Acordei sentindo-me incrivelmente relaxada. Estava frio, muito mais do que eu esperava e por causa disso tive que me preparar mentalmente para sair da cama. Podia ouvir risadas do andar de baixo e não gostaria de perder o que quer que estivesse acontecendo lá. Já dormi demais, pelo o que pude ver na escuridão através da janela.
Fiquei com preguiça de abrir minha mala para pegar um casaco, por isso olhei nas coisas que Justin já havia retirado da sua mala, mas, para minha decepção, acabei encontrando um maço de cigarro e isqueiro junto. Sabia que ele tinha o hábito de fumar quando estava nervoso, mesmo assim guardei no meu bolso e só me restava achar a oportunidade perfeita para jogar fora. Acabei me enrolando com o cobertor e abri a porta. Apoiei-me no corrimão que cercava um dos lados do corredor dos quartos e fiquei observando o andar de baixo, a cena de todos em volta da lareira crepitante, na sala de estar. Sorri ao encontrar Justin sorrindo no meio dos amigos, ele parecia radiante. Me afastei do corrimão, prestes a descer as escadas, quando ouvi algo que me fez voltar.
— E como foi sua visita à Berkeley, Justin?
Ergui as sobrancelhas e tentei me esconder.
Berkeley?
— Legal — respondeu, categoricamente.
— Apenas legal? — perguntou Chris. — Um lugar cheio de universitárias gostosas e você só diz que é "legal"?
Caitlin colocou a mão no ombro dele e proferiu suas próximas palavras em voz baixa, mas todos ali haviam escutado, inclusive eu:
— Não está assim por causa da Mona Lisa, não é?
Justin balançou a cabeça, descartando a ideia. Antes que ele se justificasse, ela continuou:
— Não largue suas chances de ingressar em uma boa universidade por causa de uma garota.
O ar parecia tenso. Eu estava tensa. Não ouvi mais nada. Não precisava, aquilo foi o suficiente.
Devo ter batido a porta do quarto com força, pois minutos depois Justin apareceu. Não fiz questão de olhá-lo, apenas fitei a janela embaçada e passei a mão para limpá-la.
— Berkeley? — perguntei, depois que ele fechou a porta. — Por que não me disse?
Ele estava se aproximando, ouvi seus passos, mas me desvencilhei de seus braços assim que ele tocou em mim.
— Eu ia te contar...
— Quando? Porque tempo você teve. Ah, como teve — zombei.
— Mona Lisa, por favor.
Dei um sorriso irônico. Não ia gritar com ele, pois sei que seus amigos estão no andar de baixo e a casa não é grande o suficiente para impedir de ouvi-los.
— Você ficou me iludindo, dizendo que estava guardando dinheiro para morarmos juntos depois da escola. — Passei as mãos em meu couro cabeludo, lembrando-me dos dias que ficávamos sonhando sobre nossa vida juntos. — Eu pensei que fosse verdade... Eu acreditei em você.
— E eu não menti! — Ele tentou me tocar novamente, mas desistiu. — Por favor, tente entender...
— Não quero ser a vilã — o interrompi. — Sua amiga está certa, não deve largar a oportunidade da universidade por minha causa. É o seu futuro, não deixe de lado por causa de uma garota que ainda mal sabe qual carreira seguir.
Ele ficou em silêncio. Aquilo estava me matando, ele esperava que eu me acalmasse para dizer algo, o conhecia para entender isso. Mas eu não queria, não agora. Só de pensar que os amigos dele estão sabendo que estamos brigando e provavelmente me consideram o lado errado, me deixava mais irada.
Saí do quarto e desci as escadas o mais rápido que consegui, tudo e todos me pareceram borrões enquanto tentava seguir até a porta sem olhar para algo dentro da casa a não ser meu principal objetivo.
O vento gelado me atingiu em cheio. Circulei pela varanda da casa até achar um canto privado na lateral, havia algumas caixas empilhadas e me sentei na menor. Só pensei no casaco depois de me sentar e abraçar o corpo. Droga. Não ia voltar para pega-lo, por isso me contentei apenas em me aconchegar entre as caixas geladas e ignorar a fumaça que saía da minha boca cada vez que eu respirava.
Então lembrei do cigarro e isqueiro que achei nas coisas do Justin, ainda estavam em meu bolso. Depois de duas tentativas fracassadas, sorri quando finalmente consegui acender o bendito cigarro. Pelo menos, a fumaça que agora saía pela minha boca era quente. Até cheguei a rir do meu estado patético, fumando entre caixas de entulho no meio de um lugar cheio de neve.
Não sei se conseguiria voltar para dentro e encarar os amigos do Justin. Eu nem sei se conseguiria encará-lo depois de recusar ouvir seus argumentos. Era muito para mim, muito pensar em todas as decepções e inseguranças. Toquei em minha testa com a mesma mão que segurava o cigarro e tentei esvaziar a mente dos meus problemas e apenas pensar em coisas boas, pois ainda tinha minhas férias de inverno inteira para ficar na Califórnia, não podia me estressar justo no primeiro dia.
Talvez eu tenha fumado mais do que um cigarro, não contei. Talvez eu tenha chorado, também não fiquei prestando atenção nisso. Talvez tivesse se passado horas desde que saí, eu rezava para que isso fosse verdade. A real é que meus pensamentos tomaram conta de mim e nem mesmo o frio foi capaz de me desligar deles, era tanta coisa em mente que eu não havia percebido que Justin tinha me encontrado com uma coberta grande e macia em mãos. Só me dei conta disso quando ele jogou a coberta sobre mim com cuidado e se agachou em minha frente tirando o cigarro da minha mão e o atirando para bem longe.
— Não deveria fumar — disse ele.
— Não deveria ter trazido.
Ele deu um meio sorriso e colocou as mãos em minhas pernas. Não o afastei.
— Desculpa — falei, imediatamente. — Fui uma idiota. Fiquei com raiva por não ter me falado, mas não posso exigir que me conte exatamente tudo que acontece com você se eu não faço o mesmo.
— Vamos entrar e então podemos conversar em uma cama quentinha.
— Seus amigos ainda estão acordados?
Ele balançou a cabeça, negando.
— Eles devem me odiar. — Levantei-me da caixa com o cobertor enrolado ao corpo e percebi que minhas pernas estavam dormentes.
— Eles não te odeiam. — Justin riu quando percebeu que eu não conseguia andar e se posicionou para me levantar.
— É a segunda vez que você me carrega no colo. — Sorri, me aconchegando em seu pescoço quente por causa do cachecol.
Ele me equilibrou nos braços e andou com um certo esforço até a entrada. Eu não era tão pesada, mas estava impressionada por ele conseguir me carregar até mesmo ao subir as escadas comigo no colo.
— Pensei que só faria isso depois de casado — confessou, me fazendo rir.
— Sou muito grata de ter um namorado forte e quentinho.
— Isso significa que não está mais chateada?
— Talvez.
Chegamos ao quarto e ele me deitou carinhosamente na cama. Todos já estavam dormindo, então Justin desceu as escadas para apagar as luzes do andar de baixo. Aproveitei para me aconchegar no lado que acordei na cama e fiquei contente por ele saber que o direito é o meu lado favorito. Ele voltou, apagou a luz e se deitou em baixo das cobertas, de frente para mim.
Mesmo que todas as luzes estejam apagadas e que nós já estamos deitados, ainda precisávamos conversar.
— Queria que soubesse que eu não te disse nada porque não pretendo ir para Berkeley — explicou Justin.
— Por que não?
— Não pense que está impedindo meu futuro — disse ele, como que essa conclusão estivesse estampada em meu rosto, mesmo no escuro. — Minha mãe ainda acredita que irei fazer Administração lá, é o que ela e meu pai esperam que eu faça para seguir carreira na empresa da família.
— E você quer isso?
— Não, eu não quero. Já te disse que esse não é meu objetivo, mas andei pensando e acho que terei que fazer o que não gosto por algum tempo para nos estabilizar. Entende?
Assenti, até lembrar que ele não estava me enxergando.
— Sim.
— Não quero ir para Berkeley, mas acho que terei que trabalhar na empresa para conseguir meu próprio dinheiro. Minha família tem muito dinheiro, mas duvido que continuarão me dando mesada depois que sair de casa. — Ele tocou meu braço por baixo das cobertas e subiu sua mão até encontrar meu rosto. — Estou apenas fazendo as vontades da minha mãe. — E então debochou: — Como que visitar a universidade fosse me fazer mudar de ideia.
— Você tem razão. — Aproximei meu corpo ao dele e nossos narizes quase se tocaram, podia sentir sua respiração quentinha. Agora enxergava seu rosto com minha visão já adaptada a escuridão do quarto. — Mas pensei que sua mesada fosse suficiente até conseguirmos um emprego.
Seu braço passou por minha cintura e me virou, fazendo-me ficar de costas para ele e facilitando o mesmo de colocar todo seu corpo sobre mim. Estávamos tão juntos um do outro que parecíamos um.
— Estive vendo algumas casas em algumas das minhas visitas pela empresa. No sistema há centenas de imóveis que estão à venda pela nossa imobiliária e eu me interessei por uma em Santa Mônica.
Virei o rosto para ele e acabei batendo meu nariz em seu queixo, o fazendo rir.
— Justin, não precisa...
Eu sabia que as casas perto da praia são caras, um pequeno apartamento era o que estava em nossos planos.
— É perfeita, você vai amar quando eu te mostrar. Não se preocupe com o valor, eu irei pagar em serviço para a empresa e ainda terei o dinheiro que guardei da minha mesada, vamos nos dar bem. — Ele riu mais uma vez. — Era pra ser surpresa, ia te levar até lá quando estivéssemos em Malibu novamente.
— O que essa casa tem de tão especial? — perguntei, brincando com seus dedos que estavam repousados na minha barriga.
— Além de um espaço da praia só para nós dois praticarmos nudismo? Hum, vejamos... Não é muito longe e nem muito perto de Malibu, tem uma área aberta incrivelmente perfeita para relaxar, um quarto com vista para a praia e uma sala enorme com lareira, que eu sei que você adora.
Tenho certeza que ele se lembrou de quando estávamos em outro chalé da família dele e acabamos tirando nossas roupas em frente a lareira, pois riu ao mesmo tempo que depositou um beijo em meu ombro.
— Não acho justo — confessei. — Meu dinheiro mal vai dá para pagar as contas por alguns meses. Tem certeza que quer mesmo comprar uma casa?
— Às vezes, esqueço que você teve uma vida diferente da minha nessa questão. Para mim não é grande coisa, mas pra você é... Então, se quiser ir devagar e...
— Quero ver a casa.
Sua perna me apertou mais contra seu corpo e eu sorri, ele estava contente e parecia querer me esmagar sob seu corpo.
— Bom, acho que terei que te fazer outra surpresa agora.
— Acho que chega de surpresas — disse, me desvencilhando de seu corpo e me aconchegando nele do meu jeito.
Deitei minha cabeça em seu peito e deixei uma das minhas pernas sobre sua cintura. Seu corpo quente era tudo o que eu precisava para esquecer do frio lá fora, eu tinha sorte de tê-lo para me aquecer. Eu amava o jeito como tínhamos tanta intimidade.
— Está mais confortável? — perguntou Justin.
Fechei os olhos com um sorrisinho nos lábios.
— Muito — respondi.
Acordei no dia seguinte com um resfriado maldito. Não quis atrapalhar os planos do pessoal e disse que poderiam ir esquiar sem mim, eu poderia cozinhar algo (se conseguisse). Justin não pareceu muito contente em me deixar, mas foi com os amigos depois que insisti muito.
Depois do café da manhã, fiquei na cozinha para pensar no que fazer. Justin havia pedido para o caseiro abastecer a despensa, então tinha muitas opções. Também pude pensar muito em um jeito de contornar a situação com os amigos dele.
Tomei duas xícaras de chá e isso me ajudou a parar de espirrar tanto. Tomei um remédio também, que já estava fazendo efeito, então eu tinha tempo e um pouco de saúde para preparar uma refeição comestível. Decidi ir pelo mais fácil e saboroso, escolhi macarrão com almôndegas. Foi calmo e relaxante, até cantei algumas músicas enquanto preparava as coisas.
Estava cantando Burning Love do Elvis quando senti a presença do Justin atrás de mim. Ele estava sorridente e cheio de neve, nunca pensei que ficaria tão corada por ter sido pega de surpresa. Os amigos dele estavam pela casa rindo e conversando, mas não tinha percebido.
— Isso parece estar gostoso — Justin disse, farejando o cheiro que emanava das panelas no ar.
— Não sou uma boa cozinheira, mas sei me virar.
— Bem, não passaremos fome.
Ri de sua conclusão. Pensar em morar sozinha com ele me faz ficar ansiosa, sonhei com a nossa casa nova, nossa vida independente e todos os benefícios.
Justin passou seu braço ao meu redor e encostou o nariz gelado no meu pescoço.
— Você já está melhor?
— O melhor que consegui em três horas.
— Três horas? — perguntou, surpreso. — Não me admira que eu esteja com tanta fome.
— Não fale alto perto do meu ouvido — reclamei e ele mordeu o lóbulo da minha orelha. — E não morda enquanto eu estiver perto de panelas quentes...
— Hey, casal — Chris gritou.
Afastei Justin do meu corpo e desliguei o fogo das panelas. Chris contornou o balcão e deu uma espiadinha nas panelas.
— Acho que meu estômago não vai aguentar por muito tempo.
— Já está pronto — anunciei e ele abriu um sorrisão.
— Sim, era isso que eu esperava ouvir!
Esperava que todos fossem comer juntos, mas apenas eu, o Justin e o Chris ficamos sentados na mesa comendo. Eu não queria dizer algo que estava entalado na minha garganta, pois os olhares deles revelavam que algo estava errado. Eu era a culpada disso. Não sei o que aconteceu quando eles foram esquiar, mas foi o suficiente para que se recusassem a me encarar.
— Desculpa, não consigo — disse, de repente, me levantando e deixando minha comida pela metade. — Perdi a fome.
Chris e Justin se levantaram também, ambos perceberam que eu estava prestes a surtar. E eu estava, mas me afastei até a pia e respirei fundo.
— Mona...
— Não, tudo bem — interrompi o Chris. — Desculpa se eu causei discórdia entre vocês... Não era minha intenção...
E eu desabei. Comecei a chorar, porque era isso que me restava. Eu estava fazendo os amigos do Justin se afastarem dele, exatamente como fiz com os meus. Não quero que isso aconteça. Talvez, eu não sou a pessoa certa, ele não merece ter que abrir mão de tanto por mim... Sua família, seu lar, seus amigos, seus estudos.
Justin me abraçou e eu senti minúscula em seus braços. Enquanto ele me consolava, só pude pensar que ele estaria melhor sem mim. Eu precisava me afastar, antes que fosse tarde demais.
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MONA LISA {JB} ✓
FanfictionEle tinha encontrado a garota que lhe completava. Até que ela se foi... em um acidente de carro. A morte é algo que temos em comum. Eu não o conheço, mas sei de uma coisa: ele não é culpado como todos pensam. Somos jovens marcados pela dor da perda...