O início de uma amizade

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O café da manhã foi meio frustrante. Tio Rodrigo não estava ali para contar suas piadinhas, fazendo Vitória sorrir. Segundo Ricardo, tinha saído muito cedo para comprar mantimentos para casa. E eu pensando que acordava cedo... Pobre alma inocente... É, nem tão inocente!

Após a refeição, corri para o meu quarto, a fim de privacidade e conversar com minha mãe. A voz dela, sempre muito calma, parecia entristecida:

- Está tudo bem, mãe?

- Sim. Só com muita saudade de você.

Ao ouvir aquilo, me derreti toda. Somos muito apegadas uma a outra. Verdadeiras amigas.

- Mãe, procure algo para fazer. Vá a uma balada hoje à noite.

Ouvi a respiração pesada do outro lado da linha:

-É, quem sabe... Vou chamar a Ruth.

Me alegrei ao ouvir aquilo. - Isso! Faça isso!

- Mas me conte. Como foram esses primeiros momentos aí?

Na minha cabeça só veio uma coisa:

- Mãe, você lembra do tio Rodrigo?

- Sim, claro! O irmão caçula do seu pai. Por que da pergunta?

- Ele mora aqui.

- Sério? - retrucou, querendo saber - Você sabe qual o motivo?

Adorava aquele jeito da minha mãe. Era extremamente curiosa, mas não dava pinta de fofoqueira.

- Ele ficou com a mulher do patrão e veio fugido, com medo de morrer. - Ela deu um risinho e aquilo me instigou. - O que foi?

- Esse Rodrigo sempre foi assim. Desde criança já se mostrava perturbado. Quando fez 16 anos, foi embora com uma mulher mais velha, deixando toda a família desesperada. Foi só contar o que havia acontecido quase dois meses depois, quando já haviam pensado que ele tinha morrido. - Aquela história só me comprovava o quanto era louco. Assim me apaixono mais. - Eu acho até bom você não se envolver muito com ele. Ele não é uma boa influência e você já é espevitada demais.

Eu ri. Se ela soubesse o que tenho em mente...

- Espevitada? O que significa isso?

- Está certo, sua cínica. Vou ter que desligar. Te ligo mais tarde, está bem? Qualquer coisa, me liga.

Nos despedimos e fiquei contente por não ter interesse em saber como estava meu pai. Não queria contar-lhe que havia casado. Talvez isso a deixaria mais triste. Então decidi descer para acompanhar o fluxo daquela casa. Valia lembrar que eu ainda não tinha visto a esposinha do meu pai. Será o que ela poderia está fazendo? Passei pela sala e encontrei Vitória sentada sobre o tapete brincando com algumas bonecas. Fui até ela e acariciei seus cabelos, recebendo um sorriso. Com isso, resolvi procurar por meu pai. Fui encontrá-lo em uma outra sala que parecia um escritório. Na verdade, era um escritório. Abri a porta devagar e o avistei atrás de um monitor grande, provavelmente em uma web conferência. Não percebeu minha presença e então, não quis incomodá-lo, observando discretamente aquele recinto organizado com estantes cheias de livros. Será que tinha lido tudo aquilo?

Voltando e passando pela porta da frente, notei o moletom do Vinícius que tinha deixado em um cabide. Resolvi apanhá-lo e voltei onde Vitória:

- Vi, onde fica o quarto do Vinícius? Quero devolver isso aqui pra ele.

Ela se levantou, vindo até mim:

- Quer que eu entregue?

Claro que não, guria! 

- Eu queria entregar pessoalmente para agradecer o empréstimo.

Com isso, saiu caminhando na frente e a segui. Subimos a escada, passamos pelo corredor e no fim dele, Vitória apontou para uma porta. Me abaixei e beijei-lhe o rosto, agradecida. Ela pareceu contente e saiu depressa, possivelmente ansiosa para reencontrar suas bonecas. Parei bem de frente ao local e respirei fundo, batendo na porta três vezes. Não houve resposta. Repeti a ação. Nada. Então resolvi girar a maçaneta e para minha surpresa, a porta estava aberta. A abri e enfiei minha cara em um breu absoluto. Como conseguia viver naquele escuro todo? Será que era um vampiro? 

Tentei enxergá-lo, mas não vi coisa alguma. Lhe chamei uma vez e recebi silêncio. Já que era assim, entrei naquele quarto, parando bem no meio dele, perto da cama. Uma porta mais na frente estava levemente cerrada, emanando um raio de luz. Decidi me aproximar devagar, em um suspense que estava me afligindo. Cheguei bem perto e quando ia empurrando a porta para saber o que acontecia lá dentro, ela foi escancarada com muita rapidez, me fazendo dá de cara com Vinícius que quando me viu, soltou um grito aterrorizado, fazendo eu me assustar também e gritar junto. Ele se desequilibrou e quase caiu de costas, mas segurou-se na pia. 

- Caralho, está querendo me matar? - esbravejou e com razão, sem dá nem tempo de se recompor, saindo do banheiro e passando por mim rapidamente.

- Desculpa, me desculpa. Não foi minha intenção. - fiz de coitadinha. Vai que dava certo.

- Por que você está aqui? - quis saber parando do outro lado da cama, colocando uma camisa apressadamente.

- Vim devolver o moletom e agradecer a gentileza. Valeu mesmo! 

Ao notar isso, ele caminhou até mim e parando na minha frente, pegou a roupa da minha mão, respirando fundo e inquieto, sem me olhar: 

- Tudo bem. Vai desculpando meu mau jeito. Não sou muito bom com interações sociais. 

Sorri, dando uma olhada nele. Ainda pouco estava sem camisa e não, não vi os pulmões e nem o coração dele, mas talvez por está escuro demais... Haha! Até que tinha um corpo bem bonito, magro e definido. Agora vestia uma camisa regata branca e uma calça folgada de pijama. Era uma gracinha!

- Relaxa! Cada um com suas dificuldades. Também não me dava muito bem com as pessoas ao meu redor.

Ele virou para mim, atônito: - Mesmo?

Eu ri: - Não, mas eu te entendo.

Para minha alegria, ele acabou gargalhando um pouco. Propus: - Mas se você quiser, posso te ajudar com isso. Serei muito útil, pode acreditar. Pelo menos te arrancar alguns risos conseguirei. 

Ele pareceu pensativo e voltando a me fitar, jogou: - E se eu não quiser?

Aquela resposta foi pior que um tapa, mas não me deixei abater. Um auto desafio era um desafio cumprido. 

- Assim você destrói meu coração.

Ele tentou se segurar para não rir do meu drama, mas não conseguiu. Acabou gargalhando novamente e eu, já me sentindo vitoriosa, ergui a mão para ele para um aperto de mãos. Ele observou aquele ato, mas sem relutar, segurou minha mão. A pele era tão macia... A apertei, assinando o contrato.

- Podemos ser amigos.

- Amigos? - repetiu, rindo fraco - Certo, você pode tentar.

Fiz cara de desdém, dando um tapa no ombro dele, enquanto ele tentava fugir seus olhos de mim. É... talvez ali surgiria uma grande amizade...

IRMÃO DO MEU PAIOnde histórias criam vida. Descubra agora