VI

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•Wonwoo•

Os barulhos vindos da escadaria foram altos o suficiente para me acordar do breve cochilo que eu tirava na janela. Não percebi quando peguei no sono, mas estava tão bom que eu só queria continuar ali encostado no vidro frio, porém a curiosidade foi mais forte que minha falta de vontade.

Não pude ignorar a cena na minha frente. Não consegui ficar parado ao ver Mi Kwan tentando estuprar alguém que não fez nada para merecer isso. Ninguém merece passar por isso na verdade. Ele segurava a escrava com força, revezando em apertar seus pulsos e tentar despi-la conforme ela se debatia e tentava escapar.

Tive que tomar uma atitude.

— Que falta de educação Mi Kwan. —Digo baixo, mas deixando audível para que ele me ouça. Aquele tom firme que já me acostumei a usar a muito tempo atrás. — Eu a vi primeiro.

Que grande mentira, um eu estava dormindo e dois eu nunca tentaria fazer algo do tipo, mas ele não precisa saber disso.

Ele olha na minha direção, segurando fortemente o pulso da mulher que mais uma vez tenta arranjar algum jeito de se soltar.

— Desde quando elas te interessam? Nonu, não se meta onde não é chamado. — Ele diz carregado de ironia dando ênfase no apelido o que quase me faz revirar os olhos.

— A questão aqui é que você está se metendo nos meus assuntos. — Sinto os olhos da escrava sobre mim. Não a culpo, minha máscara foi aperfeiçoada por anos. — Não vai querer me enfrentar de novo, vai?

Ele trava o maxilar ao ouvir a ameaça e quase não consigo ver seu olhar de ódio na minha direção. Contrariado ele afrouxa o aperto no pulso dela e bastou apenas um suspiro irritado para eu saber que havia levado vantagem.

— Fique com ela. — Ele a empurra em minha direção que quase cai da escada, mas minha mão a apoiando impede sua queda. — Perdi o interesse. Aproveite a vadia Nonu.

Ele termina de descer a escada e some de vista.

— Está tudo bem? — ela apenas me encara, não responde nem tenta fugir, mas continua tensa e se solta de meu aperto devagar como se estivesse diante de uma fera prestes a atacar. Não a culpo por isso também. Acredito que ela seja nova aqui. Teria percebido sua presença antes com toda certeza.

— Não vou te machucar, só disse aquilo para tirar ele daqui. — Digo e vejo ela relaxar um pouco, mas ainda aparenta não confiar em mim.

Tudo indicava que era diferente, o cabelo mal preso que deixava vários fios escapando assim como a franja desarrumada, o olhar quase que desafiador, a roupa das escravas que pareciam ser feitas para ela, marcando cada curva e detalhe do corpo da mulher a minha frente e o rosto bem desenhado com um pequeno corte na bochecha que parecia recente.

— Qual o seu nome? — pergunto a ela que me olha, não com medo, mas com ódio, como se fosse me jogar dessa escada na primeira oportunidade.

— Eu não tenho um nome. — Ela diz, com a voz firme, cortante como a lâmina de uma adaga. Claro, devia ter imaginado, a Imperatriz deve ter mandado o nome dela para longe, o corte em seu rosto também indicava isso.

Ela sustenta o olhar, me encarando nos olhos, me deixando hipnotizado por alguns segundos e por um momento, naquela rebeldia que ela transmitia, vi meu próprio reflexo, meu próprio desejo de liberdade refletido. Não só pelo seu olhar, mas por sua postura, ela não se arrastava como os outros escravos, andava ereta, a cabeça erguida e com toda certeza eu posso dizer que ela já foi uma mulher livre e com certeza não queria estar aqui.

— Cuide dos seus machucados. — Volto a subir as escadas a deixando para trás, mas paro no meio do caminho. — Mais uma coisa. — Ela volta a me encarar com aqueles olhos escuros e intensos. — Você... — chama a atenção de qualquer homem que esteja a menos de um quilômetro de distância. — Se destaca. — Ela recua um passo e cruza os braços na frente do corpo. — Use um capuz ou uma capa para se misturar e evitar que esse tipo de coisa se repita.

Ela assente brevemente e volta a seguir o seu caminho terminando de descer as escadas, sumindo no fim do corredor escuro.

Mesmo preocupado que alguém vá tentar fazer algo com ela eu volto ao meu posto — não queria receber outra punição — sem conseguir tirar aqueles olhos escuros que transmitiam tamanha rebeldia da minha cabeça.

Ela não é como as outras escravas, ela nem mesmo recuou ou se encolheu. Tenho certeza de que esconde alguma coisa e eu vou descobrir o que é.

Depois do acontecido o tempo até a troca de turno chegou mais rápido que o esperado e logo meu substituto já estava a minha espera parecendo tão animado quanto eu para ficar parado em um lugar onde pouca coisa acontece.

Não demoro a voltar para o meu quarto. Parece mais um cubículo, o único lugar onde minha máscara não é necessária e eu posso sonhar com uma realidade paralela, na qual eu posso fazer o que eu quero, sem me preocupar em ser punido ou morto por ser quem eu sou de verdade.

Retiro o pano que cobria meu rosto, respirando fundo deixo a espada que carregava, as bainhas e as roupas pesadas em cima do móvel. Abro o baú no canto do quarto em seguida, retirando dele um conjunto de roupa mais confortável me jogando na cama o mais rápido possível depois de me vestir.

Normalmente minha mente era ocupada com belíssimos campos verdes, repletos de flores brancas a luz das estrelas, com suas pétalas banhadas pelo brilho pálido da lua, algo como um lugar tranquilo no meio do caos que é minha vida, mas dessa vez, tudo o que eu via era um par de olhos castanhos escuros, que por algum motivo me intrigavam.

Por que ela não teve medo?

Por que ela veio parar aqui?

Como ela veio parar aqui?

Qual a sua história?

Por que eu sinto que ela é diferente?

Inúmeras perguntas rondando os meus pensamentos que provavelmente não serão respondidas. Não tão cedo.

Respiro fundo numa tentativa de me acalmar. Sua imagem vem a minha cabeça e imagino de onde veio toda essa rebeldia que ela transmite, chego a conclusão de que se eu percebi algo do gênero significa que ela passará por maus momentos aqui nesse lugar, porque mais pessoas perceberão e tentarão acabar com isso, da mesma forma que acabam com qualquer traço ou felicidade das pessoas que passam por aquela porta.

Mesmo não conseguindo desligar meu lado racional, deixo o sono tomar conta dos meus pensamentos. Apreciar as poucas horas que me restam é o melhor que eu posso fazer agora. Mas eu vou descobrir o porquê essa mulher me deixa intrigado, estou com um bom pressentimento.

Behind the Mask  » » Jeon WonwooOnde histórias criam vida. Descubra agora