Perspectivas

Conto 4 - Aos Olhos de Quem Vê - Parte 1

Para uns, a vida acaba depois que um acidente te deixa incapaz de retomar seus hábitos, principalmente se a pessoa em questão tivesse hábitos que exigissem muito do corpo, como praticar esportes e afins. Quem nunca leu ou ouviu a história de alguém assim? Essas pessoas chegam a crer que nada mais lhes restará além de uma triste sina de dependência de terceiros. As vezes é isso o que acontece.

No entanto, não estou aqui para contar este tipo de história. Por que não olharmos para uma peculiar exceção em ascensão? Seu nome é Sasuke e ele é aquele cara que você vê tomando um café na venda da esquina, ou algo assim, ou que passa ao seu lado e você se pergunta o que ele faz da vida.

Ele era o típico adolescente envolvido em coisas demais, como esportes de alto esforço físico, praticava esgrima e outras artes com a espada desde pequeno por ser apaixonado por este tipo de arma e estudava numa escola profissionalizante. Fez faculdade de Administração e abriu sua própria empresa que fez bastante sucesso. Chegou a terminar um Mestrado numa determinada área e a ter um rendimento anual que lhe permitia ter mais de dez funcionários, férias para onde quisesse todo ano, pagar as contas no fim do mês de seu apartamento e pagar um salário aprazível para os outros. Uma vida boa, não é?

Mas tudo mudou depois de um acidente enquanto ia tomar sorvete numa lanchonete. Houve uma colisão entre dois carros e um peça de um dos veículos atingiu a vitrine ao lado de Sasuke. Os cacos cortaram seu rosto e, para sua tristeza pessoal, seus olhos. Duas semanas depois do acidente e de algumas cirurgias, os médicos lhe informaram que ele estava cego e nenhum transplante de córnea poderia salvar sua visão.

Cego. Sua vida teria acabado ali mesmo ao saber que não poderia fazer mais nem metade do que fazia antes porque dependia essencialmente de seus olhos. Sasuke passou quase um ano inteiro em casa, recusando-se a sair por mais que seu irmão mais velho, seus pais e seus assistentes da empresa insistissem. Se ele não podia mais enxergar o mundo e nem ser quem era antes, não tinha porque pisar os pés fora de casa.

E como se quisesse confirmar sua própria teoria, quando saiu para um passeio com seus assistentes, Sasuke se envolveu em outro acidente terrível. Um caminhão se chocou com o carro de seu amigo e quase todos ali dentro morreram. Foi a sorte, ou Deus, que os salvou. Não perdeu nenhum outro sentido, mas perdeu uma das pernas.

Além do tempo se recuperando da cirurgia de amputação, Sasuke não saiu de dentro de sua casa por mais dois anos e se maldizia quase todas as noites. Algumas vezes quis por fim a sua própria vida, mas no dia que foi tentar a televisão lhe impediu. Uma reportagem sobre deficientes que faziam coisas incríveis foi ao ar: contaram a história de um cadeirante que saltava de paraquedas e de outro que era surfista; narraram o caso de um cego que vencera uma maratona e de outro que subira um alto paredão; ainda apareceu uma mulher surda que chegou ao mestrado e estava dando uma entrevista sobre sua conquista. Havia um lutador de judô com Down e uma professora autista.

Aquelas pessoas mexeram com a mente de Sasuke de forma que nem mesmo ele sabe dizer. Então realmente podia se vencer na vida mesmo estando tão limitado? Era disso que precisava: de uma nova perspectiva dos seus problemas e, assim, conseguir viver com eles da maneira correta.

Procurou por um personal trainer especializado em pessoas com deficiência física e depois um "mestre". Iria retomar tudo, mas de maneira adaptada. Sasuke não era um perdedor: o que ele queria, conseguia de um jeito ou de outro. Podia ser pouco sociável, mas era destemido em seus objetivos.

Seu irmão conseguiu encontrar um homem que se dispôs a lhe ensinar "tudo" de novo, chamado Gai - famoso por reabilitar pessoas depois de acidentes graves, lembram dele? Um dos melhores personais do mundo. -, e não lhe cobraria nenhum preço exorbitante porque o desafio de ensinar um cego a lutar e a se exercitar o estimulava muito mais que o dinheiro. Com ajuda de muita pesquisa e de um grupo de apoio, Sasuke retomou suas atividades na empresa - uma transportadora - e, algum tempo depois, encontrou um ousado professor de esgrima.