Capítulo 10 - Aposta

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Assisto o sol nascer com toda sua magnitude, um processo lento e prazeroso. Estou sentado sobre uma rocha olhando do alto da cidade, minha mente viaja através dos prédios e das construções antigas, desde a igreja até o cemitério. Entre uma tragada e outra do meu cigarro, permito-me sentir uma onda de prazer me consumir, mas a melancolia e a nostalgia se instalam em meu peito logo em seguida.

É incrível quando você para pra observar simples detalhes e de repente percebe que eles estiveram o todo ali, mas você nunca os percebeu. São esses os detalhes presentes nesse momento que fazem a vida ter um pouco mais de sentido. Como os primeiros raios banham uma cidade que estava fria e as escuras, como o calor em minha pele, como os pássaros cantando, como o cigarro entre meus dedos que aos poucos vai se tornando cinzas espalhadas pelo chão.

Levanto meu corpo pesadamente e desço de volta para cidade. Monte Azul aos poucos vai acordando, as pessoas me olham com temor, pois o “Problema da Cidade” – que é como eles me chamam – levantou-se cedo hoje. Ignoro os sussurros e olhares tortos em minha direção, sigo andando até a Rose's, nada seria melhor do que um café após um cigarro.

Peço um cappuccino e me sento próximo a janela de vidro, enquanto aguardo meu pedido, passo os olhos pela rua tentando encontrar algo nessa cidade que não seja clichê demais. Quando retorno o olhar para o atendente, ele está repousando meu pedido sobre a mesa e sai sem falar mais nada. O barulho alto de buzinas acaba roubando minha atenção, Florence está estacionando o carro no outro lado da rua. Ela corre até a entrada do café e empurra a porta com violência.

- Se quebrar você vai ter que pagar, tá ligada nisso?

Florence dá de ombros como se não se importasse, ela se senta de frente para mim tediosamente.

- Tá bebendo o que? – Ela pergunta antes de bebericar da minha caneca. – Eu quero um desse. Alguém aqui pode me atender? – Ela grita pra infelicidade do atendente.

- Por onde você tem andado? – Pergunto enquanto levo a caneca a boca.

Florence respira fundo.

- Por aí, por ali. Qualquer lugar. – Ela responde. – Cadê seus amiguinhos problemáticos?

Ela se refere à Gus e os outros.

- Devem estar fazendo coisas de amigos problemáticos. Não ligo.

Ela mexe em alguma coisa no celular sem me dar atenção. Ignoro e continuo olhando para o nada enquanto bebo meu cappuccino. Por um momento começo a pensar sobre o que Gus e os outros devem estar fazendo nesse instante, de qualquer jeito eu sei que qualquer resposta não inclui a mim. Ainda bem. Há dias em que sair com a turma parece um sacrifício enorme para mim, assim como há dias em que sair com eles é a única coisa que me faz esquecer um pouco da confusão mental ao qual eu sou submetido em minha casa.

- O que está acontecendo? Digo, você não se desgrudava de Gus nem por um segundo, sinceramente eu até pensava que vocês tinham um caso – Florence diz tranquilamente. – Vocês se afastaram. Como isso é possível?

Suspiro candidamente, a resposta está na ponta da minha língua, apenas uma palavra, mas eu sei que se eu disser tudo vai mudar.

Eduardo... Essa é a resposta que quero dar.

- Não sei – respondo após hesitar. – Estou cansado de fazer as mesmas coisas com as mesmas pessoas.

Florence sorri.

- Será?

Por um momento sua pergunta permeia minha cabeça como um andarilho, mas em determinado momento eu deixo de pensar sobre isso. Apenas quero beber meu cappuccino.

Disforia - InícioOnde histórias criam vida. Descubra agora