Pagina avulsa I: Reação em cadeia.

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02 de agosto

"Sabe quando em determinado momento tivemos que aprender o que é reação em cadeia? química - que estuda a matéria e suas transformações. Eu tive que transmutar e ser corpo que só vive a partir de um ponto de impulso cheio de energia. Descargas elétricas passeiam por meu corpo imitando sinapses tão confusas quanto sãs, se comunicando através do meu desespero. Lágrimas amargas banham o meu rosto, lavando minhas feridas, me deixando em carne viva, expondo todas as minhas fraquezas. Então, dia seguinte, sou cicatrizes.

Mas e se eu balançasse de leve a cabeça e dançasse no ritmo das fúrias e frustrações que marcam minha pele? Estaria me desfazendo dos pedaços de uma pessoa que um dia eu já fui e dançaria para sempre de mãos dadas com a solidão, porque mesmo se eu quisesse eu não conseguiria dançar com mais ninguém, a verdade é que ela não quer, a solidão me tem e não me quer livre, a verdade é que dançar me enlouquece de uma maneira tão libertadora que eu não consigo ou quero me controlar. Dor em quem sentiu porque eu não me importo! porque eu sei que sempre serei cicatrizes.

E então é como se existissem variações de mim dentro da minha própria mente, como as estações do ano, diferentes: no outono eu só preciso cair e desfalecer nos braços de ninguém e sentir a minha dor. Cair em um buraco de coelho infinito sem o país das maravilhas para me abraçar no fim. Cair definitivamente e desabar no infinito das minhas possibilidades; na primavera as cores tomam conta dos meus olhos e fazem com que eu queira florescer e expulsar a sensação de querer pular do alto de uma das torres daquela estação de rádio abandonada no fim da rua dele - que tem a paisagem perfeita para desistir; no verão eu sou a própria luz que ilumina o mundo. Tudo e nada em particular explodem e as barreiras da previsibilidade estão ao chão, sob os meus pés, só porque eu posso ir ao regente do meu signo e me tornar seu deus; no inverno a temperatura etá caindo, lenta, em agonia, adiando a entrega aos vermes sedentos por sua recompensa de carne em decomposição ao entrar em contato com a gravidade da Terra.

Eu chuto, bato e arranhando meu corpo em desespero, chorando ao liberar finalmente a dor de ter nascido e vivido em um mundo de não lembranças das madrugadas de insônia no parapeito de todas as janelas abertas, tão românticas quanto a luz da lua iluminando o caminho para o irremediável fim. A gravidade continua me puxando para baixo e eu sorrio para a possibilidade de finalmente acabar com a reação desencadeada no dia em que ele tocou minha pele e matou a minha alma com uma adaga de prata cheia de ferrugem e de todo o mal que integra esse mundo. Eu flerto uma última vez com a sensação de não conseguir, com a sensação de ser quase.

Eu posso voar."

@ofalcaodacolina

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