Capítulo 19 - Inocência

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O que você faria durante um estupro? Se debateria, encontraria um jeito de fugir, gritaria? Cada pessoa tem sua própria maneira de agir, mas no final todas agem igual.

Começa com uma cantada de mal gosto, o que um estuprador chamaria de "apenas um elogio", olhares desconfiados, sempre encontrando uma maneira de roçar em seu corpo. Em algum momento ele fará algum comentário machista, isso fará com que seu alarme interno comece soar. A mão dele tocará suas costas, a sua mão irá tremer. E quando ele estiver descendo a mão até sua cintura, seu alarme interno estará disparado e você começará a suar frio.

Você irá resistir, vai continuar resistindo o máximo que conseguir, porque em sua cabeça isso não poderá estar acontecendo com você. Não com você. Você sabe que pode se tornar mais um número em uma estatística fria e doentia.

Ele irá te imobilizar, talvez não usando a força bruta, talvez com chantagem psicológica, talvez sob ameaça. Poderá ser dentro de uma mata, poderá ser dentro de um carro, poderá ser numa estrada cercada por árvores. Talvez no meio do dia, talvez no meio da noite.

Então quando enfim ele se evadir para dentro de você, ele irá destruir cada muro de resistência que você construiu, ele te fará sentir uma fraca, vulnerável. E enquanto ele vai e vem sem se preocupar com a sua dor física, ele se sentirá no poder, sentirá prazer por te causar sofrimento.

Então é aí que todas agem igual. Elas olham para qualquer ponto sem enxergar de verdade. Se ausentam temporariamente, se sentem expulsas de seus próprios corpos. Mutiladas, reprimidas, estupradas.

Dias depois - caso ele não mate você - você reviverá cada momento de terror, irá se auto-sabotar. E se eu não tivesse aceito aquela carona? E se eu não tivesse ido embora sozinha? E se eu tivesse passado por outra rua?

O homem não conta que você seja forte, que você se reerga. Ele espera que você fique quieta.

Quando você é homem, você tem medo de receber um não por medo de se sentir humilhado. Quando você é mulher, você tem medo do que pode acontecer depois de dizer não. Enquanto o homem tem medo da "humilhação", a mulher tem medo de morrer.

Para esses homens eu digo: vá se foder, seu escroto de merda.

Para você mulher: continue sendo forte.

Eu não sou uma mulher, meu corpo não está no senso comum passível de violência sexual. Se eu não tivesse força o suficiente para me livrar de Timothy... A possiblidade me assusta.

Estou na estatística de sobrevivência sem nenhum dano.

Depois de dar uma surra em Timothy, eu liguei para a polícia. Descobri que Marina não estava em casa, ela havia ido para a loja do meu pai. Timothy havia planejado tudo, ele roubara uma cópia das chaves de Marina, esperou que todos saíssem e entrou na minha casa.

O delegado Garcia - pai de Timothy - não teve coragem de olhar para ele, na verdade não teve coragem nem de me pedir desculpas. Enquanto os policiais o algemaram e o arrastaram para fora, minha mãe chegou. Eu mal conseguia ficar de pé, meu rosto estava pálido, meus pulsos estavam roxos, esse foi o combustível para ela começar a gritar à plenos pulmões. Ela dizia que não iria sossegar até Timothy ser condenado e pegasse a maior pena possível.

Por eu ainda ter 17, Timothy será denunciado por tentativa de estupro e pedofilia.

Qual não era a minha surpresa quando dois dias depois eu soube que Garcia havia pago a fiança do filho, ele aguardará o julgamento em liberdade.

Troco algumas mensagens com Ed, ele conta que foi chamado para depor de novo sobre o tiroteio na escola, mas ao que tudo indica a polícia está quase encerrando o caso para poder focar nos corpos de garotos encontrados no rio Dilúvio. Pergunto para Ed se eu posso o ver mais tarde, ele manda outra mensagem respondendo sim e com isso nossa acaba.

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