Capítulo 9 - Garoto morto

323 79 40
                                    

                [Narrado por Luan]

"Porque ninguém vem e me salva disso? Faça isso acabar!" — Monster - Skillet

     Kell estava linda em seu vestido rendado. Simplesmente linda. Seu cabelo loiro estava solto sobre seus ombros nus. Seu vestido era vermelho. Vermelho vinho. Ela também usava uma gargantilha que dava um toque perfeito ao seu traje.
Eu a vi quando ainda estava chegando e me certifiquei de que meu hálito estava agradável.

"Falei que estava ao ponto de fazer bobagem e você simplesmente disse que estava chegando na casa da Kell e precisava desligar."

     As palavras de Heitor ainda perduravam em minha mente quando eu via a garota que eu gostava, mas resolvi ignorar isso. Pelo menos por aquela noite.

    Parei ao lado dela e sorri.
Ela retribuiu o sorriso e estendeu a mão para que eu segurasse. Segurei a mão dela e caminhamos de mãos dadas em silêncio. As estrelas no céu testemunhavam um momento mágico na minha vida. Finalmente havia tido coragem suficiente para convidar a garota que eu gostava para sair e eu estava muito feliz por ela ter aceitado tão facilmente. Meu coração palpitava de alegria e ansiedade. Essa seria uma das melhores noites da minha vida.

     Kell era a garota mais linda da escola. Eu a amava desde o ensino fundamental quando a tinha conhecido. Sempre andava em grupo. Era popular. Todos os meninos a queriam e todas as meninas queriam estar perto dela. Ela poderia ter quem quisesse, pois todos estavam dispostos a mover o mundo por ela. Todos exceto Heitor que só tinha olhos para Enya mesmo ela não sendo tão bonita quanto Kell. Fora isso, todos os meninos se dobravam diante dela se assim ela quisesse, e não estou exagerando. Ela realmente tinha esse poder sobre as pessoas. Por isso fiquei tão feliz quando ela aceitou sair comigo. Dentre tantas opções ela escolheu a mim. Eu me sentia nas nuvens naquele momento.

— O céu está lindo, não está? — ela perguntou, me tirando de meus pensamentos.

Assenti, mas senti que precisava falar algo em relação ao comentário dela. Busquei confiança dentro de mim e sorri para ela.

— Sim. O céu está lindo, mas não tanto quanto seus olhos.

     Ela riu. Já devia estar muito acostumada a ouvir coisas assim.

— Você é tão fofo! — disse.

    Caminhamos o resto do caminho até chegarmos no local da festa em silêncio. Era aniversário de um amigo meu. Ele havia me convidado só por convidar mesmo. Não éramos mais tão próximos como antes. Desde que Heitor morrera todos se afastaram de mim. Com certeza muitos me consideravam culpado. Eu não podia falar nada a respeito disso, pois também me considerava culpado. Até porque eu era mesmo, então por que negar?

— Estou bonita? — ouvi Kell perguntar.

Olhei para ela encantado. Ela ainda tinha dúvidas do quão linda estava?

— Você é perfeita, Kell. — respondi.

Ela sorriu satisfeita e então entramos.

    A festa estava agitada. Muitos rapazes, inclusive o que havia me convidado, já estavam bêbados e faziam coisas ridículas, como dançar em cima de mesas e cadeiras. Ou se pegavam com algumas meninas seminuas. Eu não me importava nem um pouco com isso, pois a única coisa que me interessava era estar do lado de Kell. Bobagem, para alguns. Mas eu gostava muito dela. Muito mesmo. Não me importava com todo o resto.

     Após algum tempo começamos a beber e a dançar também.
Fazia muito tempo que não me sentia tão leve como aquela noite.
Tentei me divertir ao máximo com a garota que eu gostava até que senti que precisava tentar beijá-la. Por que não?

— Kell? — eu disse, alto o suficiente para que ela ouvisse mesmo com a música alta.

— Sim? — ela respondeu, no mesmo tom.

— Vamos pra um lugar mais reservado. — falei perto do ouvido dela para não gritar tão alto.

— Se quiser me beijar, me beija aqui! — ela riu alto.

Algumas pessoas que estavam próximas de nós riram também.
Ela já estava entusiasmada pelo álcool. Não existia mais timidez. Talvez nunca tenha existido, eu é que a idealizei assim.

— Aqui não, Kell. Vem. — eu disse, segurando a mão dela.

Ela me seguiu aos tropeços sem dizer nada. Levei-a para o jardim da casa. Dali mesmo pretendia levá-la para casa. Não gostava de ver todos babando por ela enquanto ela dançava.

— Kell, eu gosto de você. — eu disse para ela. Ela me olhou séria e depois riu. Não sabia porque ela achava isso engraçado, porém ela continuou rindo por um bom tempo. Até que parou repentinamente e me beijou.
Retribui da melhor forma possível, mas eu não tinha tanta prática nisso quanto ela.

"Se você tivesse tido tempo para mim, tempo pra me ouvir... Não precisava me entender, só ouvir e ficar do meu lado e eu teria desistido por mais uma noite."

    Tentei me concentrar no beijo, afinal era a primeira vez que eu estava beijando a garota que sempre amei. Mas tudo que vinha a minha mente era que a minha obsessão por ela havia levado meu melhor amigo ao suicídio. Eu não conseguia tirar as palavras dele de minha mente. Por que eu havia decorado mesmo, hein?

— Vou te levar para casa, Kell. — disse, me afastando da garota que agora me causava tantas lembranças ruins.

— O que foi? Não me quer mais? — ela disse, parecendo magoada.

"Só uma demonstração de amizade e talvez eu ainda estivesse deitado na minha cama."

— Sinto muito. — sussurrei. Lágrimas já ardiam em meus olhos.

— Eu tô beijando errado, é isso?

— Sinto muito... — sussurrei de novo.

    Kell me olhou sem entender. Não estava tão bêbada quanto parecia, no entanto não entendeu que eu não estava me desculpando com ela, e sim com a voz em minha cabeça.
A voz de Heitor.

    Eu me perguntava o porquê eu tinha que passar por tudo aquilo, mas no fundo eu já sabia a resposta. Estava dando tudo errado na minha vida e a maior parcela de culpa era minha, sem dúvida alguma.

    Levei Kell para casa e me despedi dela com um aceno, dando por encerrada aquela noite. A noite que eu tanto havia esperado tinha sido estragada por uma única voz. A voz de um garoto morto. Um garoto que eu mesmo matei com minha maldita ignorância.

Por favor, não se aproximeOnde histórias criam vida. Descubra agora