Capítulo 11 - Memórias Mudas

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Há momentos que ficam trancados sob sete chaves, assim como há momentos que parecem eternizar uma vida, momentos que se transformam em memórias, que cavam fundo para dentro do peito. Há momentos em que apenas queremos esquecer o mundo, então nos trancamos em nossos quartos e ligamos nossas músicas no último volume. Há momentos em que uma luta vale tão a pena quanto ser forte para poder lidar com as consequências depois, momentos em que não demonstramos o quanto nossa vida pode ser ruim. Momentos em que nos trancamos no armário com medo do bicho papão e rezamos para que o bicho papão não esteja alterado pela bebida. Momentos em que a perda de não só uma, como de duas pessoas parecem drenar de nosso peito a coragem de encarar mais um dia de braços abertos. Há momentos em que vestimos nossas melhores roupas, penteamos nosso cabelo e usamos nossos melhores perfumes para que passemos uma imagem diferente de quem nós somos.

Quando o momento se torna passado, a verdade aparece como uma máscara caída sobre o chão.

Não quero abrir meus olhos nesse momento, quero ficar aqui de olhos fechados fantasiando momentos com o cara que eu gosto como um adolescente comum.

Ainda consigo manter vivo na memória o momento entre o durante e o depois. Enquanto eu mergulhava para dentro da boca de Eduardo, como ele acabou cedendo, como seus dedos agarraram firmes em meu cabelo, como o momento se transformou em excitação e como arfamos após o beijo sem querer parar. Seus olhos se abriram após os meus, seu rosto estava vermelho e seu corpo totalmente rígido. Somente após aquele momento foi que eu consegui pensar em ir embora, mas antes eu movi meu corpo para dar-lhe outro beijo, outro quente e demorado beijo. Somente assim eu pude ir embora tranquilo, sem dizer mais nenhuma palavra sequer.

O momento se repete em minha memória, e cada vez que a lembrança volta eu percebo um detalhe diferente. Como seu corpo tremia, como havia uma parte dura de seu corpo no meio daquele abraço. Detalhes que me fazem corar e que me fazer querer repetir tudo de novo.

Sento-me sobre a cama após eu finalmente criar coragem para poder abrir os olhos.

David está lá, ele me olha do mesmo jeito que ele costumava olhar para mim quando ele conseguia algo. Coço os olhos e o vejo sumir.

Seja forte, ele dizia, seja um soldado.

Após tomar um banho quente e fazer todo meu ritual diário, desço para o café da manhã em família – que raramente acontece.

Como hoje não temos aula meu pai saiu mais cedo do que o normal, deve ter ido para qualquer lugar longe de nós. Mamãe lê o jornal e comenta o fato de outro garoto ter sido encontrado morto.

- Ele era do outro lado da cidade – mamãe diz.

Marina se junta a nós sem a mínima vontade.

- Quem? – Ela pergunta enquanto se senta.

- O garoto que encontraram – respondo enquanto me sirvo de um pedaço de pão.

Mamãe não liga muito para nossa presença, mas resume a notícia:

- O Rapaz era loiro  e tinha por volta dos dezessete anos.

Paro o copo de suco antes de beber o primeiro gole.

- Mas se não estou enganado, os outros garotos também eram assim – digo.

Disforia - InícioOnde histórias criam vida. Descubra agora