Capítulo 1

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1985.

- Miguel! Miguel! Acorde! Vai perder a hora da escola - sua mãe o chamava insistentemente, porém, o jovem continuava imóvel em sua cama, com um sorriso suspeito nos lábios.

Abraçado ao travesseiro, dava evidências de estar sonhando, e de que deveria ser um sonho muito bom. Mas dona Márcia não se deu por vencida, aproximando-se, começou a balançá-lo, até que, por fim, ele abriu os olhos. Com ar de surpresa, Miguel ficou a olhar para sua mãe, como se estivesse vendo um fantasma. Depois, com os olhos ainda semicerrados, examinou tudo à sua volta, com uma expressão de quem talvez estivesse acordando em outro planeta.

- O que foi, filho? Ainda está sonhando? Estou te chamando desde as nove horas da manhã. Hoje é o primeiro dia de aula, não seria bom chegar atrasado - lembrou-lhe dona Márcia, ao mesmo tempo em que se sentava à beira de sua cama e afagava sua cabeça.

- Desculpe-me, mãe! Eu estava sonhando mesmo... - explicou Miguel enquanto bocejava, espreguiçando-se ao mesmo tempo.

- Nem precisa dizer que era um daqueles sonhos em que você voa. Pela cara que fazia enquanto dormia...

- Como adivinhou? Eu estava mesmo voando... Que sensação maravilhosa, mãe! Parecia tão real... Cheguei tão alto que pensei que poderia tocar as estrelas. E estava muito frio... Só que desta vez eu não estava sozinho, havia alguém, mas não consigo me lembrar do rosto dela agora.

De repente, uma estranha sensação de vazio tomou conta de seu corpo.

- Então, quer dizer que você voava na companhia de uma garota? Que sonho romântico!

Dona Márcia levantou-se e passou a fazer movimentos com os braços, como se fosse um pássaro a voar. Em seguida, pôs-se a rir. Miguel corou de vergonha, mas notou algo familiar nos gestos graciosos que sua mãe fazia enquanto dançava, embora ele não entendesse o porquê.

- Que horas são, mamãe? - perguntou o jovem, nitidamente tentando desviar a atenção para outro assunto.

- Meio-dia. É melhor se apressar - falou dona Márcia, dando-lhe um tapinha nas costas.

Miguel levantou-se em um pulo só, jogando o cobertor de lado.

- Caramba! O portão vai fechar à uma hora! Vou ter que me arrumar correndo! Será que o Gabriel ou o papai me dão uma carona?

💓💓💓

Enquanto penteava o cabelo, ajeitando seu discreto topete, Miguel se olhava no espelho, inconformado com as olheiras profundas de quem havia sofrido de insônia na noite anterior. Parecia ter só sobrancelhas e orelhas, o restante eram somente ossos. Miguel dos Anjos, um adolescente com seus dezesseis anos de idade, era muito magro, e isso o incomodava demais.

Que horror! Que garota vai querer namorar um rapaz como eu?, pensou desconsolado ao lembrar-se da sensação boa que sentiu ao lado da garota de seu sonho. Era como se voasse devido à felicidade de estar com ela.

Será que um dia encontrarei alguém que fará eu me sentir assim? E, o mais importante, será que ela sentirá o mesmo por mim? Miguel não acreditava que uma garota pudesse se interessar por ele, mas não diria o mesmo de seu irmão dois anos mais velho. Diferente dele, Gabriel era um jovem de porte atlético, praticante de esportes e extrovertido; tinha muitos amigos e vivia cercado de garotas querendo namorá-lo.

Por que a vida tem sido tão injusta comigo?, Miguel perguntava-se ao se comparar com o irmão.

No entanto, havia algo que compensava tudo. Apesar de seus pais os amarem igualmente, Miguel recebia uma atenção especial, por ser mais caseiro do que Gabriel. Quando não estava em seu quarto lendo livros e gibis - sua maior paixão -, passava o restante do dia conversando com seus pais e ajudando-os em alguma tarefa. Quanto ao seu irmão, até o fim da puberdade passou a maior parte do tempo na rua, jogando bola e brincando com seus colegas. Por isso, Miguel desenvolveu uma relação mais achegada com o pai e a mãe. Conversava abertamente com eles sobre qualquer assunto, mas tinha dificuldades para se relacionar com outras pessoas por causa de sua timidez.

Na Frequência do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora