Capítulo Um

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   Há alguns anos atrás, diziam que a grandiosidade dessa cidade me engoliria, seria opressora. Para mim, essa grandosidade é apenas vazia.

   Olho pela janela do meu quarto as luzes da cidade. Antes de vir para cá, me diziam que em grandes cidades como essa não era possível ver as estrelas no céu, mas olhando agora, vejo que eles estavam enganados. As luzes das casas e prédios faziam alusão ás estrelas que eu estava acostumada a ver antigamente, só que em um número incrivelmente maior. Parece um céu todo pontilhado de estrelas, como aquelas fotos tiradas no deserto. Meu céu particular.

   Minha família se mudou para cá, deixando a pequena cidadezinha do interior para morar em uma cidade que tinha a promessa de virar uma metrópole. Já moramos aqui há dois anos, dois anos longe dos meus amigos, dos meus avós, das pequenas coisas que me traziam familiaridade. No caso, essa será minha segunda mudança, mas ao menos não vou precisar mudar de cidade, apenas alguns quarteirões separam minha antiga casa da nova.

   Por bondade de Deus eu tenho a Vick, com quem criei um grande vínculo, apesar dela ser irritante e faladeira, assim como Meg, que ainda mora na minha antiga cidade. Isso deveria impedir que eu me sentisse solitária, se não fosse pelo fato de Vick sempre estar envolvida em algum problema amoroso para que eu possa falar dos meus problemas, e Meg ter arranjado novas amigas para ocupar seu tempo, tempo esse que ela gasta cada vez menos com mensagens para mim. Mas não posso culpa-las por estarem vivendo suas vidas, enquanto eu mal consigo seguir com a minha.

   Meus avós avisaram que seria confuso me mudar para longe, e isso eu realmente senti no primeiro dia, como uma forma estranha e grotesca de boas-vindas. Mas eu não esperava que essas boas-vindas fossem durar até hoje.

                                                                                              * * * * *

   Detesto dias chuvosos. E detesto ainda mais mais mudanças em dias chuvosos. Todos os móveis já estavam a caminho da minha mais nova residência, de maneira que somente sobrava algumas caixas para levar no carro. Estava revirando uma delas a procura do meu celular quando me deparo com minha caderneta. Ao pegá-la, algumas fotos do verão passado caem do meio das páginas, e ao guardá-las novamente, uma delas chama minha atenção. Essa estava colada em uma página, e nela Ethan Monroe passava o braço esquerdo pelos meus ombros, enquanto sorríamos para a câmera.

   Ethan foi um garoto que conheci enquanto trabalhava como voluntária em uma ONG. Acabamos nos aproximando muito naquele verão, e sem que eu me desse conta, ele se tornou minha primeira paixão. E única, até então.

   Fazem seis meses que não o vejo. Conversamos muito atualmente por mensagem, e, mesmo sem querer, me sinto próxima dele. Lembro perfeitamente do seu sorriso de lado, da voz tão única que ele tem, do modo leve, contagiante e feliz com que leva a vida, mesmo com os problemas que tem como pai. Sem dúvidas ainda estou apaixonada, mesmo ele morando a quilômetros de distância.

   O celular toca. Devolvo a caderneta à caixa, e o ouço tocar no bolso do meu casaco que estava pendurado na janela. Victória, como sempre.

   -- Fale.

   -- Ótimo falar com você também, Soph querida! Eu estou bem, aliás. Obrigada por perguntar. -- A ironia dela quase me trouxe um sorriso.

   Victória era uma garota adorável por baixo de todo o sarcasmo e espontaneidade tão característicos dela. Era mais alta do que eu - o que não é muito difícil, em vista dos meus um e cinquenta e seis de altura -, com cabelos loiros perfeitamente lisos e domesticados, diferente dos meus cachos que viviam fora do controle. Seu rosto fino contibuía para a imagem mandona dela, assim como seus gélidos olhos azuis e lábios bem desenhados, que facilmente se reprimiam quando estava zangada ou prestes a dar uma bronca.

   -- O que quer Vick? -- Pedi com desinteresse. 

   -- Seu carro. A quero aqui em frente a minha casa em dois minutos. Não se atrase, docinho.

   Antes que pudesse responder qualquer coisa, ela já havia desligado. Odiava esse aspecto de Victória, mas já estava pegando as chaves e mandando uma mensagem para minha mãe, avisando que voltava logo, caso ela passasse aqui antes da minha volta.

   --Teremos gente nova na nossa turma amanhã. -- Ela falava calmamente abraçando os joelhos, com os pés em cima do banco do carona, tentando demontrar desinteresse, apesar de que eu sabia que ela estava se remoendo por dentro a espera de que eu pedisse mais informações. Tentei ignorar como ela conseguia saber esses tipos de coisas e resolvi entrar em seu jogo.

   -- Já sabe quem é? -- Tentei focar minha atenção na estrada e não nos pés dela sobre o banco. Pensei em falar para ela que tinha limpado o carro a pouco tempo, e não queria que seus pés maravilhosos sujassem o assento, mas sabia que ela me ignoraria. 

   -- Ainda não, mas estou torcendo pra que seja gato! -- Ela torceu os dedos para enfatizar, como eu mesma fazia quando era criança e uma estrela cadente riscava o céu.

   -- Pensei que estava namorando aquele garoto... Eric, não era?

   -- Coisa do passado, querida! E o nome dele era Henry. Eric foi a sécilos atrás.

   -- Três semanas não caracterizam um século, Vick!

   -- Dane-se! -- Ela retirou os pés do banco ao endireitar a postura.

   Estávamos voltando da casa de uma prima dela, para buscar uma blusa que ela havia emprestado. Tentei não me irritar com ela por ter feito todo um alarde para buscar uma simples blusa, mas lembrei que ela havia me tirado da tarefa entediante de empacotar o resto das coisas. Com sorte, minha mãe já devia ter terminado por mim.

   Depois de deixar Vick em casa, voltei para meu antigo endereço. Já começava a escurecer, e eu precisava terminar de levar as caixas antes do jantar. Encontrei minha mãe na porta da casa, levando algumas caixas para o lixeiro. Dei um beijo nela antes de subir as escadas para pegar as caixas. Mas não havia nada para ser pego ali.

   -- Que fim você deu nas minhas coisas, mãe?

   -- Mandei para a doação. Não eram essas as caixas para enviar? Um amigo seu da ONG veio aqui atrás de você. -- Minha mãe se abaixou para pegar uma revista no chão. -- Quando viu que não estava, e que eu mencionei as caixas para doação, ele se voluntariou para levá-las lá. Muito prestativo, não acha?

   Meu coração parou de bater novamente, mas logo voltou ao normal. Não podia ser Ethan, ele estava muito longe. Com certeza era Marcus.

   -- Ele falou que voltaria aqui depois de deixá-las lá. -- Minha mãe interrompeu meus pensamentos. -- Já deve estar voltando.

   Ela levou a revista até uma sacola, e se aproximou de mim, sussurrando.

   -- E, cá entre nós, ele era muito bonito! Invista nele, Soph!

   -- Mãe! -- Reclamei enquanto ela entrava na casa. Mas então voltei a pensar no que ela dissera. Muito bonito não era exatamente a descrição de Marcus. Mas então, quem era?

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