Capítulo 2 - Quebrado

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Mil versões de mim.

Mil versões do meu rosto.

Mil versões de cada sentimento enclausurado.

Mil versões do meu mau humor.

Mil versões da minha vontade de ir.

Fecho o caderno quando Marina entra em meu quarto, sem bater, sigo seus passos, ela está chegando a minha direção. Eu a observo parar ao meu lado e após alguns segundos, Marina olha para trás, para porta. Não tenho dúvida de que ela está tramando algo. Então ela se ajoelha ao lado da minha cama e diz com a voz três tons mais baixa:

- Preciso sair daqui, mas mamãe não pode saber que eu estou com Timothy, porque, como você sabe, ela me proibiu.

Olho em direção a porta, em seguida eu olho para Marina, seus olhos me imploram por ajuda, então sem saber o que fazer eu pergunto:

- E como eu posso ajudar em algo?

Marina sorri.

- Só diga que eu fui para casa da Sidney, se ela ligar para lá a mãe da Sidney vai me dar cobertura. A mesma história contada por três pessoas diferentes vai enganar a mamãe.

Claro que estou com o pé atrás.

- Mas a mamãe vai descobrir, ela sempre descobre.

Marina revira os olhos.

- Ela é uma juíza e não Deus - Marina rebate.

Farejar mentiras parece ser a especialidade de mamãe, além de ser uma mulher muito dura que leva a sério o livro de Direito até mesmo em casa. A verdade é que na noite do acidente na cachoeira, mamãe não aliviou nem mesmo a mim do castigo, eu que sou filho dela. Parece que a minha história contada de que eu não tive nada a ver com o que aconteceu com Henrique, nem mesmo meus amigos admitindo isso com todas as letras, fez com que eu saísse ileso da confusão. Tive que cumprir sete meses com trabalho comunitário, ajudando a varrer e tirar o lixo da cidade três vezes por semana, sempre depois das aulas. Não que fosse diferente durante o horário na escola, porque, minha mãe sendo minha mãe, fez com que meus amigos e eu também ficássemos responsáveis pela limpeza do colégio durante os horários de folga.

- Tudo bem - respondo mesmo sabendo que isso vai acabar em um castigo duplo, ou seja, para Marina e para mim. Se não sobrar para a mãe da Sidney também.

Marina dá um pequeno sorriso de canto que faz com que as covinhas em seu rosto fiquem evidentes.

- Vou me arrumar, ele está lá embaixo esperando.

Franzo a testa.

- Espera, Timothy está lá embaixo no saguão do prédio, ou lá embaixo tipo a nossa sala?

Marina pisca o olho direito com um sorriso travesso.

- Na nossa sala.

Ela responde e sai do quarto sem nem olhar para trás, acho que ela não se deu conta do que acabou de dizer.

Levanto-me daquela cama e vou para o banheiro que fica no fim do corredor. Tenho que tomar um banho que tire de mim toda a tensão do dia. Sabe, às vezes é chato ter que bancar o garoto mal o dia inteiro, mas acho que estou adaptado a esse garoto ao ponto de nem mesmo saber se estou bancando ou se eu me tornei o garoto mal. Tenho medo da resposta, independente de qual ela seja.

Minha cabeça está explodindo, a dor faz com que eu aperte os olhos quando acendo as luzes do banheiro, tenho que tomar alguns analgésicos, por isso eu chego ao espelho do banheiro e o abro tirando lá de dentro um pote com os remédios. Puxo dois comprimidos e os coloco sobre a língua, depois ligo a água na torneira e abaixo a cabeça para beber.

Disforia - InícioOnde histórias criam vida. Descubra agora