Capítulo 13 - Barco

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E se você for um fantasma
Eu vou chamar seu nome novamente

Too Late - M83


Sob as camadas do meu subconsciente, sou capaz de enxergar as brechas entre uma memória ou outra, o tempo sendo contado desde o estopim de um tiro até o momento em que a respiração fora cortada após algumas palavras aleatórias que até hoje não fazem sentido.

Reviver todo o trauma não faz com que eu siga em frente, pelo contrário, sempre há um detalhe que não fora levado em consideração antes. Um mero detalhe que talvez pudesse atrasar a bala ou seu dono que a expulsara para fora do cano após um estalido de seu revólver. O que teria acontecido um segundo a mais? Será que o atraso de um minuto poderia impedir uma bala que não tem o controle de sua ação, que fecha os olhos em negação enquanto é arremessada para frente, que não deseja atravessar a cavidade torácica de um inocente? Quais os segundos mais decisivos podem decidir quem vive ou quem morre?

Meu subconsciente vagueia por uma viela sinuosa e obscura, um campo de memórias que se sobrepõem umas as outras. Os soluços do vento não me distraem perante a cena que me causa um enorme gelo na garganta.

Lorenzo está lá, seu corpo ainda treme sob a luz débil de um poste, minhas mãos buscam agarrar o resto de vida que ainda sobrara. Sua cabeça se apoia sobre minha coxa esquerda, seria um sorriso escondido ali por baixo do sangue que insiste em querer escorrer de sua boca?

Sob as camadas do meu subconsciente, David jaz inerte sobre o asfalto negro, seu corpo minúsculo já não contém a vida de outrora.

Sob as camadas do meu subconsciente, Henrique está sendo levado dentro de um saco amarelo da margem do rio.

As memórias nuas insistem com sua perseguição, elas não me deixam dormir, cada vez que eu fecho os olhos as memórias chegam e me destroem.

Quando o último sonho ainda investe contra mim, tenho vontade de gritar.

É Jonas bem ali, ele está me olhando como se pudesse perscrutar todo o meu subconsciente, abaixo, em sua cintura, o cintilar prata da arma destrói as minhas defesas internas. Nunca me sentira tão exposto como naquele momento.

Desisto de tentar dormir após esse último pesadelo.

***


Minha cabeça tomba para o lado, se antes eu não estava conseguindo dormir, agora parece que todo o sono perdido está chegando a todo vapor.

- André – a voz de Marina insiste em tentar me acordar. – André?

Solto um grunhido quase inaudível.

- Cala a boca... Eu estou tentando dormir.

Marina me cutuca no meio de uma costela dolorida por causa do treino.

- Ai! Mas que porra Marina!

Florence me olha de cima a baixo do outro lado da mesa.

- Vai dormir no meio do refeitório? – Florence indaga incrédula. – Tenha um pouco mais de classe, por favor.

Abaixo minha cabeça de novo e ergo o dedo do meio para ela. Marina ainda insiste em querer me cutucar.

- Fala logo o que você quer Marina – digo já impaciente.

- Quem é o novato ali na mesa com seus amigos?

Disforia - InícioOnde histórias criam vida. Descubra agora