lado. – Adorei o cabelo. Quanto custou o aplique?

– Não sei. – Disse sem emoção. – Foi minha mãe quem pagou.

– Então quando chegar em casa, pergunte. – Karen tocou nos meus cabelos. – Ficaram perfeitos. Até parecem verdadeiros.

Apenas dei um sorriso sem graça.

– Não me diga que está triste pelo que aconteceu a vaca da Kristen? – Perguntou Karen.

– Cuidado com a língua. – Disse Gabriel atrás de nós. – Ou vão pensar que você é a culpada.

– Não sabem quem fez isso? – Perguntei.

– Não. Você sabe, meu tio é policial e pelo que ele disse aos meus pais, a pessoa que invadiu a casa devia ser profissional. O alarme da casa nem disparou.

– E os pais dela?

– Estavam no cinema. Meu tio disse que o agressor usou algum tipo de faca ou estilete. E só o usou no rosto e nas pernas.

– Quem sabe seja um ex-namorado. – Disse Junior, que estava ao lado de Gabriel. – Ou alguém da escola. Afinal, todos sabem o quanto a Kristen idolatrava as pernas e o rosto.

Nosso papo foi interrompido pela chegada de Moody, ou melhor, Sr. Perry.


Durante todas as aulas que tivemos no dia, o assunto entre os alunos foi Kristen. Estava começando a sentir pena da megera.

Após o intervalo fomos para nossa última aula do dia. Hoje voltaríamos mais cedo para casa, já que as duas da tarde a escola promoveria um evento para conseguir dinheiro para a formatura.

Como sempre fazia nas aulas de biologia, sentei-me ao lado de Junior. Só espero que hoje ele não vire motivo de piada. Desde que começamos  a estudar tipos  sanguíneos  e características físicas passadas de pai para filho, Junior virou alvo de piadas.

Não era segredo para ninguém onde morávamos, que a mãe de Junior (Que na verdade se chamava Ivan e que por acaso era o nome de seu pai), na juventude foi muito namoradeira. Quando ela ficou grávida, disse que o pai de Junior era seu namorado. O problema é que o namorado não tem nada a ver com Junior. Seu pai tem cabelos lisos e olhos verdes, enquanto Junior tem olhos castanhos e cabelo encaracolado. E segundo o nosso professor. Dois pais de cabelo liso não podem ter um filho de cabelo encaracolado.

É claro que o Sr. Coulson estava explicando a matéria e não tinha a menor ideia da história de Junior. Ele até se desculpou com o coitadinho e mandou Gabriel para a diretoria por sua língua grande.

O Sr. Coulson entrou carregando algumas pastas e uma garrafa de cor azul. Nós tínhamos o Professor Moody, mas ao que tudo indica, era ele que bebia Poção Polissuco. Esta pérola não é minha, é do Gabriel.

No mês passado ele também andou para cima e para baixo com a mesma garrafa. O engraçado é que ele só a usava por uma semana.

“Que é isso, Kilvert?”, me xinguei mentalmente. “Ficar reparando no seu professor. Isso é crime!”. Culpa da Anna, que colocou ideias na minha cabeça.

– Bom dia. – Disse ele ao colocar suas tranqueiras na mesa. – Como foi o final de semana?

– Bem. – Nem todos responderam.

– Vamos a aula antes que vocês morram de vez. – Alguns alunos riram. – Fizeram os exercícios que pedi? – Ele juntou as mãos e as esfregou.

Todos nós começamos a abrir a apostila. Então, quando o Sr. Coulson deu as costas para a turma, um avião de papel cruzou a sala em sua direção. Ele caiu próximo de seu pé.

– Que é isso? –  Ele  pegou o avião e o abriu. – E aí, gostosão? – Ele leu em voz alta e todos os alunos caíram na gargalhada. – Que tal me encontrar depois da aula e fazer um exame no meu corpo? – Ele riu. – Como já disse para a turma do 1º Ano, não namoro alunas e alunos também. Porque vou ser honesto... Ô garrancho dos infernos isso aqui. – Todo mundo caiu na gargalhada de novo.

– Ah, professor, não ofende assim. – Reclamou Kate do fundo da sala.

– Este bilhete é seu, Srta. Brown? – Perguntou o Sr. Coulson levantando o avião.

– Não. – Respondeu ela vermelha.

– Vou fingir que acredito. – Ele amassou o papel e o jogou no lixo. – Abram a apostila na página 193. – Disse ele ao pegar a apostila. – Vamos lá. Srta. Kilvert Dois, quer ler o primeiro exercício?

Peguei a apostila e comecei a falar, mas fui interrompida por Kelly.

– Por que é sempre ela? Parece que ela é a queridinha do professor. – Só sei que senti meu rosto queimar e piorou quando sem querer olhei para trás e vi a cara da Anna, que parecia dizer “Não disse!”.

– Bem, a Srta. Kilvert Dois não é a queridinha. Sei que não devo dizer isso, mas ela é a única nesta sala que se dedica, e não é só na minha matéria. Nas outras também. Segundo meus colegas “Ela é uma ótima aluna, embora seja estourada”.

O Sr. Coulson suspirou.

– Vamos fazer o seguinte... A Srta. Kilvert  lê a pergunta e você responde. – Kelly ficou branca como papel. – OK! Srta. Kilvert ?

– Uma mulher com grupos sanguíneos B, N, RH+ teve três crianças com pais distintos...

– A sua mãe Junior! – Gritou Gabriel.

– Sr. Jones, gostaria de mais um passeio pela diretoria?

O sorriso bobo de Gabriel foi se apagando.

– Continue, Srta. Kilvert.

– Assinale a alternativa que relaciona corretamente cada criança ao seu pai.

A sala ficou em silêncio. Kelly procurava no meio de sua apostila a resposta, até Kate cochichar algo em seu ouvido.

– Alternativa C.

– OK. Mas da próxima vez não fique esperando sua amiga socorrê-la. Próxima questão? Sr. Jones brinde-nos com sua sabedoria.

O resto da aula correu tranquilamente. É claro que Gabriel fez uma ou outra piada, mas nada que pudesse mandá-lo a diretoria.

– Para amanhã façam os exercícios da página 201. – O sinal tocou, quando isso acontecia, parecia que um curral de ovelhas fujonas era aberto. Era gente correndo para tudo que era lado. – Tenham um bom dia. – O Sr. Coulson ria. – Parece até que o capeta está atrás de vocês. – Apenas eu, Karen e Junior demos risada, o resto da sala já tinha sumido pelo corredor.

***


Graças ao evento da escola, eu e Anna chegamos a casa duas horas mais cedo em casa, que continuava vazia. Enquanto Anna foi preparar pipoca, eu fui tomar um banho.

Estou acostumada a tomar banho antes de ir para à escola, e hoje acabei quebrando essa rotina. Durante o banho, eu tentava ao máximo me lembrar por onde andei. Ou será que eu apenas sai de casa para tirar um cochilo no quintal alheio?

Tentei não pensar mais no assunto. Precisava me arrumar para mais uma detenção. A penúltima segundo Madame Stratford. Ainda tinha mais uma e essa com certeza era a mais penosa. Trabalhar no dia do baile de formatura. A diretora deixou aos meus cuidados o Buffet. Não teria que servir, apenas ficar de olho nos garçons. Ela realmente queria me punir. Todos sabem que odeio bailes. Não sei dançar e não é frescura. Eu na pista  de dança  sou  igual  a  um macaco  epilético perneta. Usar
vestidos não é muito a minha e muito menos sapato de salto alto. E aposto minha nova cabeleira, que serei obrigada pela diretora a usar todos os adereços de um baile.

Terminei de me arrumar as duas em ponto. Agora era só esperar minha carona. As meninas do último ano logo estariam na porta.

Desci as escadas e fui em direção à cozinha, onde encontrei Anna e minha mãe. Ela ainda usava seu uniforme de trabalho. Pensei que ela iria sair correndo ao me ver, ou pelo menos gritar, mas tudo que fez foi tocar em meu cabelo e me dar um abraço forte. Pensei em perguntar o que ela achava de tudo aquilo, mas minha carona acabara de chegar. Sem alternativa me despedi.

As garotas do último ano estavam conversando no carro sem parar. Amanda, a motorista, era morena, cabelos castanhos e alta. As outras duas: Jane e Gail estavam sentadas no banco detrás. Jane tinha cabelos loiros e era a mais tagarela e Gail era negra, tinha cabelos castanhos e os rapazes a chamavam de Beyoncé. Talvez seja por causa do corpo cheio de curvas.

Coloquei as caixas de isopor com os rocamboles no porta-malas e depois me sentei ao lado de Amanda.

– O que você trouxe? – Perguntou Jane antes mesmo de o carro partir.

– Três rocamboles de chocolate. – Disse ao colocar o cinto.

– Hummmm! – Disseram as três juntas.

– Vamos fazer o seguinte. – Disse Jane. – Pegamos todas as tortas, bolos e rocamboles que estão no porta-malas e fazemos um piquenique no centro da cidade. Bem na frente da prefeitura.

– Fazemos isso e Madame Stratford come o nosso fígado. – Disse Gail. Todas nós fizemos um “Ui!”.

– Já que estamos falando na megera. Por que ela te colocou para ajudar o último ano? – Perguntou Amanda.

– É a minha detenção. Já expliquei. – Disse séria.

– Pra mim isso não parece detenção. – Disse Jane animada.

– Pra gente normal talvez não. – Soltei um suspiro. – Mas pra mim sim. Não sou muito sociável. Não tenho paciência para lidar com as pessoas.

– Acho que isso não é nenhuma novidade. – Disse Amanda. – Você é a encrenqueira da escola.

Encrenqueira é pouco. Sou a barraqueira mesmo. Acho que os únicos que me aturam e eu a eles... São Karen, Gabriel e Junior. Os outros alunos são fúteis, besta demais e tem o gosto duvidoso. Mas aposto que eles pensam o mesmo de mim. “Olha lá a aluna quieta e estudiosa, que só curte livros, bandas que não conhecemos e programas de velhos”. Se programas de velhos são documentários, boas séries de TV e bons filmes, então sou uma anciã.

A Galeria Bright ficava no centro da cidade. Era uma pequena galeria de lojas, possuía cinco andares, incluindo o térreo e a garagem, que era no subsolo.

Amanda procurou uma vaga no estacionamento. O problema era que ele estava cheio e sem alternativa, ela foi obrigada a estacionar numa vaga reservada para o ponto de táxi.

Descemos as quatro, carregadas de caixas e potes de isopor. Bem no meio do térreo havia um espaço com três barracas. Elas já foram reservadas pela escola. No local já estavam dois rapazes. Eu os conhecia de vista: Martin e Alex.

Terminamos de arrumar as barracas e começamos as vendas. Os rapazes chamavam as pessoas que passavam. Algumas até chegavam a comprar algo. Por sorte eu nunca ficava sozinha, já que quase mandei uma mulher tomar naquele lugar. A folgada queria uma caixa de amostras grátis. Aquilo não era um maldito evento de caridade.

– Essa moça me destratou. – Disse a mulher alterada.

– Tenho certeza de que foi um mal entendido. – Disse Amanda, na tentativa de acalmar a fera.

– Vou embora. – Disse a mulher, que deu as costas e saiu andando feito uma pata choca.

– Hayley, que tal ficar no caixa? – Sugeriu Amanda. – Nós atendemos os clientes.

– Desculpe. – Disse encabulada. – Ao invés de ajudar, eu só atrapalho.

– Você não atrapalha. – Disse Jane com a mão na cintura. – É apenas sincera. O que eu não daria para ser mais espontânea e dizer o que realmente penso.

– Então... Vocês não me acham um porre ou louca? – Perguntei incrédula. Nunca pensei que encontraria outras pessoas além dos meus amigos, que simpatizassem comigo. Pelo visto milagres acontecem.

– Gente, pedaço de mau caminho à direita. – Disse Gail. Automaticamente olhamos na direção que ela apontava.

Tinha que concordar, havia um homem alto de cabelos escuros em frente à loja Ervas Raras. A loja era especializada em vender os mais variados tipos de ervas para chá. O homem entrou na loja. Não sou de comer homens com os olhos, mas aquele eu comeria até mal passado. Não sei por que ele me fascinou? Talvez fossem suas roupas. Sempre achei um homem usando jeans preto, sapatos pretos e uma jaqueta de couro preta sexy.

Cinco minutos depois o homem saiu da loja carregando uma sacola marrom. Ele deu alguns passos para frente e retirou os óculos escuros que usava. Só sei que depois disso, eu quis cavar um buraco e enfiar minha cabeça. Tive pensamentos safados com o Sr. Coulson, e o pior de tudo, ele estava vindo à nossa direção.

Fiquei tão envergonhada com o que pensei, que agachei atrás da barraca para não ter que cumprimentá-lo.

– Boa tarde. – Disse ele para o pessoal.

– E aí professor? – Ouvi a voz de Martin.

– Olá. – Ouvi sua voz em minha direção. – Srta. Kilvert?

Eu só disse um “Hã!” e ergui minha mão para acenar.

– Compra  alguma  coisa  para  ajudar  a  nossa  causa? – Pediu Jane com a voz açucarada.

– Claro! Vou levar dois de cada.

Jane pegou algo ao meu lado.

– Quanto fica?

– Quatro e oitenta. É só pagar para a Hayley. – Maldição!

Lentamente me ergui. Não era fácil ficar olhando para ele.

– Quatro e oitenta. – Disse rápido.

– OK. – O Sr. Coulson me imitou. – Pode ficar com o troco. Tchau! Até amanhã. – Parece que imitar minha maneira rápida de falar causava graça a ele. – Obrigado!

Ele se afastou aos risos.

– Cara, ele é o professor mais bacana que a gente tem. – Disse Alex.

– E o mais gato. – Era para ser um pensamento. Daqueles que ficam bem lá no fundo, mas infelizmente eu disse em voz alta.

Todos me observaram aos risos. Prontos para fazer uma piada.

– Qual é? – Gritei. – Por acaso é crime admirar um homem bonito.

– Acho que não. – Disse Jane. – Mas ele é...

– Eu sei, eu sei. – Disse brava. – É melhor voltarmos ao trabalho.

Ficamos na galeria até as cinco da tarde. Os rapazes nos convidaram para comer um lanche e depois ir ao cinema. As meninas aceitaram, eu não. Estava de castigo e se chegasse em casa muito tarde o pau ia comer.

– E como vai para casa? – Perguntou Amanda.

– Vou pegar um táxi lá no estacionamento. Até amanhã. – Despedi-me do pessoal. Peguei minha caixinha de isopor com algumas sobras e segui em direção ao estacionamento.

Comecei a descer as escadas. Tudo estava silencioso. Cheguei ao estacionamento, não havia nenhum táxi parado. Sem outra opção sentei num dos banquinhos do ponto e aguardei pelo próximo.

Nunca fui de sentir medo de lugares desertos, mas aquele silêncio era perturbador. Ao longe comecei a ouvir o som de uma moto. Pelo ruído ela estava chegando. Dez segundos depois tive a confirmação. E não era só uma e sim três. Todos seus motoristas usavam roupas pretas e capacetes pretos. Senti um leve incomodo com aquilo, e ele piorou quando um dos motoqueiros avançou em minha direção.

Levantei num pulo e corri para dentro do estacionamento. O problema é que os três começaram a me seguir. Não podia ficar num espaço muito aberto, então corri entre os carros, para tentar me proteger. Não adiantou. Um dos motoqueiros saltou em cima de um carro e por pouco a roda dianteira não me atingiu meu rosto. Corri para outra direção. Tentei chegar até as escadas, mas uma das motos bloqueou meu caminho. Corri em direção à direita e quase fui pega. Senti uma mão tocar de leve meu braço. Quando me vi cercada pulei por cima de um carro de cor verde e cai de costas no chão. Com dificuldade me levantei e corri. A moto estava quase me alcançando, quando fui empurrada para um canto do estacionamento. Perdi o equilíbrio e cai com tudo no chão. Ao tentar levantar, vi que meu braço direito sangrava. As motos vieram mais uma vez em minha direção. Então, do nada alguém me ergueu do chão e me levou para um canto, atrás de um carro azul marinho.

– Deita no chão. – Obedeci. Não estava nem um pouco interessada em quem dizia aquilo. O que interessava era que eu estava fora do alcance dos homens de preto.

Mesmo deitada no chão e atrás de um carro, pude ver as motos aquecendo as rodas. Se eles continuassem assim, seria que nem na cena final do filme “Sim, senhor”. Quando o Jim Carrey vai reconquistar a mocinha. Se bem que aquilo é um filme e com certeza a cena foi feita com muito gelo seco ou com um extintor de incêndio.

Apenas sei de uma coisa. Foi muito barulho por nada, de uma hora para outra, eles pararam e fugiram a toda velocidade. Como se o capeta em pessoa estivesse diante deles.

– Como está? – Senti alguém me erguer com cuidado.

– Aí! – Reclamei assim que tocou no meu braço. Virei de frente para ver quem era. Poderia dizer que fiquei feliz, mas confusa era mais adequado. Esperava qualquer um, menos o Sr. Coulson.

– O que faz aqui? E como espantou os loucos?

– Primeiro... Vim buscar meu carro. – Ele apontou para o carro que estava diante de mim. – E segundo, quem disse que fui eu que os espantou?

– Não sei. Usei a lógica. Mas do que eles fugiram?

– Não sei e não importa. Tem que agradecer que eles foram embora.

Tentei me mover, mas meu braço doía demais.

– Precisa cuidar disso. – Ele tocou no meu braço. – Vou te levar até um hospital e depois vou telefonar para os seus pais.

– Não! – Quase dei um berro. Meus pais, ou melhor, minha mãe não podia vê-lo. Não depois daquela mentira sobre ele ser um estagiário. – Eles vão surtar. Só me leve para casa.

– Mas não pode ficar com o braço desse jeito. – Ele estava sério e de repente, sorriu. – Já sei! Entre no carro!

Caminhei em direção a porta do carona e vi minhas caixas de isopor e tortinhas espalhadas pelo estacionamento. Aquilo me deu dó. Quanto desperdício. Desviei os olhos daquele estrago e me concentrei no estrago que estava meu braço. Com ou sem hospital, meus velhos vão surtar.




Entorpecida (A Chave Mestra #1)Onde histórias criam vida. Descubra agora