Estávamos esparramados pelo quarto. Ele deitado sobre alguns travesseiros no chão e eu deitada de bruços em sua cama, apoiando a cabeça nas mãos para poder assistir.
-- Não estou vendo muita Biologia nesse filme, Mateus.
Não podia negar que o filme era interessante, mas ele me chamara ali ali para outro propósito, não para ficar a tarde inteira assistindo filme. Ele me estendeu o pote de pipoca, depois de enfiar uma mão cheia na boca, mal cabendo tudo.
-- É caro que tem! -- Teimou ele, deixando algumas pipocas caírem da boca.
-- Se você insiste...
O gato dos Monroe entrou pela porta do quarto que estava aberta, e veio todo manhoso subindo na cama, afofando os travesseiros que estavam ao meu redor. O folgado teve a audácia de deitar a cabeça em minhas costas e prender as unhas em minha camiseta, me arranhando levemente enquanto ronronava alto.
-- Seu gato é tão folgado quanto o dono.
-- Ele tem bom gosto como o dono. -- Retrucou ele, me olhando brevemente antes de voltar a olhar para frente. Corri ao ouvi-lo retomar suas brincadeiras. -- Já começou trabalho de português?
Semana passada a professora passou a tarefa de entrevistar um dos alunos da nossa turma, extrair o máximo de informações possível, além de se deixar entrevistar também. Eu me imaginava fazendo com a Vick, mas ela já estava rondando Ethan, então já sabia que teria que procurar outra pessoa. Pensei em Mateus, mas então o vi conversando com outros meninos.
-- Preciso encontrar alguém para fazer comigo, ainda. -- Ele levantou as sobrancelhas para mim.
-- Bom, você acabou de achar, senhorita espertinha.
-- Você não precisa...
-- Ei, eu também estou sem dupla! Vai deixar seu pobre amigo sem nota? -- Perguntou ele, fazendo cara de cachorro sem dono, piscando aqueles longos cílios para mim.
-- Pensei que você já tinha encontrado alguém.
-- Estava me guardando para você. -- Ele piscou para mim, lançando um sorriso provocador, pouco antes da minha risada contagiá-lo. -- Sua risada com certeza deve ser um dos meus sons favoritos. Você deveria me conceder o privilégio de ouvi-la mais vezes.
-- Pare de flertar comigo! -- Ele riu ainda mais, me fazendo rir outra vez. Meu rosto pegava fogo. -- Está me deixando sem graça! E eu rio com frequência sim!
-- Não. Você não o faz. -- Ele ficou um pouco sério. -- Principalmente quando mal nos conhecíamos. Você era séria e distante. Falava pouco, e ouso dizer que parecia até meio fria.
-- Eu não sou fria! -- Retruquei indignada.
-- Não. Você não é. -- Ele tirou os olhos da televisão para me encarar brevemente. A única luz era da TV e do corredor, além da pouca luz do Sol que se infiltrava pelas brecha das cortinas do quarto. -- Pelo menos não mais.
-- Obrigada? -- Perguntei, meio em dúvida.
-- Eu que deveria agradecer.
Ele focou novamente sua atenção na televisão, onde uma cena de ação se desenrolava.
-- Gosto quando você ri. -- Ele acrescentou depois de um tempo, em voz baixa.
Quando o filme acabou, Mateus se voltou para mim, pedindo que eu esperasse ele buscar alguma coisa. Vi quando ele abriu o armário, e uma avalanche de roupas despencou sobre ele.
-- Ops! -- Ele coçou a nuca envergonhado, bagunçando um pouco os cabelos. -- Você não deveria ter visto isso.
Eu gargalhei de novo, e ele demorou um tempo para superar a vergonha e me acompanhar. A pilha de roupas chegava em seus joelhos, ele começou a empurrá-las para dentro do armário outra vez, pegando sua mochila de lá antes de fechar as portas.
-- Se te faz se sentir melhor, posso esquecer isso.
-- Se você conseguir esquecer isso a partir de agora mesmo, ficarei muito mais agradecido. -- Ele concordou, se sentando sobre os pés no chão a minha frente.
-- Do que estávamos falando mesmo? -- Perguntei, divertida, me endireitando na cama e me sentando também.
-- De um garoto que você não conhece, que tem uma mania estranha de enrolar para arrumar o próprio guarda-roupa.
-- Ah. Que pena que não o conheço. Ele parece ser um cara legal.
-- E com toda certeza ele é. -- Mateus respondeu, ao abrir um caderno e separar uma caneta. -- Bonito também, além de muito sensual e charmoso.
-- Ah, é? -- Me fiz de desentendida.
-- Sim! -- Ele disse animado, escrevendo alguma coisa. -- Já disse que ele é bonito?
-- Já, Mateus. -- Tentei me inclinar para ver o que ele escrevia, mas ele afastou o caderno do meu campo de visão. -- O quê você está fazendo?
-- Anotando algumas coisas. Já volto a te dar atenção, docinho.
Sorri, tentando reprimir o riso. Mateus e sua mania de inventar apelidos. O gato, que antes estava dormindo sobre minhas costas, agora fazia o mesmo entre minhas pernas cruzadas. Ele ronronava baixinho enquanto dormia, e quando eu afagava seu pelo, ele ronronava mais alto.
-- Podemos começar.
Mateus foi até a escrivaninha e pegou sua cadeira, a pondo de frente para mim. Em seguida, se sentou sobre ela, cruzando um dos pés sobre a coxa, onde apoiou seu caderno. Podia ver algumas informações minhas ali, e logo soube o que estava tramando.
-- Pensei que fossemos estudar Biologia. Vai bancar o jornalista agora? -- Sorri divertida, o que ele respondeu com um sorriso afiado.
-- Vou bancar o bom aluno que mantém os trabalhos em dia.
-- Quem te ouve até pensa que é organizado. -- Tirei o gato do meu colo, levando as pernas para a beirada da cama.
-- Ei! Você disse que ia esquecer o que aconteceu! -- Ele me olhava magoado.
-- E do que você está falando? O que aconteceu? -- Perguntei representando meu papel. Mateus pareceu satisfeito.
-- Nada de mais, só daquele garoto de quem te falei antes. O que esqueceu de arrumar o guarda-roupa antes de trazer visitas. E ele também era bonito, é claro. Mas eu já falei isso.
Ele sorriu, mas então se levantou e foi até o armário outra vez. Pensei que ele fosse repetir o incidente, mas ele foi até outra porta, que parecia mais organizada em comparação com as outras duas. De lá tirou um óculos sem lentes e o vestiu, retomando a posição anterior, tentando parecer mais com um jornalista profissional. Ao menos de acordo com os estereótipos da mente dele.
-- Pronta?
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O Som Mais Bonito
RomanceAção. Percepção. Emoção. Esses eram os três pilares da vida de Sophia Bleinn. Houve um tempo em que seu mundo era repleto de cor e forma. Suas mãos viviam sujas de tinta ou grafite, seus cadernos cheios de esboços. Suas camisas preferidas pareciam u...