C20 - Duas vezes

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Estava atrasada, meu pai só fazia reclamar no volante, também estava atrasado, por minha culpa. O homem que costumava se aprontar em dez minutos teve de esperar quase quarenta até que eu estivesse pronta para sair. Provavelmente não havia escutado o despertador ou simplesmente me dei ulguns minutos a mais de sono e não tive consciência de que esses minutos eram todos os que eu tinha para sair no horário correto.

Papa odiava pegar trânsito por um único motivo: as pessoas o irritavam. Por isso costumávamos sair num horário em que não tivesse engarrafamento.

- Poxa, filha, o que aconteceu? Você não é de se atrasar assim. - ele disse enquanto batucava impaciente o volante.

- Me desculpe. - encolhi meus ombros com um único pensamento em mente: Lauren havia acontecido.

- Tudo bem. - ele disse se endireitando no conforto de seu banco.

- Mama te contou algo importante ontem? - pergunto após alguns instantes de silêncio profundo.

- Não, tem algo para me contar? - ele perguntou me direcionando seu breve olhar.

- Não. - respondo com convicção, mas sabia que hora ou outra minha mãe deixaria escapar o que havia visto no dia anterior - Você chegou a ver Dinah com sua namorada em nossa casa ontem?

- Só me toquei que elas namoravam quando estavam se beijando no sofá.

- Elas se beijaram em nosso sofá? - pergunto incrédula fazendo o homem me acompanhar com seu sorriso. - Elas formam um belo casal, não acha?

- Eu não vi o suficiente para tirar conclusões. - respondeu conscientemente.

- Mas o que pensa sobre as duas, digo, duas garotas se beijando em sua casa?

- Se não fosse em nossa casa seria em outro lugar. - ele disse com um tom de diversão. - Mas não há muito o que fazer, quando você se apaixona por alguém não tem muito essa de homem, mulher, preto, branco, feio ou bonito. Não tem muito pra onde fugir não.

- Eu disse exatamente isso para a Dinah. - digo não me importando com o fato de ser verdade ou não e sim com o ar de alívio que deixava meus pulmões. Meu pai não era um homem de falar muito, era difícil saber sua opinião sobre determinados assuntos.

Percorremos um caminho tranquilamente silencioso até a escola, onde com um beijo na testa se despediu de mim. Aproveitei para me desculpar mais uma vez por fazê-lo perder a hora.

Não estava se passaram sequer dez minutos desde o início da primeira aula do dia. Apesar do sono que chegava a doer, me apressei pelos corredores para formalmente entrar em sala.

Lauren estava tão morta quanto eu, debruçada sob a carteira a garota assistia a aula, ou pelo menos olhava fixamente para o quadro. Ao me ver indiretou sua coluna e sorriu gentilmente, caminhei em sua direção e a garota tirou sua mochila que ocupava a carteira da frente.

- Guardei pra você. - ela cochichou, eu apenas agradeci e ajeitei meu material sob a estrutura de madeira.

- Espero que meu pai não perca o emprego por minha culpa, onde iria morar? - disse ao me virar para trás.

- Você pode morar comigo se perder a casa.

- De forma alguma, não entraria numa casa sem alarme pra incêndio. - brinquei.

- Mas o que? - Lauren pareceu contrariada.

- Esqueça, foi algo muito idiota para se dizer, me desculpe.

- Por que disse isso? - O olhar esverdeado de Lauren se estreitou numa expressão mal-humorada.

- Minha mãe comentou sobre o incêndio. - minha fala soou com receio pela reação da outra.

Enquanto Houver SolOnde histórias criam vida. Descubra agora