Gosto dela?

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Era sábado, o dia da grande festa. Tronco levantou tarde naquele dia por não haver escola. Ficava andando de um lado para o outro do quarto distraído com seus pensamentos. Por que Poppy se importava tanto com ele? Era a pergunta que mais fazia alarde em sua mente. Uma menina linda, inteligente, talentosa e com uma vida que se poderia nomear perfeita se preocupando com um ex-preso com depressão e que se automutilava!!?
     Lembrou da sua consulta com Rebeca. Olhou para o relógio. Faltava meia hora. Já era meio dia e ainda estava de pijama! Entrou no chuveiro e deixou a água quente molhar seu rosto, costas e cabelo. Ficou parado um momento, como se estivesse esperando um anjo cair do céu e salvá-lo das coisas ruins e da dor.
     Tão perdido que estava em seus pensamentos infelizes, que só se deu conta de que a vida estava seguindo quando acabou de bater na porta do consultório de Rebeca:
— Entre, meu gato!
     Segurou uma risada e obedeceu. Ele se perguntava como a mulher conseguia ser tão brega! Usava uma fita vermelha amarrada no cabelo como se fosse uma tiara. Sua blusa folgada branca tinha a estampa de corações e estrelas multicoloridos. Usava uma calça-boca-de-sino azul turquesa que deixava tudo complicado. Mas apesar de tudo, era bonita:
— Pare de ficar admirando a minha beleza e sente-se! — brincou
     Tronco sorriu. Obedeceu o pedido dela:
— Um sorriso! Faz tanto tempo que não vi um de você ... que gatinho!
Ele corou com o comentário dela:
— Você tem namorado!
— Ué? Não posso dizer a verdade só porquê tenho namorado?
Riu com a própria pergunta:
— Como andam as coisas?
— ... Não me mutilo mais.
— Que bom!! O que fez você- ...?
Uma ideia lhe chegou à cabeça. Sorriu de maneira paqueradora para ele:
— Hein, eu! Alguma garota entrou na sua vida, meu gato? — apoiou a cabeça numa mão
— REBECA!!
— Qual o problema? Até onde eu sei, perguntar não ofende, ou sim?
Ele suspirou, apoiou a cabeça na mão esquerda:
— O Nuvem mudou de cidade.
— Seu melhor amigo? Para onde?!
— Não faço ideia, mas ele prometeu que iria na festa de 12 anos da Anny.
— Quanto tempo faz que ela não te visita?
— Desde o dia em que fui para o hospital.
— Talvez esteja ocupada no momento ajudando a mãe a cuidar da irmãzinha.
— Verdade ... levei ela para a escola ontem e acabei tachado como pedófilo pela turma do Creek!
— Você é um pedófilo? — ele negou com a cabeça — Então não fique abalado com essa afirmação falsa! Você tem um sorriso tão lindo, mostre-o para todos!
Ele tamborilava os dedos na mesa, pensativo. Um tema em especial despertava sua curiosidade:
— ... Posso te fazer uma pergunta?
— Poder pode ... se eu vou responder são outros quinhentos!
— Ha ... é verdade que foi ... a Poppy que ... praticamente ... uniu você e o Gabriel?
Rebeca não desmanchou seu largo sorriso. Se endireitou na cadeia, olhou para cima:
— Ela te disse isso?
— Sim, por quê?
— Ela não é de se gabar de suas operações-cupido ... mas é pura verdade!
Ele arregalou os olhos:
— É verdade!!?
— Surpreso? Realmente, não achava que demoraria tanto para aceitar que era amor e não paixão!
— Como assim!?
Olhou para o garoto, o estudando com o olhar:
— O seu problema era achar que amava a Marília e na verdade só sentia uma atração muito forte?
— Era ... — corou ao responder
— O meu problema era o oposto; achava que sentia uma paixão forte por ele, e que logo acabaria o esquecendo.
— ... Como mudou de ideia?
Ela suspirou antes de responder, fitou os pés da cadeira onde estava sentada:
— Ele me pediu em namoro. Fiquei paralisada na hora porque a cabeça dizia não e o coração gritava sim ... no final, achei um "meio termo".
— Que meio termo?
— Namoraria com ele, mas o máximo de contato físico que teríamos eram abraços, sem nenhum tipo de beijo.
— ... Isso é namoro!?
— Quando a minha avó, bisavó tinha a minha idade ... ou melhor, quinze anos, o namoro era na sala, com a mãe dela vigiando ... e se um encostasse sequer ... um dedo no outro ... as coisas ficavam pretas pro lado deles!! Eu deixava abraçar!
— Mas por que pitombas você faria isso!!?
— Senhor, dai-me paciência ... — sussurrou — ... Meu gato, se um namoro for superficial, ele tem como base o contato físico, certo?
Ele afirmou, confuso:
— Se eu cortasse completamente o contato físico, seria fácil saber se era amor de verdade, porque todo o encanto físico iria pelo bueiro!
— ... Onde a Poppy entra nessa história?
— Quando ela fez crisma, me pediu para ser a madrinha dela, e o Gab participava lá ... era amigo dela ... que achava que combinávamos!
— E ... ajudou em mais o que?
— Dava indiretas, fazia com que ficássemos sozinhos, nos fazia estar em situações românticas ... é por isso que eu amo ser psicóloga! Você pode se conhecer muito bem, mas os que estão ao seu redor podem saber melhor que você mesmo o melhor!
— E o que isso tem haver com ser psicóloga!?
— O meu trabalho é ouvir da sua boca o problema, e pelo seu tom de voz, jeito de falar, às vezes até pela convivência, ajudar a resolvê-los da melhor maneira que você conseguiria ... é isso que quero dizer com "os outros podem saber o que é melhor para você!
     Tronco pensou um instante:
— Você acha que eu e a Poppy ... hipoteticamente falando ... seríamos um bom casal?
     Ela deixou apenas uma frestinha nos olhos para conseguir vê-lo:
— Você jamais faria essa pergunta para mim ...
— Mentira!
— Sempre que o assunto é romance ... — sentou com a postura reta — ... você responde curto e grosso, ou muda de assunto! Eu acho que aconteceu alguma coisa com o meu gato!
     Ponderou um pouco. Era verdade, ele evitava com a vida esse assunto por conta do antigo namoro fracassado com Marília. Por que eu quero saber se seríamos um bom casal?!
— Você tentou me fazer acreditar que daríamos um par sessão passada!
— E como você prova que eu não estava brincando?
     Não sabia responder essa pergunta. Sabia que estava falando pra valer, mas como provar!?
— ... Agora estou confuso!
— O amor é assim, gatinho tonto! — respondeu, fazendo voz de quem recitava um encripte
— O que!?!
— Querido, você gosta dela! — disse como se fosse óbvio
     O sangue dele gelou. Era como se tivessem lhe ensinado algo essencial para a vida. Mas se recusava a acreditar:
— C-como!? Nun-ca!
— Certeza? — levantou uma sombrancelha
     A cara que ela fazia o deixava cada vez mais nervoso. Apaixonado por aquela louca!? A imagem de um par de olhos cor de mel-avermelhados chegou a sua mente. Eram de Poppy, sabia bem disso! A lembrança de como o tratava bem, de como o ajudava, do simples fato de ouvir sua voz ... o fez corar como um tomate:
— A-bso-luta!
— Então por que gagueja?
— Na-da!
— Admita, ela é linda e carinhosa!
— E como ... — sussurrou sorrindo
     Nem percebeu que Rebeca ouviu. Sorriu também. Os dois eram um par perfeito ... só precisavam de um empurrãozinho.
— Te vejo depois de amanhã, meu gato?
— Combinado!
     Ele saiu depressa da sala dela. A mulher sorriu com malícia:
— Ele tá caidinho por ela ... "cedo ou tarde ele vai se declarar" ... — cantarolou
     Alguém bateu na porta:
— Pode entrar!
     Quando abriram, um homem de no máximo vinte e nove anos apareceu. Tinha o cabelo meio comprido e de um loiro escuro bronze lindo. Alto e meio magricela. Trazia um buquê de rosas e sorria com afeto:
— Bom dia, Rê!
— Correção; boa tarde!
     Ele fez biquinho:
— Ninguém tem paciência comigo ...
— Aí, meu bebê crescido ...
     Levantou e o abraçou, coisa que ele retribuiu rapidamente:
— A que devo a ilustre visita de Gabriel Pereira?
— Um cara muito apaixonado pela namorada não pode visita-la no trabalho?
— Claro, eu sei que você me adora!
— Te adorar!? Nunca!
     Ela se afastou para olhar diretamente nos olhos dele, surpresa. Ele estava sério, mas depois sorriu e lhe deu um pequeno beijo nos lábios:
— Eu te amo, minha louca!
     Isso a fez sorrir, bagunçou o cabelo dele:
— E eu você, anjinho sem auréola!
     Riram, depois deram um beijo terno. Rebeca sabia o que era ter medo de se apaixonar como Tronco estava tendo, mas o ajudaria a enxergar que poderia fazer parte de um casal tão unido numa relação tão forte quanto a que tinha com Gabriel. E conseguiria!

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