-- Não entendo a graça disso.
E eu realmente não entendia. Estávamos na frente da casa dos meninos, jogando a bola um para o outro. Ou melhor, Mateus e eu contra Vick e Ethan. Não estávamos perdendo por muito. Graças a Mateus, é claro, que encaixava a maior parte dos ataques deles e revidava. A culpa não era minha. Eu não conseguia ver a bola quando ela vinha em minha direção, por ser noite.
Victória riu disso quando eu tentei me justificar ao ser acertada por Ethan na perna, mas ao menos eu deixei de ser o alvo dele. Achei adorável e cavalheiro da parte dele. Mas é claro que toda vez que a bola caia nas mãos de Vick eu voltava a ser o alvo. Como agora.
Tudo que sei é que estou no chão, e meu rosto arde muito.
-- Você está bem? -- Vi o rosto de Mateus muito próximo a mim.
-- Será que temos que chamar um médico? Quer dizer, foi uma pancada na cabeça. -- Então Ethan estava no meu campo de visão. Eu não consegui ouvir o que mais eles falavam, só os via mover os lábios.
Quando dei por mim, estava sobre algo macio, e uma luz branca me cegava. Demorei um tempo até me adaptar a luz da sala da Cristina, e um tempo a mais para escutar o que eles diziam a minha volta, com um zumbido baixo ao fundo.
-- Não precisam ligar para ela, estou bem. -- Cristina, que já estava pegando o celular para falar com minha mãe, parou e me olhou.
-- Não. Você não está. -- Ela tirou alguns fios que se soltavam da trança lateral que caiam sobre meus olhos. -- Bateu a cabeça quando caiu. Pode ser sério.
Nesse momento, Vick veio a sala, com um pacote de ervilhas congeladas. Ela me olhava triste, com os olhos vermelhos e algumas lágrimas quase caindo dos olhos.
-- Me desculpe. Se eu soubesse que você ia...
-- Você sabia. Soph avisou. -- Ethan olhou para ela reprovador da beirada do sofá onde estava sentado, do meu lado direito. Eu não o tinha visto ainda.
-- Está tudo bem. -- Meu rosto ardia, e isso me preocupou um pouco. Peguei as ervilhas da mão de Vick e pus no meu rosto. -- Lembra quando eu disse que uso óculos de descanso? -- Pedi para Mateus, que confirmou. -- Era por isso. O oculista que consultei recomendou. Minha visão noturna é péssima e minha visão periférica é quase tão ruim quanto. Mas a última vez que me consultei com o doutor Artur foi a dois anos. Provavelmente agora ele me recomendaria os graus mais altos, porque estou quase cega.
Os garotos foram os únicos que riram da piada. Cristina somente esboçou um sorriso e Victória estava cabisbaixa. Me sentei. Era sábado. Se meu rosto estivesse muito inchado, eu teria tempo de me recuperar.
-- Meu rosto está muito feio? -- Pedi para Vick. Afastei as ervilhas do rosto, para que ela pudesse vê-lo. Ela comprimiu os lábios. Deveria estar horrível.
-- Está vermelho. E inchado. E acho que vai ficar roxo. -- Ela me olhava com desgosto. Se de si mesma ou do meu rosto eu não sei.
-- Minha mãe vai me matar. -- Murmurei enquanto devolvia as ervilhas no rosto e deslizava no sofá até estar deitada outra vez. A água que começava a escorrer do pacote descia pelo meu pescoço, passando pela nuca e descendo pela coluna. Era muito desconfortável.
-- Posso falar com ela, se isso melhorar alguma coisa. -- Cristina se abaixou na minha frente, passando as mãos pelos meus cabelos. Sorri para ela, não sei se ela percebeu, já aquele maldito pacote cobria quase todo meu rosto. Ela era um anjo.
-- Tudo bem. -- Suspirei. -- Só espero que ela não dê um chilique.
O resultado eu já previra. Se minha mãe quase me arrastara para o hospital mais próximo por causa dos zumbidos no meu ouvido, ela com certeza ia concretizar o ato agora. Eu estava no banco de trás, com uma bolsa de água fria no rosto. Ela dirigia rápido, enquanto perguntava como eu me sentia.
-- Como você se sente? -- O médico perguntou quando chegou na sala para nos atender.
-- Minha cabeça dói. Mas é só isso agora.
Minha mãe ficava andando de um lado para o outro, enquanto eu estava sentada em frente ao doutor. Eu já havia relatado como tinha me machucado nos mínimos detalhes após ele pedir, e ele anotou um monte de coisas no bloquinho.
-- Seu problema de visão é recente?
-- Não muito. Desde os doze usava óculos de descanso, mas a algum tempo parei de usá-lo.
-- E você disse que tem dificuldade para enxergar a noite?
-- Isso. -- Ele anotou mais algumas coisas.
-- Mais alguma coisa a acrescentar?
-- Ela teve um problema esses dias. -- Minha mãe se meteu, já se sentando ao meu lado. -- Ela teve dor de ouvido. Quase não escutava nada.
-- E isso é frequente? -- Ele coçou o queixo, com um olhar indecifrável.
-- Não. -- Respondi, me arrumando na cadeira. Que por sinal era desconfortável.
-- Você tem tido mais algum problema de audição? Qualquer coisa?
Lembrei de Isabele e minha mãe sempre reclamando que eu não eatava as ouvindo. Das vezes que eu perdi alguma coisa nas conversas com a Vick.
-- Alguns. -- Ele ficou me encarando, esperando que eu especificasse. -- Algumas vezes eu perco algumas coisas durante as conversas, mesmo quando presto atenção. E as vezes há zumbido também. -- Não deve ser algo grave. Não mesmo.
-- Eu vou pedir alguns exames. -- Ele anotou algumas palavras em um papel. -- E por enquanto, vou indicar alguns medicamentos para dor e febre, caso você a tenha.
-- Mas e quanto á pancada que ela teve na cabeça?
-- Se ela tiver alguma reação, a traga novamente e realizaremos mais exames. -- Ele tirou os óculos, e coçou os olhos. -- Mas essa não é minha maior preocupação agora. Por ora, vou indicá-la a um otorrino, e pedir uma audiometria. E te indicarei também a um amigo meu, oftalmologista, para alguns exames.
-- Mas por quê tantos exames? -- Minha mãe parecia nervosa. -- Quer dizer, se o senhor está pedindo tantos exames, deve ter alguma suspeita. -- Minha mãe me olhou preocupada, e aquilo me assustou.
-- Eu só posso afirmar alguma coisa após os exames. Mas recomendo que sejam rápidas ao fazê-los.
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O Som Mais Bonito
RomanceAção. Percepção. Emoção. Esses eram os três pilares da vida de Sophia Bleinn. Houve um tempo em que seu mundo era repleto de cor e forma. Suas mãos viviam sujas de tinta ou grafite, seus cadernos cheios de esboços. Suas camisas preferidas pareciam u...