(Hayley)
No dia seguinte ao novo incidente envolvendo Max, fui à escola com a corda no pescoço. Do jeito que aquele moleque era, com certeza já tinha pintado minha caveira para nossa digníssima diretora e minha permanência no colégio estava com as horas contadas.
Antes de sair de casa já havia tomado a decisão de ficar calada e deixar as coisas seguirem seu curso. Não contei a ninguém o ocorrido no banheiro. A única que sabia era Anna. Afinal, ela estava no corredor e viu como o idiota do Max saiu.
Minha irmã prometeu que não mencionaria a ninguém. Aquilo seria nosso segredo e guardaríamos até o fim de nossas vidas, ou até Madame Stratford saber.
Chegamos à escola no horário de sempre, sete e quinze da manhã. Ao entrarmos no prédio não pude deixar de notar um certo burburinho entre as garotas. Elas cochichavam umas as outras e mostravam algo no celular, junto com risinhos histéricos.
Da última vez que elas ficaram assim, foi quando uma ex-aluna postou algumas fotos comprometedoras do namorado no Facebook. E eu aposto meu tão cobiçado pescoço, que era alguma foto com a cara do Max toda detonada, com a legenda “Obra de Hayley Kilvert”. É hoje que digo adeus.
Passamos do lado de um grupinho esticando o pescoço, na tentativa de ver o que tinha de tão interessante no celular, mas sem sucesso.
Anna seguiu para sua aula de Geografia e eu fui ao banheiro. “Maldito suco de laranja”, pensei. Minha bexiga estava prestes a explodir.
Entrei feito um furacão, sem nem ao menos ver quem estava lá. Trinta segundos depois estava aliviada e pronta para começar minha maratona de aulas.
Lavei minhas mãos, dei uma última olhada no espelho, e descobri que tinha manchado meus dentes com batom. Enquanto limpava-os, Karen entrou no banheiro. Pelo jeito ela queria alguma coisa.
– O que você quer? – Perguntei antes mesmo dela abrir a boca.
– Ai, que horror! – Ela ficou revoltadinha. – Até parece que eu sou interesseira?
– Então, não quer nada? – Perguntei séria.
– Bem... – Karen deu um longo sorriso.
– O que é?
– Você fez o trabalho do Professor Moody? – Na verdade nosso professor de matemática não se chamava Moody. Ele ganhou esse apelido por ser irritado e usar uma perna mecânica. Igual ao professor do Harry Potter.
– Fiz. Quer que coloque o seu nome?
– Por favor. – O rosto de Karen ganhou um brilho todo especial. E ela só fica assim numa loja de sapatos. Pelo visto a doida estava desesperada.
Tirei meu trabalho sobre “Equação de Uma Reta Que Passa Por P” e adicionei o nome de minha amiga sanguessuga.
Karen podia ser a maior preguiçosa e aproveitadora, mas a filha da mãe tinha uma sorte do cão. Ela nunca fazia os trabalhos, mas sempre encontrava uma trouxa, como eu, que por pena colocava seu nome.
Meu pai sempre dizia pra mim “Um dia ela vai pagar pela sua falta de interesse”. E suspeito que esse dia acabou de chegar.
Hoje, além do trabalho de matemática, teríamos a prova oral de “O Morro dos Ventos Uivantes”, na segunda aula.
Li o livro em uma noite e confesso que o achei chato. Não sou chegada a romances, mas aposto que o trio country da escola adorou. Logo, logo vou falar mais delas.
Eu e Karen seguimos para a aula de matemática e o Sr. Moody, ou melhor, Sr. Perry já estava na sala. Deixei meu trabalho sobre sua mesa e fui sentar.
Gostava de sentar no fundo, ao lado de Gabriel, Junior e hoje Karen se juntou ao povo do fundo.
O Sr. Perry passou mais vinte exercícios sobre equação da reta. Entre um cálculo e outro, eu e meus amigos jogávamos “Eu sou?”. O jogo consistia em fazer perguntas ao seu adversário com o intuito de adivinhar quem você era. Tiramos o jogo do filme “Bastardos Inglórios”.
– Eu sou mulher? – Perguntei segurando o papel sobre a testa.
– Sim. – Responderam Karen e Gabriel.
– Sou real?
– Sim.
– Sou gostosa?
– Com certeza. – Disse Gabriel.
– Sou atriz?
– Sim.
– O Junior já teve um sonho erótico comigo? – Junior me observou sério.
– Sim.
– Eu sou a Megan Fox?
– Sim! – Fizemos tanta algazarra, que Moody se aproximou com seu caminhar sexy.
– Posso saber o que está acontecendo?
– Nada. – Todos nós nos viramos para frente.
– Acho bom. – Moody voltou para sua cadeira.
Vinte minutos depois estávamos na segunda aula.
Todos se acomodaram em seus lugares e colocamos nossos exemplares de “O Morro dos Ventos Uivantes” sobre a mesa.
A Srta. Shermam estava como sempre sorridente.
– Bom dia!
– Bom dia! – Dissemos todos.
– Espero que todos tenham lido. – Olhei ao redor e deu para ver alguns alunos com a frase incriminatória estampada bem no meio da testa, que dizia “Não li, ferrou!”.
– Vamos começar. – A Srta. Shermam pegou a lista de chamada e disse...
– Srta. Kilvert ?
– Eu! – Respondi surpresa.
– O que achou dos personagens Edgar Linton, Heathcliff e Catherine Earnshaw?
– É... – Eu queria dizer algo refinado, realmente filosófico, mas o que saiu foi – Heathcliff é um gênio, Linton é corno que eu sei e Catherine é uma vaca!
A sala inteira caiu na gargalhada, bem, quase a sala toda. O trio country Kristen, Kate e Kelly não gostou. Com certeza as três se identificaram com a Catherine, que é, de um jeito antigo do Século XIX, irmã de Bella Swan, que por acaso também era musa inspiradora das três.
Depois que as gargalhadas cessaram, a professora me perguntou.
– Por que acha isso?
– Ah! Heathcliff comeu o pão que o diabo amassou e sentou, mas isso só o fortaleceu. Tanto que ele volta depois de vários anos e começa a se vingar de todos que o maltrataram. Linton é muito frouxo e faz tudo que a esposa quer. O cara não tem colhões. E a Catherine é uma mulher mimada, egoísta e chata.
– O livro é, e sempre foi classificado como uma história de amor. Concorda, Srta. Kilvert?
– Não.
– Por quê?
– Pra mim o livro é mais uma história de vingança. Não estou dizendo que Heathcliff não amasse a Catherine, mas o amor foi substituído pelo ódio e desespero. É por isso que eu gostei tanto dele. Ele é um vilão perfeito.
– Ele não é um vilão! – Kristen me lançou um olhar cheio de ódio. – Ele realmente ama a Catherine. A história deles é linda. História de amor de verdade tem que ter desespero. O máximo que ele poderia ser é um anti-herói.
– Desculpa, mas eu não acho isso não.
Kristen ficou tão furiosa, que se levantou da cadeira e veio em minha direção. Sério! Se a professora não tivesse ficado entre nós duas, o pau ia comer.
– Sente-se, Srta. Lee!
Kristen voltou para seu lugar ainda querendo me bater.
– E por que ele seria um vilão?
– Ele parece não ter remorso do que faz. – Graça a Deus mais alguém pensava como eu. Ingrid, que sentava perto da porta veio ao meu socorro. – É que nem na hora que ele obriga a filha de Catherine a se casar com o filho dele. Se ele realmente amasse tanto a Cathy nunca teria a coragem de magoá-la , mesmo que ela já estivesse morta.
– Então, ele não sente remorso?
– É claro que não. – Disse séria.
– Mas alguém concorda com a Srtas. Kilvert e Fuller?
– Também acho que o cara não sente remorso. – Disse Gabriel com a mão levantada. – Mas é difícil saber, já que o livro é narrado pela empregada. Se fosse em 3ª Pessoa, seria mais fácil entender o que se passa na cabeça dele.
– Eu também acho. – Disse um rapaz chamado Andy, que senta no fundo.
– Meu Deus! O que houve com o romantismo? – Kristen se virou na cadeira. – Bando de gente insensível!
A aula acabou, mas não o debate. Tanto que a Srta. Shermam pediu para que cada aluno escrevesse um texto contando suas impressões sobre o livro.
A próxima aula foi mais relaxante. Educação física. É claro que ser atingida na cabeça pela bola de vôlei, não era nada legal. Pelo visto Kristen continuava com raiva e decidiu me torturar. Mas não liguei. A aula passou rápida e depois veio a hora que mais esperava: Almoço.
Enchi minha bandeja com duas caixinhas de suco, uma porção de batata frita, um sanduíche de presunto e queijo e uma banana.
Peguei minha bandeja e procurei pelo pessoal. Eles estavam numa mesa ao meio, e para minha surpresa, Anna decidira se juntar a nós.
– O que faz aqui? – Perguntei ao me sentar.
– Se quiser vou embora. – Disse Anna.
– Não! – Karen se exaltou. – Precisa terminar de contar as novidades.
– Que novidades? – Franzi a testa. Nada acontecia naquele buraco, quer dizer, só nosso professor se matou, mas isso é só um detalhe.
– Tem aluno novo. – Disse Anna com o sorriso de orelha a orelha.
– Aluno novo? – Agora estava mais confusa. Como é que não o vi?
– É. Ele estudou todas as duas primeiras aulas comigo. – Pelo visto Max perdeu seu posto. Se bem conheço minha irmã, ela já está de olho no cara e aposto que é mais uma tranqueira.
– Mostra a foto dele. – Disse Karen. Anna pegou o celular e me passou.
O cara não era de todo o ruim. Até que era jeitoso. Tinha os cabelos castanhos, olhos esverdeados. Não dava pra ver bem na foto.
– Ele é meio velho para estar no segundo ano. – Disse ao devolver o celular.
– Eu também achei, mas o Fred me disse que ele e a família se mudam muito e para completar, ele acabou de se recuperar de um transplante de medula. É por isso que ele não estava na aula de Educação Física. – Pelo entusiasmo da minha irmã, eu até já sabia o que se passava por sua cabeça. Com certeza, ela já se imaginou casada com o cara e até já decidiu quantos filhos vão ter e os nomes. Todas as vezes que ela se apaixonava era o mar de rosas e promessas eternas, até o cidadão se revelar um escroto e eu ter que aguentar a choradeira.
– Olha, eu levei tanta bolada na cabeça, que o Jake Gyllenhaal podia passar pelado na minha frente, que eu não ia ver. – Disse ao beber meu suco. – Foi por causa dele que as meninas estavam cochichando quando chegamos de manhã?
– Não. Foi por causa dele. – Anna apontou em direção da máquina de refrigerantes. Virei-me para olhar e vi um rapaz de costas. Ele tinha os cabelos escuros, era alto, usava calça jeans, tênis e uma camiseta branca.
Ele se virou lentamente com uma lata de pepsi nas mãos. Assim que vi seu rosto, eu engasguei com o suco.
– Finalmente! – Comemorou Anna. – Você achou um homem de carne e osso bonito.
– E que homem! – Disse Karen suspirando. – Eu achei tudo lindo nele, mas o que gostei mais foi o cabelo, mesmo sendo curto dá a impressão de ser tão macio.
Enquanto Karen e Anna suspiravam, Gabriel me dava tapas nada sutis nas costas.
– Tá, agora que você parou de tossir, pode começar a babar. – Disse Gabriel.
– Não... É... Isso... – Disse com a voz rouca. – Eu conheço o cara.
– De onde? – Perguntaram todos.
Não podia responder. Como dizer que encontrei o cara no banheiro masculino e que depois de uma pequena discussão, mostrei meus seios para o dito cujo.
– Não importa. Ele também é aluno novo? Porque se é, ele tá meio passado.
– Ele é o novo professor de biologia – Disse Anna com calma e eu mais uma vez engasguei.
– Cacete! – Gritei tão alto, que todos no refeitório se calaram. E como se isso não bastasse, o novo professor me viu. Ele ficou me encarando por alguns segundos, até se retirar.
– Sério? De onde você o conhece? – Perguntou Karen com uma leve desconfiança. – Porque do jeito que ele te olhou, parece que queria acabar com a sua vida.
Todos ficaram esperando pela resposta, que é claro não dei. Se eu já estava em maus lençóis com o Sr. Manson, agora com o novo professor estava com a cabeça num espeto.
– E qual é o nome dele? – Perguntei ignorando os olhares questionadores.
– Conta como foi que o conheceu que eu conto. – Disse Anna com um sorriso cínico.
– Quer saber... – Peguei minha bandeja vazia e me levantei. – Não precisa. Daqui a... – Olhei o celular de Anna. – Cinco minutos vou saber.
Saí do refeitório e fui buscar refúgio na escada que levava ao segundo andar, onde seria a próxima aula. Sentei-me nos degraus e deixei minha mochila ao lado. Não queria falar com ninguém, precisava de um pouco de paz. Posso ser estourada e até cricri, mas gosto desta escola. Tenho amigos de verdade.
Estava tão aflita, que passei meus dedos pela corrente em volta do meu pescoço. Sempre que estou com algum problema fico mexendo nessa chave esquisita. É como se ela me ajudasse a pensar melhor. O único problema é que quando ficava com ela nas mãos me distraia, e desta vez não foi diferente. Só notei que alguém estava batendo com uma bengala preta diante de mim, quando ouvi a voz meiga da orientadora. Rapidamente, guardei a chave embaixo da minha camiseta e me levantei.
– O que faz aqui, Srta. Kilvert? – A Srta. Weiss como sempre usava uma saia preta longa, com uma camisa preta. Ela tinha um sorriso amigável e se apoiava na bengala.
– Eu queria ficar sozinha. – Disse ao ajeitar a mochila nos ombros.
– Não se esqueça, temos que conversar depois das aulas. E falando em aula, a sua começou há três minutos.
Sem me despedir da Srta. Weiss, subi correndo as escadas. A porta de sala de aula ainda estava aberta. Apressei o passo, mas ao chegar, ela bateu com força na minha cara. A raiva foi tanta, que não consegui conter o palavrão.
Acabei de pronunciar minhas doces palavras e a porta se abriu novamente. Minha vontade foi sair correndo. O cara do banheiro, ou novo professor me encarava. Se não estivesse com a cabeça a prêmio ficaria até feliz de encará-lo, e admirar seus belos olhos azuis.
– Ah! A garota dos peitos. – Disse ele sério. Naquele exato momento todas as atenções estavam voltadas para nós dois. Era só ouvir alguma palavra como peito ou bunda, pra todo mundo ficar com as orelhas levantadas. Comecei a xingá-lo mentalmente – O que posso fazer por você?
– Eu estudo nesta sala. – Disse quase sem voz.
– Quanta honra! – Ele sorriu. Não sei por que, acabei detectando certa ironia. – Por favor, entre e procure um lugar.
Entrei na sala e me dirigi ao meu lugar de sempre, no fundo ao lado de Junior.
– Tudo bem? – Perguntou ele assim que me sentei.
– Tudo. – Respondi de cabeça baixa. O professor fechou a porta e voltou para frente de sua mesa.
– Como eu ia dizendo antes de ser interrompido. – Ele olhou para mim e um frio percorreu minha espinha. – Meu nome é Ryan Coulson e... – Novamente ele foi interrompido.
– Com licença. – Um rapaz alto de cabelos castanhos abriu a porta. – Estou procurando pela sala de Biologia II.
– É aqui. Entre. – O professor fez sinal para que o rapaz entrasse. Mal ele deu dois passos e vi minha irmã fazendo sinal para que o rapaz se sentasse ao seu lado. Aquele deve ser o tal de Fred.
Antes dele se sentar, entregou um papel para o professor.
– Novo também? Que curioso. Pode ir se sentar. – Fred caminhou em direção ao seu assento, mal se acomodou e Anna começou a puxar papo.
– Vamos torcer para que não haja mais interrupções. Como já disse, meu nome é Ryan Coulson. – Ele foi até a lousa e escreveu o nome. – Sou novo, como todos já sabem e estou ciente de como meu antecessor largou o cargo.
– Ou como ele pulou do cargo. – Disse Gabriel risonho.
Alguns alunos riram, outros se limitaram a fazer um sonoro “Que horror!”.
– Sim. – Ao que parece o professor tentou se manter sério. – Também sei que ele andou meio negligente com a matéria. Andei vendo alguns de seus arquivos e a última matéria passada foi “Sistema ABO – Classificação e Herança”.
– Na verdade... – Disse ao levantar a mão. – Ele parou em “Sistema Linfático” e depois iríamos ver “Sistema ABO”.
– Verdade? – O professor cruzou os braços na altura do peito.
– Sim. – Graças a Deus Karen veio ao meu socorro. – Tenho meu caderno para provar.
– Muito bem. – O Sr. Coulson começou a caminhar por entre as carteiras. – Vamos começar a partir de amanhã “Sistema ABO – Classificação e Herança”. Vocês estão muito atrasados, por isso peço que não se atrasem e façam os exercícios.
Na hora que ele mencionou atrasos olhou para mim e depois para o aluno novo.
– Como hoje é meu primeiro dia e não conheço ninguém... Quer dizer, apenas a Srta. Peitos. – Ele apontou em minha direção e todos ficaram meio que boiando. – Que tal umas apresentações? – Todos os alunos fizeram um sonoro “Ah, não!”.
– Vamos começar com... Srta. Peitos, por que não nos dá a honra? – Ele deu um sorriso debochado.
Muito a contra gosto levantei da cadeira e me apresentei. Não sei pra quê? Todos já me conheciam, mas pelo menos teve um ponto positivo. Ele parou de me chamar de Srta. Peitos.
Um a um os alunos foram se apresentando. Quando chegou a vez do trio country. Kelly, Kristen e Kate esbanjaram cantadas em direção ao Sr. Coulson. E até que ele conseguiu contornar a situação, mas as três não se compararam em nada com Karen. Ela não cantou o professor, mas teve a coragem de perguntar a ele que tipo de xampu e condicionador usava. Já que segundo ela “O seu cabelo parece tão macio e tem um brilho especial”. O Sr. Coulson riu e disse...
– Meu tipo de xampu e condicionador é aquele que deixa o cabelo limpo e cheiroso.
Mas o ponto alto das apresentações ficou por conta do aluno novo que disse...
– Meu nome é Fred O'Keeffe e tenho dezoito anos. – E só. Ele se sentou e voltou a conversar com Anna.
– Sr. O'Keeffe? – O aluno novo ergueu a cabeça. – Tem mais alguma coisa que quer acrescentar? – Perguntou o Sr. Coulson.
– Não. – Ele respondeu com uma frieza, que daria para congelar a sala.
Um pouco antes de o sinal tocar, o Sr. Coulson dispensou a sala. Todos saíram, menos eu, que fui chamada por ele.
– Srta. Kilvert, podemos conversar? – O Sr. Coulson estava sentado diante de sua mesa lendo algo numa pasta de cor preta.
Fiz sinal para meus amigos saírem e assim que ficamos sozinhos, me aproximei.
– Olha, se é por causa daquele incidente no banheiro. Quero que saiba que eu jamais faria aquilo se soubesse que era meu professor. – Disse sem nem ao menos respirar.
– Nossa! Fico comovido! – Ele colocou as mãos sobre o peito como se realmente estivesse emocionado. – Mas não é por isso que a chamei.
– Não é? – Franzi a testa.
– Não. Parece surpresa?
– É claro que estou. O senhor só me destratou durante a aula toda.
– Confesso que exagerei, mas foi engraçado ver sua reação. – Ele riu. – Não vai acontecer de novo. Prometo.
– Também não vou mais... – Não completei a frase.
– Assim espero. Não quero ir para a cadeia. Enfim, eu a chamei para mostrar isto. – Ele colocou diante de mim a pasta preta.
Peguei-a e abri. Quase caí dura no chão ao ver seu conteúdo. O Sr. Manson havia criado uma pasta com o nome dos alunos encrenqueiros e o meu estava no topo. Até me senti como a Hermione “Altamente Perigosa”. Mas a minha classificação era menos nobre. “Baderneira” era o título que acompanhava meu nome.
– Srta. Kilvert? – Desviei meus olhos da pasta para encarar o Sr. Coulson. – Quero que saiba que comigo não precisará se preocupar com esta pasta.
– Como não? Ele escreveu coisas horríveis! – Disse exaltada.
– Sim, mas tenho o costume de dar um novo início aos meus alunos. – Ele pegou a pasta das minhas mãos e a rasgou. – Considere isto como uma trégua de paz entre nós. Você não mostra os seios e eu não a trato como uma criminosa. – Disse ele enquanto jogava os restos da pasta no lixo.
– Por mim tudo bem. – Pela primeira vez no dia pude respirar aliviada.
O sinal tocou e me apressei a sair da sala.
– Tchau, Sr. Coulson. – Corri em direção a porta. – E obrigada. – Disse ao fechá-la.
Agora aula de História, depois Química e mais tarde, um bate papo com a Srta. Weiss. Isso até soa como o nome de um Talk Show.
(A Fada)
– Pare de ligar para o meu trabalho. – Cara, o Logan não tem jeito. Às vezes ele se comporta como um rapaz de vinte anos. E olha que ele está com trinta e dois. Quando é que ele vai amadurecer?
– Mas você disse... – Ele estava irritado.
– Eu sei o que disse. Não tenho certeza. Hoje senti três presenças distintas e uma delas era o relicário.
– Por que não encostou a garota na parede? – “Que ideia!”, pensei.
– Logan, a garota é uma aluna. Não posso simplesmente interrogá-la. “Ei, você! Onde está o relicário?” – Suspirei. – E tem mais, ela é uma livre. Livres não podem usá-lo. Usa e bate as botas. Simples assim. E a garota está bem viva. Até demais. Vive brigando.
– Brigando? – Logan elevou a voz.
– Sim. – Ouvi ao longe o som de grunhidos e tiros. – Você está jogando Resident Evil de novo?
– Dessa vez vou dar um banho no Les. – Mais tiros. – Voltando a garota. Se ela anda brigando muito, pode ser efeito do relicário. Está deixando-a num estado de... Como é a palavra? Não! Não! Desgraça!
Revirei os olhos. Logan provavelmente foi devorado por um zumbi.
– Logan? Logan? – Gritei.
– Ah, desculpa. O que eu estava falando mesmo? – Ninguém merece. – Ah, o jeito da garota. Ela deve estar entorpecida.
– Entorpecida?
– É! Presa num estado de torpor. Vamos dizer em “coma”. Ela até pode não ser uma livre.
– Existe algo que pode ser feito?
– Infelizmente, se você está pensando em jogar algum feitiço na coitada, vai ter que esperar. Estamos buscando um relicário e não é de qualquer uma. É de Mila Vosloo que estamos falando.
– Eu sei, a que atacou a bruxa melancólica e foi amaldiçoada. E segundo a lenda, ela ficou ligada de alguma forma a Chave Mestra. – Olhei para minhas unhas, elas precisam de um trato. – Devemos esperar?
– Sim. – Ouvi a música do jogo reiniciar. – Mais alguma coisa?
– Não. – Então um som continuo invadiu a linha. O filho da mãe desligou na minha cara.
Se soubesse que no dia que eu e meu irmão atravessamos o bendito portal, era isso que me esperava, teria desistido na mesma hora.
“Vá filha. Vá para a Terra dos Livres e se encontre com os protetores”, disse meu pai. Ah, se ele soubesse na fria que me meti. Ter que viver com quatro meliantes numa casa, não é fácil. Principalmente, quando não sei controlar minhas neuroses e a mania de ser controladora. No último Natal, ainda na cidade de Los Angeles, meus amigos me deram de presente algemas e um chicote. Já que segundo eles, eu queria transformá-los em meus submissos e eu seria a dominadora. O que não era de todo o mal. Seria incrível ser obedecida em minha própria casa. Nem que para isso tivesse que usar o chicote.
Alguém bateu na porta.
– Pode entrar. – Acomodei-me na cadeira.
– Boa tarde. Podemos conversar, Srta. Weiss? – Perguntou Betsy ao abrir a porta.
– Claro! – Indiquei a cadeira.
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Entorpecida (A Chave Mestra #1)
AventuraHistória Concluída Hayley sempre se considerou a encrenqueira da escola, a garota sem memória adotada pelo casal Kilvert, e que vive em pé de guerra com a irmã, que possui um péssimo gosto pelo sexo oposto. Seu mundo começa a mudar após um inciden...