O vilarejo de Santa Ângela é uma vila de pescadores que fica alguns quilômetros longe da cidade. Os historiadores da nossa cidade deduziram que o vilarejo antes era chamado de Vilarejo dos Santos, mas devido a um acontecimento que marcou as pessoas, o vilarejo acabou ganhando esse nome atual. Reza a lenda que Ângela era uma moça bela e inocente de família humilde que acabou se apaixonando pelo filho de um dos pescadores.Não acabou bem. Na verdade nunca acaba.
Sua família era meio que rival da família do jovem pescador por quem ela se apaixonara, como um Romeu e Julieta do século XX. Numa noite fria de inverno, os pescadores resolveram voltar mais cedo por causa do mar agitado, foi quando um deles encontrou o jovem rapaz morto dentro de um dos barcos.
O vilarejo inteiro ficou comovido com o fato, pois o jovem era querido, todo mundo gostava dele. Quando o fato tomou grandes proporções, o vilarejo inteiro reuniu-se para tentar pegar o responsável por deixar uma faca cravada no peito do jovem. O que eles não sabiam era que na mesma noite em que ela morrera, horas antes, o garoto havia se encontrado com Ângela e eles juraram amor eterno sob a luz do luar. Naquela noite eles se despiram de qualquer timidez e roupa, e dentro do barco, fizeram amor.
A família de Ângela quase não era vista pela vista, eles evitavam qualquer coisa relacionada ao assassinato do jovem que outrora fora apaixonado por Ângela. Exatamente um mês depois do ocorrido, alguns pescadores avistaram a moça andando pela orla da praia usando um vestido branco de casamento que se arrastava pela areia, quando questionada do porquê de ela estar andando por ali àquela hora da noite, Ângela respondeu que finalmente se juntaria ao seu amor.
“Estou indo ficar com ele” ela disse serenamente. “Onde ninguém mais poderá nos separar, onde nenhuma lâmina definirá meu destino. Estou indo ficar com ele... Estou indo ficar com André”.Os pescadores descobriram então que a família de Ângela fora a responsável pela morte dele.
Naquela noite fria de mar agitado, ela pulou no mar. Pela manhã, o vilarejo inteiro contemplou seu corpo sobre a areia enquanto o mar se dissolvia em espuma ao encontro de seu vestido. Os pais de Ângela assumiram naquele momento de tristeza, que eles a mataram, pois matando André, eles a perderam também.
É daí que o meu nome vem. Um jovem pescador, cuja história ronda por toda a nossa cidade, fora o responsável pelo meu nome. Se André soubesse, onde quer que ele esteja, ou se ele está em algum lugar, o quanto eu o invejo.
Sempre ouvi essa história durante minha vida inteira, e sempre sonhei em talvez algum dia viver uma história parecida.A garota rica apaixonada por um mero jovem pescador, fora a responsável pelo fim de maldade de sua família. A inocente e apaixonada garota rica se tornou sinônimo de amor, coragem e dor, e apesar de seu suicídio, ela se tornou uma santa. Não por ter sido considerada uma divindade, mas sim porque somente um ser cheio de luz poderia pôr fim em um efeito dominó de maldade causado por sua família.
***
Gus e eu ficamos rondando de carro pela cidade por algumas horas até que o cansaço batesse e a cerveja acabasse, mas o meu cigarro ainda queimava quando ele estacionou o carro em frente a portaria do prédio em que moro. Depois de nos despedirmos – levemente alterados pelo álcool – entro no elevador e aperto o 11.Usando a minha cópia da chave, eu abro a porta do apartamento e me sinto aliviado ao notar que não há gritos pelo duplex, nem mesmo a voz exaltada de uma mãe autoritária. Confiro o horário em meu celular e concluo que o jantar deve ter acabado há poucos minutos atrás, em minha mente eu tento decidir se é ou não é canalhice da minha parte por ficar aliviado.
Caminhando na ponta dos pés, eu vou até a cozinha e faço um prato com o que sobrou do jantar e em seguida o esquento no microondas, sento em uma banqueta e janto com meu prato sobre a bancada de mármore. Na verdade eu nem sei por que é que eu estou comendo, já que eu não sinto fome nenhuma e a comida não parece me satisfazer como deveria. Desisto de comer quando eu fito a metade da comida em meu prato.
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Disforia - Início
Teen Fiction"Ele está lá. Parado, rígido, seguro, confuso, obscuro. A metade de um tudo. A expansão do universo. A estrela colapsada em outra estrela. Balanço a cabeça sentindo raiva. Trinco o maxilar tão forte que chega a doer, avanço para cima dele com toda...