Capítulo 26 - Na casa de Heitor

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               [Narrado por Luan]

"Suas palavras na minha cabeça são como facas no meu coração..." — Human // Christina Perri

     O dia estava frio e nublado. Uma raridade se levarmos em consideração as condições climáticas da nossa cidade. Era um ótimo dia para passear, porém não foi isso que fui fazer naquele dia.

     Parei a moto em frente à casa da família de Heitor e Kell desceu sem dificuldade. Estava vestida com um short jeans preto e uma camiseta azul marinho. Seus cabelos estavam soltos e assanhados por causa do capacete. Ela o tirou e me entregou.

— Acha que eles vão nos receber? — indagou.

     Desci da moto também e segurei a mão de Kell. Ela me olhou apreensiva, mas depois sorriu. Eu me perguntava todos os dias como eu podia namorar com uma menina que amava meu melhor amigo, mas eu não conseguia encontrar resposta para isso. De qualquer forma, Heitor estava morto. Não havia razão para não namorar com Kell, afinal, eu a amava desde muito tempo. E, mesmo sabendo que ela não me amava o bastante, eu escolhi ficar com ela.

— Eles vão nos receber, Kell — respondi a pergunta que ela havia feito, e subimos juntos os degraus até a entrada da casa.

     Bati na porta três vezes até que a madrasta de Heitor abriu-a com uma expressão surpresa ao nos ver.

— Olá, senhora Yelis. Como vai? — disse eu. — Nós gostaríamos de falar com o seu marido. Ele está?

— Está sim — ela disse, abrindo espaço para que entrassemos na casa. — Entrem.

— Quem é, Laura? — Uma voz masculina disse, no topo da escada que dava até o quarto. Ergui meus olhos até lá e contemplei o pai do meu melhor amigo nos olhando com cara de poucos amigos.

— Bom dia, senhor — disse Kell, receosa.

— O que fazem aqui? — perguntou, abaixando-se para pegar algo. Recuei um passo para trás ao notar que se tratava de um bebê e Kell sorriu emocionada.

— Ele é a cara de Heitor — disse, quando o homem desceu as escadas com a criança no colo. Era um menino. Realmente parecia-se muito com Heitor.

— Posso segurar? — pediu.

     Devo confessar que me vi um pouco enciumado nesse momento.
O homem olhou para a esposa que assentiu com um sorriso.

— Pode — respondeu. — Mas tome cuidado — completou, entregando o menino a Kell.

     A criança sorriu para nós dois e, por um momento, imaginei um futuro onde eu e Kell teríamos um bebê como aquele.

— O que querem aqui? — O homem continuava tão chato como eu me lembrava. Ele nem sempre tinha sido assim, mas quando se perde a esposa e o filho para o suicídio, fica difícil ser gentil.

— Eu sou o Luan — eu disse, estendendo a mão para ele.

— Eu sei. Lembro de você — respondeu, sem apertar a minha mão.

— Viemos falar sobre Heitor — respondi sem mais rodeios.

— O que tem ele? — perguntou, de repente adquirindo uma expressão triste. — Meu filho está morto...

— Queremos fazer uma lápide no túmulo dele e promover uma pequena homenagem — Kell respondeu por mim.

— O que temos a ver com isso? — perguntou o homem, tomando o menino dos braços de Kell.

— Precisamos da sua permissão para fazer a lápide — eu disse.

— Tudo bem — respondeu a mulher, que até então estava em silêncio apenas nos olhando. — Tem nossa permissão.

— Mas Laura...

— Tem nossa permissão — ela repetiu firme, olhando para o marido dessa vez.

— Certo. Podem fazer. — Estava claro que ele havia perdido aquela discussão.

— Do que precisam mais? — perguntou Laura e sorriu.

— Seria bom se participassem da nossa pequena homenagem — disse Kell, retribuindo o sorriso da mulher. — Heitor iria gostar se fossem.

— Heitor está morto! Morreu como um fraco, igual a mãe dele. — O pai de Heitor respondeu alto, fazendo o bebê chorar. — Vão embora daqui. Já têm nossa permissão para fazer a maldita lápide. Só nos deixem em paz agora.

     Ele estava muito irritado, mas o que mais me surpreendeu foram as lágrimas que o vi derramar antes de entregar o menino à mulher e sair da sala.

— Desculpe. Ainda é difícil para ele. Ele perdeu o filho para o suicídio poucos anos depois de perder a primeira esposa para a mesma coisa...

— Tudo bem. Nós entendemos. — disse Kell. — Qual o nome do bebê?

     A mulher sorriu.

— Isaac.

— Ah. Ele se parece tanto com o irmão... — respondeu Kell, pensativa. Pode parecer idiota, mas eu não queria que ela pensasse em Heitor.

— Vamos embora, amor — eu disse para ela. — Obrigada, senhora Yelis. — completei, me dirigindo a mulher dessa vez.

— Por nada. Quando pretendem fazer a homenagem para meu enteado?

— No final do mês, senhora — respondi quando estava saindo. — Eu aviso o dia e hora certa.

— Certo. — Ela sorriu.

     Saí com Kell e antes de subirmos na moto eu a abracei apertado.

— Eu te amo — falei.

     Ela não disse nada. Apenas retribuiu o meu abraço com uma expressão ausente.

Por favor, não se aproximeOnde histórias criam vida. Descubra agora