Capítulo 23 - Igreja

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Espírito, guie-me onde minha confiança não tem fronteiras.
Deixe-me andar sobre as águas,
Para onde quer que me chames.
Leve-me mais fundo do que meus pés jamais poderiam vagar
E minha fé será fortalecida
Na presença do meu Salvador.


Oceans (Where Feet May Fail)


- ANALAGA, Ana Vitória

ANTES


Risadas altas se sobrepujavam por efeito da bebida barata que a cada gole ia nos deixando mais empolgados. Nossas conversas eram banais, qualquer assunto idiota do nosso dia-a-dia na escola ou em casa acabava virando pauta como se estivéssemos testando piadas para apresentar em algum clube de comédia. Histórias que alterávamos a medida em que a bebida ia nos alterando a cada gole.

Gus me repassava a garrafa cada vez que ela girava passando de mão em mão por cada um do nosso pequeno círculo. Cada novo gole ia nos desinibindo e assuntos como sexualidade acabavam despertando questionamentos em nossas mentes, muitos de nós ainda não conseguiam entender muita coisa, por ironia do destino, Ben parecia ter todas as nossas respostas.

Ele explicava e nós observávamos boquiaberto caindo na real de que o que ele dizia com tanta propriedade parecia fazer sentido de algum jeito.

Não éramos apenas adolescentes jogando conversa fiada fora, não...

Éramos mais do que isso, éramos exploradores no alto da proa de um navio, segurávamos Nossas lunetas, tínhamos o vento bagunçando nossos cabelos e soprando nossas velas enquanto diante de nossos olhos começava a surgir um resquício de terra e montes cobertos por árvores e matas virgens. Éramos como exploradores descobrindo a primeira ilha de um novo continente, e Deus, como ela parecia reluzir sob o sol.

Ficamos em silêncio após um período de risadas bobas, como adolescentes bobos nós nos achávamos o máximo, invencíveis, inatingíveis. Um momento de descanso para a mente, em que nosso navio navegava por uma zona rochosa e mal conseguíamos ver a água quebrando em suas bases.

A calmaria antes de uma colisão que estava a ponto de acontecer.

Em algum momento entre o momento, houve um momento. Eu não sabia como esse momento entre momentos iria parar meu tempo ou acelerá-lo. O momento em que houve um flash tão incandescente que me cegou durante um segundo e uma vida inteira.

Não havia espaço para a ambiguidade, tudo fora confuso demais. Durou um segundo? Refiz para mim essa pergunta durante muito tempo. Está durando uma vida? Ainda me refaço essa pergunta? Existe espaço para que ambos estejam certos? Possivelmente.

Momentos são únicos, preciosos, podem ser bênção e maldição. A única coisa para os interligar é o tempo, essa massa de luz escura esticada e encolhida que jamais teremos respostas que o possamos explicar. Foi um momento ou é uma vida?

Foi um momento dentro de muitas vidas? Muitas vidas dentro de um momento?

Confuso.

Tão confuso quanto tentar explicar o tempo, é explicar um momento que desafiou toda minha ideia de tempo.

O flash não perdurou muito, mas ainda perdura. Eu o vejo cada vez que eu fecho os olhos e separo os momentos em catedrais feitas por memórias. Como tudo foi, como se tornou e como tudo que poderia ter sido.

Disforia - InícioOnde histórias criam vida. Descubra agora