Quadro

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Estava sentada na varanda observando a paisagem a minha frente. As flores, as árvores, o céu azul, os pássaros... Qualquer coisa ali poderia ser facilmente uma inspiração para um ótimo desenho. Quando olhei para o lado, Ricardo já esboçava alguma coisa na sua tela apoiada em um cavalete e arregalei os olhos, surpresa. Que depressa! Não fazia nem três minutos que havíamos nos colocado ali.
Com isso, resolvi dá início ao meu "rabisco". Iria desenhar aquele jardim com aquarela e as flores só seriam alguns pontos de tinta de cores variadas. Talvez ficaria legal, pois não sei desenhar muito.
De repente, o ronco de uma moto ecoou por ali e vi Rodrigo chegando, fazendo - me um frio na barriga. Não falava com ele desde o episódio da declaração e possivelmente, estaria me achando uma louca. Mais do que já sou. Com certeza, passaria direto por nós e me evitaria até o fim das minhas férias...
Ele passou na frente da casa e a colocou na garagem, logo vindo até onde estávamos. Eu o olhei de canto de olho e o vi tirar o óculos de sol, depois passando a mão no cabelo.
- Estão pintando o quê? - quis saber, tirando a atenção de Ricardo que virou -se para ele:
- O que quiser! Vamos?
Ele pareceu gostar do convite, sorrindo:
- Claro! Vou pegar minhas coisas e já volto.
Com isso, saiu de nossas presenças. Nem parecia que haviam discutido ontem e o pior: foi sem olhar uma vez se quer para mim. Aquilo estava me maltratando. Sou neurótica!
Não demorou muito para voltar e sentar ao lado do irmão, espiando o que ele estava fazendo:
- Caramba, está maravilhoso, Ricardo!
Meu pai sorriu, lisonjeado e ao mesmo tempo, tímido:
- Para com isso. Comece o seu e veremos quem faz melhor. Não é mesmo, Sam?
Virei-me para eles e sorri, assentindo com a cabeça. Rodrigo me olhava e sorria, mas possivelmente, envolvido com a conversa do meu pai.
Dessa forma, ficamos algum tempo alí e conversamos sobre algumas coisas enquanto eu fingia que sabia pintar. Ainda não tinha visto a pintura deles, mas sei que deveria está lindo. Que bom que aquela programação estava dando certo. Queria que fosse sempre assim...
- Para onde você tinha ido, tio? - quis saber, aproveitando a conversa para não dá bandeira, afinal, queria saber muito por onde andava toda a manhã. Ele me olhou rapidamente e respondeu sem tirar a atenção do painel à sua frente:
- Fui visitar uma garota.
Senti o estômago gelar novamente e o coração acelerar. Aquelas palavras doeram mais quando meu pai, curioso e levemente surpreso, perguntou:
- Está namorando?
- Ainda não. Faz pouco tempo. Talvez dê certo.
- Se der certo, traga aqui para conhecermos.
- Quem sabe... - disse sério, enquanto eu o olhava segurando o choro esperando que ele olhasse para mim. Que cachorro, cretino! Como podia falar essas coisas na minha frente, depois de eu ter dito o que sentia? Por quê?
Desde então, me mantive quieta. Estava louca para sair dali e ir para o meu quarto, mas me contive, para minha tristeza não ficar evidente. Não demorou muito para Ricardo virar seu painel para mim e me mostrar sua linda rosa cor de rosa bem fraquinho e realista que me arrebatou. Que perfeito! Meu pai é um verdadeiro artista.
- Minha nossa, pai! Que perfeição!
Ele sorriu, abaixando a cabeça com vergonha. Com isso, peguei o meu quadro e comecei:
- Com certeza o meu ganhará o de vocês.
Ao olhar, Rodrigo começou a rir e Ricardo não se conteve, rindo também. Minha intenção não era receber elogios, então comecei a rir com eles. Além do jardim, ainda fiz uma casinha no canto da tela, típica de criança, o que com certeza arrancava as gargalhadas deles.
- Ah, mas vocês dois são mesmo metidos, eim?- disse fingindo irritação - Minha obra de arte é impecável.
- Mas eu não disse nada, filha! - Ricardo se defendeu erguendo os ombros e apertei os olhos, fazendo bico.
- Sei...
Rodrigo sorria olhando para meu desenho, mas não falava nada. Sua pintura ainda não havia sido revelada e nem tinha interesse de vê. Estava enciumada com a história anterior.
Então, meu pai se levantou da cadeira e nos avisou:
- Bom, tenho que tratar de negócios agora. Foi um prazer está com vocês mas o dever me chama.
Como não queria ficar sozinha com Rodrigo, segurei no braço do meu pai e resolvi entrar junto com ele, deixando Rodrigo para trás.
Realmente, fiquei chateada com sua desculpinha fora de hora e não queria trocar nenhuma palavra com ele. Estava realmente me sentindo traída.
Meu pai então foi para seu escritório e fui caminhando devagar pela escada e pelo corredor que dava acesso aos quartos. Olhei um pouco para os quadros na parede e só então percebi que a autoria deles era de meu pai e Rodrigo. Alguns, de cores mais vibrantes e realistas eram de meu pai, com uma assinatura do seu primeiro nome e a abreviação do segundo, escrito bem pequeno. Os quadros de Rodrigo eram de traços mais marcantes, realistas também , mas com uma diferença, pois a maioria possuía um diferencial abstrato, o que deixava muito interessante. Sua assinatura era um Rodrigo que no lugar do primeiro O, tinha um U maiúsculo no meio de todas as outras letras minúsculas.
- Bonito, não?
Assustei-me com aquela voz que veio de surpresa, apesar de saber que era Vinícius. Preferi fingir que estava tudo bem:
- Demais! Sempre achei um dom desenhar dessa forma.
- Também, mas prefiro jogar.
Eu sorri para ele, enquanto estava sério, observando os quadros ao meu lado.
De repente, senti um frio na barriga quando aqueles olhos azuis caíram sobre mim. Lembrei-me do beijo que dei nele no jardim e senti o coração acelerar, logo balançando a cabeça, afastando aquele pensamento:
- Tudo bem, Sam? - quis saber, pousando a mão no meu ombro e aturdida com aquela sensação, o encarei meio confusa.
- Tudo, tudo ótimo, meu bem!
- Que bom! Que tal irmos para meu quarto? Preciso conversar um pouco.
Franzi o cenho e curiosa, segurei-lhe a mão para ir com ele. O que será que tinha? Não parecia preocupado com algo...
Quando entramos no quarto, caminhei até o meio do recinto, esperando me contar o que tinha. Vinícius fechou a porta atrás de si e quando tornou-se para mim, perguntei:
- Está tudo bem, Vini?
- Não, não está!
Ouvir aquilo me deixou extremamente preocupada. Eu tenho um carinho muito especial por aquele albino chato. Caminhei até ele e parei bem na sua frente:
- O que está acontecendo?
- Estou gostando de uma pessoa.
Naquele momento, meu cérebro entrou em pane. Como um cara que nunca sai de casa poderia está gostando de alguém? Ergui os ombros e o fitei com a maior cara de dúvida:
- Gostando, mas de quem?
Ele deu um passo a frente e ficando mais perto, explodiu:
- De você!
Com isso, de surpresa, pulou sobre mim, agarrando meu rosto e me beijando com ânimo. Atônita e sem saber o que fazer, me deixei ser abraçada com muita força. Nunca passou pela minha cabeça que aquele menino havia se apaixonado por mim. Também, nunca imaginei que suas mãos seriam tão ansiosas para percorrer o meu corpo. Sentia tremer enquanto descia suas mãos por minhas costas e por incrível que pareça, eu não queria resistir àquele contato. Meu lado safado queria ir até o fim para saber até onde ia dá. Mas então Rodrigo me veio à mente, me fazendo lembrar que eu pertencia ao meu tio, por mais estranho que aquilo poderia ser. As mãos que antes julgava tímidas já alcançavam minha bunda quando me distanciei do seu beijo, empurrando levemente seu peito:
- Que safadinho, Vini! Mas infelizmente não posso.
Ele pareceu não entender, mas pediu:
- Desculpe, Samanta! Não queria desrespeitá-la.
Arregalei os olhos:
- Desrespeitar? Não, que isso! Eu que não estou preparada para essa notícia. Fui pega de surpresa!
Ele abaixou a cabeça, parecendo envergonhado e percebendo, ergui-lhe o rosto pelo queixo, fazendo-o me olhar:
- Não pense que não gostei. Confesso que te achei muito gato quando te vi. Mas infelizmente, meu coração pertence a outro.
- Que chato!- ralhou, me fazendo rir com sua carinha de desapontamento. O abraçando, cochichei em seu ouvido como um segredo entre nós:
- Mas qualquer dia a gente pode ficar um pouquinho.
Ele riu, me observando e com a intensão de fugir dali para raciocinar melhor, lhe dei um selinho meigo antes de sair do quarto, confirmando o meu desejo de um dia, quem sabe, desvendar aquilo que me era oculto, além de não deixá-lo totalmente desapontado.
Quando entrei no meu quarto, meu risinho malicioso com pensamentos sobre a cor que seria o pênis de meu "irmãozinho" se findou, emocionada com um quadro pendurado bem de frente para minha porta e nele, desenhado à grafite, via-se a minha figura, sorrindo fraco para meu possível pintor, que com certeza, aquela pose fora tirada diretamente da sua mente.
Suspirei fundo, aproximando-me da imagem e reconhecendo a assinatura, mordi os lábios. De fato, eu pertencia àquele homem. Eu o amo.

IRMÃO DO MEU PAIOnde histórias criam vida. Descubra agora