Epílogo

20.1K 1.1K 681
                                    

Lena Luthor

A dor era tão intensa que às vezes eu chegava a me perguntar se não era fruto do meu inconsciente. Me sentia gelada, tonta e assustada. Um líquido viscoso escorria pelas minhas pernas e eu me segurei na parede do banheiro, na intenção de me apoiar, mas acabei apenas escorando e escorregando até chegar ao chão. Eu não devia estar em trabalho de parto, mal havia completado sete meses de gestação e nem sequer tinha contado a minha mãe sobre a gravidez. Uma das vantagens de ser magra e alta é poder esconder esses tipos de deslizes, quando ocorrem.

Não apenas isso, Lilian nunca prestava atenção em qualquer coisa que tinha a ver com a querida filha perdida dela. Obviamente que eu não era e nem nunca fui alguém irresponsável, nunca usei drogas, nunca fui mal na escola e nem sequer sou alguém que sai para as festas que geralmente ocorrem no meu colégio. O meu único problema era não ter direção, não ter apoio e não ter pessoas que me amassem de verdade ao meu redor. Bom, eu pensava que tinha quando comecei a namorar Jack. Porém, ele não era bem o tipo que garoto que minha mãe queria que eu namorasse, na verdade, nada do que eu fazia era suficiente para ela.

Jack era mais velho, bem, um pouco ou talvez muito mais velho que eu. Ele mal havia completado o ensino médio, não se dava bem em trabalho nenhum e pensava poder viver de sua música. Acho que me encantei mais por simplesmente amar o seu estilo, sua voz e pensar que ele me amava, como sempre dizia. Mas eu ainda era menor quando me envolvi, não por muitos meses, mas ainda sim tinha só dezessete anos. Agora, eu já completei os tão esperados dezoito, estou grávida de gêmeos e Jack me deixou assim que soube que eu esperava duas crianças suas.

Eu estava muito encrencada. Lilian pensava que eu estava tomando juízo quando terminei com Jack, até depositava esperança em mim para fazer o curso na faculdade que ela queria e que já estava tudo pago. Minha mãe queria que eu assumisse as empresas do meu pai e continuasse o legado dos Luthor. Algo que não me agradava e nem nunca agradou. Meu pai, Lionel, tinha deixado a presidência para minha mãe quando descobriu ter um tipo raro de câncer. Algo muito irônico se for parar para pensar, pois nossas empresas mexiam com desenvolvimento de novas tecnologias médicas, como equipamentos e máquinas, entretanto também tinha a parte biotecnológica, onde fórmulas para a cura do câncer eram feitas por inúmeros biólogos, médicos, bioquímicos e etc.

Pensei que poderia contar pelo menos com meu pai, infelizmente eu não pude e não podia. Sua saúde piorava a cada dia e eu sentia que logo iria perdê-lo. Ao contrário de minha mãe, Lionel sempre foi um pai maravilhoso e atencioso. Ele me levava para o parque, me contava suas histórias e me fazia pensar que eu podia ser o que eu quisesse, inclusive uma super heroína. Lionel não era meu pai biológico, porém isso nunca fez qualquer diferença. Nunca cheguei a saber o nome do meu real pai e nem queria, não era como se eu fosse ir atrás dele.

Sinto minhas pernas amolecerem quando uma outra pontada me atinge o ventre. Não estava certo, eu não podia dar a luz agora e nem aqui. Minhas lágrimas cortavam meu rosto, a dor me rasgava de dentro para fora e tudo o que eu conseguia pensar era nas duas crianças que dependiam de mim. Encostei minha cabeça no box e um arrepio percorreu meu corpo ao sentir o vidro gelado. Solucei ao pensar que podia estar perdendo meus filhos sem nem ao menos conhecê-los. De tudo que eu tinha feito de errado, de todas as coisas que eu me arrependia, essa com certeza não era uma delas. Novamente a dor latejou no meu ventre e eu gritei.

Com as mãos ainda trêmulas, me arrastei até a pia e procurei meu celular. Disquei o primeiro número que encontrei e quem atendeu foi minha vizinha, uma senhora que me conhecia desde pequena. Ela correu para dentro de casa, de forma desesperada, gritando pelos vários empregados e tudo o que eu lembro são das tulipas desenhadas no papel de parede do banheiro. Elas eram vermelhas e me faziam recordar dos campos na Finlândia, do vento frio e da paz que eu pude sentir ao menos uma vez.

***

Lilian Luthor

Era impressionante como essa menina conseguia me surpreender sempre das piores formas. Dezoito anos e grávida? Onde ela estava com a cabeça? Com certeza nos livros é que não era. Minha vontade era de deixar ela perder essa criança e arcar com todas as consequências, mas o que a mídia pensaria de mim, certo? Eu sequer sabia que seria avó, na verdade, eu não seria. Não dessas crianças bastardas, sem pai e sem futuro, assim como a mãe. Bom, mas ao que parece, Lena não estava tendo um aborto e sim um parto prematuro.

Nada que eu dissesse faria os médicos largarem ela desmaiada e com dores. Então, assim que cheguei ao hospital que minha empresa mantinha a maior parte dos lucros, minha filha foi levada para a sala de cirurgia. Lena estava desacordada, mais pálida do que já era e tremia. Desejei internamente para que essas crianças não sobrevivessem, não precisávamos delas, minha filha não precisava. A médica não permitiu que eu ficasse na sala com ela, ao que parece, Lena já estava fazendo o acompanhamento com a doutora desde a descoberta da gravidez e ela sabia perfeitamente o que estava acontecendo.

Obviamente que isso me causou uma raiva irreparável. Como ela ousava gastar o meu dinheiro com esses bebês? E ainda escondida? Bom, veremos agora o que fará já que eles estarão do lado de fora do seu corpo. Lena nunca precisou se preocupar com qualquer pessoa que não fosse ela mesma, nunca precisou trabalhar ou sequer se preocupar com problemas financeiros. Ela podia falar o que quisesse, negar o seu cargo de presidente na Luthor-Corp, podia dizer que não queria fazer parte da nossa família, mas sempre precisou do meu dinheiro e nunca teve que ser responsável. Sim, enquanto eu estivesse viva, o dinheiro pertencia a mim e somente a mim. Tudo bem, Lionel ainda está vivo, apesar de morrer mais rápido a cada semana, porém ele não opinava mais. Por mais que ele fosse o presidente de direito na empresa, afinal seu avô havia erguido o império com os irmãos, quando casamos e assinamos os papéis, felizmente eu assumiria o cargo em caso de incapacidade de gerenciar os trabalhos. E aqui estou, sendo CEO de uma das empresas mais rentáveis do ramo médico e de pesquisas com células-tronco embrionárias para tratamento de câncer, mutagênese e teratogênese.

O mínimo que eu exigia de minha filha era respeito com as minhas escolhas e obediência as minhas regras, o que ela nunca fez questão nem de prestar atenção. Eu sabia bem que isso era o gênio ruim e podre do seu pai biológico, que graças a deus estava morto e enterrado bem longe de nós. Claro que Lionel tinha sua parcela de culpa, desde que ela tinha meses de idade, ele nunca deixou de atender todas as suas vontades. Minha paciência sempre foi inexistente e confesso que aguardar esse parto já estava me deixando mais do que nervosa. Eu não podia ir embora, o que falariam de mim caso eu abandonasse minha única filha? Por isso, eu esperei.

***

Já havia se passado mais de uma hora e nenhuma notícia me havia sido dada. Bufei diversas vezes ao imaginar todas as reuniões que eu teria que adiar e os trabalhos que eu teria que empilhar por ter que aguardar qui. Logo que eu suspirei pela enésima vez, a médica responsável por minha filha apareceu e disse que ambas as crianças haviam nascido. Para variar, Lena havia conseguido engravidar de gêmeos bivitelinos ou não idênticos, era uma menina e um menino, cujos os nomes eu não fiz sequer questão de saber. Lena estava ainda internada por conta de algumas complicações na sua saúde e por isso ainda estava desacordada. A doutora indicou uma enfermeira, que me chamou para conhecer meus "netos", mesmo vendo a minha cara de insatisfação. Eu me levantei e a segui para a maternidade.

O choro de alguns recém nascidos me fizeram fechar os olhos e sentir a cabeça latejar. A enfermeira me indicou os dois berços e eu os encarei. Não pude conter meu grito de pavor e indignação ao reparar na pequena menina que levava no braço uma pulseira escrito "Lena Luthor". Ela... ela era um erro, uma aberração! Não, eu não posso aceitar ter uma Luthor que seja retardada e mongolóide. A enfermeira chefe que me acompanhava me encarou assustada e não disse nada além de:

─ A menina nasceu com Síndrome de Down.

FlaresOnde histórias criam vida. Descubra agora