Perspectivas

Conto 2 - Já Disse a Física: Depende do Referencial - Parte 1

Depois de dez mil vidas, eis que trago o segundo conto dessa coletânea fofa e acho que vai ser um pouco mais divertido que o anterior. Aproveitem :3

Era a terceira vez naquele ano que Naruto ia para o hospital porque se machucara. Seus pais estavam loucos da vida por ter se acidentado daquela maneira terrível e não paravam bradar com os médicos para salvar a sua vida, para cuidar dele, para lhe trazerem de volta, mas a verdade era que não fora a lugar nenhum, por mais que quisesse. Mesmo que não mexesse os olhos, encarando o teto do corredor por onde sua maca passava, Naruto estava bem consciente de seu estado.

Deram-lhe uma injeção de anestésico e apagou completamente, mas não se preocupou, seus pensamentos já estavam bem longe do hospital, em algum lugar com árvores, céu aberto e campos cheios de grama. Quando despertou, estava novamente num quarto branco, com janelas cobertas por cortinas, e Naruto tinha a sensação de que haviam passados anos desde que desmaiou. Sua boca latejava, mas conseguia mexê-la, e sua língua doía um pouco.

-Bom dia, Naruto. - aquela voz lhe fez observar sua direita e percebeu um médico sentado ali, lendo seu prontuário sem lhe olhar, com as pernas cruzadas. Franziu o cenho. Um homem de cabelos pretos na altura dos ombros, com um corte rebelde, usando óculos de armação azul escuro, balançava uma das pernas. - Como se sente?

-Vivo, aparentemente. - respondeu de forma pouco educada e isso fez o médico lhe encarar.

-Pode não parecer, mas eu já sabia disso. - Naruto percebeu que um dos olhos negros tinha um aspecto leitoso, meio pálido. Ele devia ser cego daquele olho. - Quero saber se está sentindo dor ou algo assim. - suspirou profundamente, como se estivesse cansado.

-Assim... Não sei se te disseram, doutor, mas eu sou tetraplégico. Sentir é algo que está além das minhas capacidades. - debochou, o que fez o médico arquear uma sobrancelha. Revirou os olhos, movendo seu rosto em outra direção. Era só o que lhe faltava: um médico querendo ser complacente com seu estado. - Quando vou receber alta?

-Em uma semana. - Naruto sentiu a cama se movimentar bruscamente e fitou aquele lado. Tomou um susto ao ver o médico sentado ali avaliando os aparelhos que lhe mantiveram vivos por todo o tempo que ficou apagado e anotando em seus papéis. - Seus pais pediram um check up completo, até mesmo exames psicológicos. - olhou-o de soslaio.

Estava atônito. O médico, além de cego de um dos olhos, não tinha uma das pernas e sua prótese era bem visível por cima da calça. Parecia fazer questão de que vissem. Um médico cego e perneta. Se não estive tão grogue por causa da penca de medicamentos que aplicaram em si, surtaria por saber que sua vida estava nas mãos de alguém que era... Pela metade. Engoliu em seco, encarando a calça preta por baixo da estrutura muito firme e móvel, mas ouviu um pigarro.

-Eu... - o doutor lhe encarava. - Bom... É justo, eu me acidentei enquanto mastigava e...

-Morder a língua não ia te matar sufocado, se é isso que você planejava. - Naruto arregalou os olhos de novo, em total alerta. Como ele...? O médico ergueu as mangas do seu jaleco, depois as mangas da camisa que vestia por baixo e mostrou seus pulsos. Haviam cicatrizes. Aquelas cicatrizes.

Além disso, uma das mãos daquele homem era uma prótese também. O que era aquilo? Não era um homem pela metade, mas cheio de remendos. Como podiam confiar as vidas das pessoas a um médico que era praticamente um monte de encaixes?

-Eu não tentei... - argumentou.

-Eu também não. Apenas acidentalmente acertei meus pulsos com a gilete de barbear. Acontece. - ainda lhe olhava daquela forma que transparecia conhecer exatamente o que havia na mente de Naruto. - Não é o primeiro e nem será o último a desistir da própria vida.