Script #4

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Dos relacionamentos


Houve uma época em que os relacionamentos eram arranjados, por padrão, pelos pais, que desejavam ter suas crias bem casadas (isto equivale a casadas com alguém rico). Conforme o tempo foi passando, as crias começaram a ter poder de escolha, pelo menos a maioria. Hoje esta escolha também é arranjada pela tecnologia que, com seu alto poder de processamento, cruza dados e dá match quando julga as características de um e de outro dignas de um casal que dará certo.

Este circumpensamento introdutório foi para falar de um aplicativo de relacionamento que vi uma pessoa usar, bem cedo, enquanto ia para o trabalho, no ônibus. Não reparei no nome da revolucionária rede social, mas lembro-me de ver passando - em uma espécie de linha do tempo semelhante a outro aplicativo famoso - as fotos dos pretendentes (quem estava usando o app era uma mulher). Ela fazia o mui conhecido gesto de deslizar o dedo na tela do telefone celular e as fotos de perfil dos machos passavam para apreciação de seus olhos. Quando algum a agradava, ela apontava o dedo sobre ele, tocando a imagem, e um álbum com algumas outras fotos se abria. Ela continuava apreciando e, caso estivesse de acordo com suas preferências visuais, ela marcava com a opção Like, que aparecia em letras verdes destacada na tela. Caso contrário, ela tocava outra opção que aparecia em letras vermelhas formando a palavra Nope.

Baseado em suas escolhas, o inteligentíssimo algoritmo do aplicativo guardava de cor suas preferências, e a inteligência da máquina passava, assim, a mostrar apenas pessoas com as características que mais agradavam a sua usuária, do mesmo modo como faz no caso das propagandas. Isto me fez lembrar dos relacionamentos arranjados, mas neste caso quem arranja é o próprio sujeito, que vê a foto e alguns traços da personalidade do outro. É certo que existe uma diferença crucial entre ambos os modos de se angariar alguém, porém há certa semelhança em um ponto, uma espécie de elemento surpresa. No relacionamento arranjado pelos pais, os filhos não conhecem o futuro cônjuge, ou seja, não sabem sua aparência física. No aplicativo, isto pode ser um transtorno, pois o usuário faz sua escolha quase exclusivamente por causa de uma imagem. No entanto, sabemos que as fotos nem sempre condizem com a realidade, pois há dezenas de aplicativos de edição para fazer ajustes nas fotografias. Esta prática (modificação de imagens) tornou-se tão popular que o próprio aplicativo da câmera dos celulares já trazem opções de efeitos embutidas, chamadas de embelezamento, ou algo parecido. O problema é que algumas pessoas exageram tanto nas correções que, pessoalmente, ficam bem diferentes, o que pode ser constrangedor quando o papo sai do ambiente virtual para o real, como pode (ou não) ocorrer quando duas pessoas que não se conhecem e nunca se viram estão com o casamento marcado pelos pais...

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