Epílogo

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Observo você dançando... alegre, banhada pela luz do luar, esbanjando uma energia tal como nunca antes havia demonstrado possuir, nem mesmo no auge de sua juventude. Dou-me conta de que te fazer feliz sempre foi o propósito de minha vida, e não me arrependo de ter atendido a este seu último pedido. Não me arrependo... Nem mesmo quando você para, de repente, e leva a mão ao peito, mordendo os lábios em uma ânsia de dor. É o seu coração se recusando a acompanhar o seu ritmo, protestando por tê-lo forçado a dar mais do que ele poderia. Mas você sabia que isso seria inevitável... Quer dizer, nós sabíamos... Porém, você queria, precisava, sentir-se viva, mesmo que o preço a pagar fosse tão elevado. Elevado para nós dois, pois você é a minha vida. Vejo seus braços, antes esvoaçantes, pendendo lentamente. Seus joelhos se dobram e você se curva como se fosse mergulhar rumo ao solo, o qual agora se encontra a muitos quilômetros abaixo de nós. Não sei como, especialmente devido à minha idade, mas eu avanço como um raio para acolhê-la em meus braços, só para descobrir que você ainda flutua, apesar da agonia que está sentido.

— Giovanna! Giovanna! Eu... Eu... Preciso levá-la a um hospital... — digo em desespero.

— N-não, Miguel... Vo-você prometeu...

— Não... posso... fazer... isso...

— Você prometeu...

Eu a abraço apertando com força, como se assim pudesse fundi-la ao meu corpo e fazê-la continuar vivendo por meu intermédio.

— N-não me abandone, meu amor... Por favor, não... — suplico em meio às lágrimas que parecem jorrar de meus olhos.

— Deixe-me... contemplar as estrelas... uma última vez... aconchegada em você... — ela me pede sorrindo.

— Está bem... — concordo, pois sei que a única opção que me resta agora é fazê-la feliz, mesmo que seja por apenas mais alguns minutos.

Eu me deito ao seu lado, por assim dizer, e ficamos ali, voltados para o céu admirando as miríades de estrelas visíveis a olho nu.

— É maravilhoso, não é, Miguel?

— É sim, Giovanna.

— Se eu pudesse escolher... um lugar no qual pudesse ficar... para sempre,... seria aqui... à vista das estrelas.

— Seria mesmo maravilhoso, minha querida...

— Você ficaria comigo?

— Sem hesitar!

— O-obrigada, meu amigo! Obrigada... por tudo! Por sua amizade... Por todas as vezes que... que arriscou sua vida... para salvar a minha... Por me desejar co-como mulher... Por fazer-me... sentir linda... Por me dar dois filhos... maravilhosos... Por ter sido... um bom pai para eles... Por ter sido... um marido leal... para mim... Obrigada por todos os... seus poemas de amor... Obrigada... por este último presente... E por ficar comigo... até o fim...

— Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo outra vez... Não mudaria nada, nem uma vírgula... Porque eu te amo, Giovanna! Eu sempre vou te amar!

— Eu também amo você, Miguel! Beije-me... Deixe-me sentir seus lábios... Que o seu amor... seja minha... última sensação...

Então, você fechou os olhos, à espera de meu beijo, e eu a beijei, como em todas as outras vezes, como se fosse a primeira vez. E me apaixonei por você mais uma vez, mas desta vez foi a última, pois seus olhos não se abriram mais quando terminei de beijá-la.

— Meu amor... Meu amor... — Abraço-a mais forte do que nunca.

Olho ao redor e me dou conta de que não foram apenas os seus olhos que se fecharam, o próprio céu se fechou sobre nós. Como que em um protesto da parte de Deus diante da morte de mais uma dentre suas filhas terrestres, a mais linda e doce de suas criaturas. As nuvens, outrora quietas nos quatro cantos do céu, se uniram, ocultando os astros que há pouco admirávamos. Em poucos segundos, nos vimos envoltos em uma violenta tempestade, entre relâmpagos cegantes e trovões ensurdecedores. A ventania era tão forte que cheguei a pensar que estava no meio de um furacão. Por um instante, ela quase arrancou você de mim, mas eu te agarrei pela mão, e ficamos rodopiando em meio àquela tormenta furiosa, surrados pela chuva que nos encharcava, com os raios rasgando os céus à nossa volta, cujas descargas elétricas eriçavam os pelos de meu corpo, mas milagrosamente não nos atingiam, da mesma forma como a gravidade nos deixava em paz neste momento.

Empreguei todas as minhas forças e puxei você de volta para junto de mim, abraçando-a mais uma vez. E, indo de encontro à fúria da natureza, avancei mais para cima, na esperança de escapar dela. Nossos corpos continuaram sendo lançados de um lado para o outro, mas resisti teimosamente, decido a jamais soltar você. Avançamos quilômetros por entre as nuvens, por muitos minutos, até finalmente escapar daquele tormento e emergir acima delas, encontrando mais uma vez a lua e as estrelas que antes nos faziam companhia, como se nos aguardassem.

Lembrei-me então de quando me disse, anos atrás, durante o enterro de sua mãe, assim que lançaram terra sobre seu caixão depositado em uma cova, que você jamais gostou desta tradição; que, se pudesse, daria outro destino aos corpos de quem você amava, menos encobri-los com terra, deixando-os ali sozinhos, como que abandonados para sempre. Foi então que você me pediu para prometer que lhe daria um destino diferente quando um dia morresse. Pediu que, se possível, a levasse para um alto monte, daqueles que ficam encobertos por neve com o pico acima das nuvens, e que deixasse o seu corpo sobre uma rocha, para que ali se congelasse, e assim não fosse consumido pela terra. Nesse caso, você nunca ficaria sozinha, pois teria todas as noites a companhia das estrelas. E eu jurei que faria isso por você. Mas agora não vejo nenhum monte tão alto por perto, e nem sei que direção seguir. Só sei que posso fazer algo muito melhor, e que posso lhe dar o lugar que mais combina com você.

— Vamos, Giovanna... Vou levá-la para residir entre as estrelas. — Então lhe prometo algo mais. — Mas você não terá somente elas como companhia... E nem somente elas terão você. Pois ficarei contigo, meu amor... Ficarei contigo para sempre.

Decidido, beijei-te mais uma vez, e continuei subindo, apesar do frio que ficou mais intenso por causa das roupas molhadas grudadas ao corpo. Em alguns momentos, devido ao cansaço e ao fato de o oxigênio estar ficando cada vez mais rarefeito, eu adormeci e sonhei. Mas não foram simples sonhos... Eu revivi o passado, como se viajasse até ele. E, se eu tivesse que ficar preso nesse ciclo de tempo, indo e voltando, repetindo nossa história interminavelmente, mesmo assim eu não rejeitaria essa oportunidade, porque só assim eu poderia ter você mais uma vez, e me apaixonar por você, e conquistá-la outra vez, e sintonizarmos de novo na frequência desse nosso amor.

Agora, sinto que já estamos perto de escaparmos da atmosfera da Terra... Em breve, vamos entrar em órbita... Já não posso mais respirar... Gelo se forma sobre nossas peles... Pensar está cada vez... mais difícil... Consciência indo...

Eu...

amo...

você,...

Milady...

Na Frequência do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora