Capítulo Catorze

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  Como ficaram seis crianças em cada mesa, optamos por deixar um monitor em cada, sendo assim, Mateus, Ethan, Marcus, Maria e eu nos dividimos, já que Victória não pode vir e Cristina estava ocupada organizando algumas coisas no escritório.

  Era divertido ver os desenhos que saiam das mãos das crianças. A grande parte delas fez paisagens, flores ou pessoas. Mas o mais engraçado foi ver os desenhos dos meninos. Ethan estava tentando ensinar um garotinho a desenhar um vaso de flor que estava apoiada na janela, perto de onde estavam sentados. Logo que terminou o esboço, muito orgulhoso de si mesmo, ele desafiou Mateus a fazer um desenho melhor. É claro que eu reprovei a ação, já que não era o propósito da atividade ser uma competição, e sim apenas diversão. Por sorte, todas as crianças estavam prestando atenção a seus próprios desenhos.

  Mateus aceitou. Então eles arrastaram uma das mesas menores para perto da janela, onde se sentaram e começaram a desenhar. Um tempo depois, Mateus me chamou, e como Marcus e Maria tinham tudo sobre controle, fui me sentar ao lado deles.

  Era um vaso bonito, mesmo com rosas artificiais. Como Ethan já tinha o desenho pronto, ele já estava pintando, com um pincel fino e tinta guache. Mateus foi o segundo a terminar, usando lápis de cor pata colorir. Como vi que ambos já estavam adiantados, optei por deixar o meu desenho em grafite, sombreando onde devia e retocando alguns detalhes. Já passavam das duas e meia da tarde quando todos terminamos.

  -- Ok. -- Ethan se revesava em olhar de Mateus para mim. -- No três, todos mostram seus desenhos. Um... dois... três!

  O desenho de Ethan estava legal, apesar do vaso parecer uma ampulheta, as cores terem ultrapassado as linhas e a tinta verde do caule borrar o vermelho das flores. O desenho de Mateus estava mais, na minha opinião, mesmo não tendo feito as folhas com pontas, optando por fazê-las mais arredondadas, e as rosas serem círculos com espirais. A pintura estava boa, na minha opinião. Eles olharam surpresas para o papel que eu segurava, e eu senti o rosto esquentar. Maldita mania de corar por nada!

  -- Caraca, Soph! -- Ethan disse, antes que eu olhasse feio para ele, pela palavra que usou perto das crianças.

  -- Quando você disse que gostava de pintar, eu não pensei que fosse tão sério. -- Mateus olhava abismado.

  -- Não é para tanto, meninos. -- Sentia meu rosto queimar a cada palavra deles.

  Não achei meu desenho tão espetacular assim. Era simples, em grafite, apenas abordando luz e sombra para dar maior realidade. Como já tinha desenhado flores várias vezes, muitas rosas, eu já tinha alguma intimidade com elas. Ethan simplesmente correu com meus desenhos nas mãos, indo mostrar para sua mãe. Mais tarde, Cristina pediu meu desenho, para que montarmos um mural com os demais, assim que as crianças terminassem os delas.

  Como já terminamos, voltamos a ajudar as crianças com os delas. Demos uma pausa para um lanche, as criança acompanharam Marcus e Maria até a sala de recreação, Ethan foi falar com a mãe na sala dela e Mateus e eu trouxemos nossos sanduíches e sucos para a biblioteca, arrumando algumas coisas enquanto comíamos.

  -- Por que você usa trança sempre? -- Ele perguntou do nada, pegando na ponta do meu cabelo, que estava preso em uma trança lateral. -- Quer dizer, nunca te vi com os cabelos soltos, sempre em tranças e coques.

  -- Bom... -- Beberiquei o suco, que era de uva. Minha fruta favorita. -- Digamos que meu cabelo é meio... indisciplinado. Quando ele era mais curto, ele era enrolado, com cachos bonitinhos e definidos. Mas conforme ele foi crescendo, ele foi meio que indefinido. Tem dias que ele está uma perfeição, mas geralmente ele tende a ficar rebelde, com muito volume. Por isso prefiro vê-lo preso.

  -- Entendi. -- Ele terminou de mastigar antes de continuar. -- Então seu cabelo é tão indeciso quanto a dona. O meu também é assim.

  -- Não tem graça. -- Ele riu brevemente, antes de beber um pouco mais de suco.

  -- Onde ele alcança? -- Ele pegou minha trança delicadamente para trás da cadeira onde estava sentada, ficando em pé as minhas costas.

  -- No fim das costas. -- Senti um arrepio quando ele arrumou uns fios soltos. -- Na altura do cóccix.

  Ele riu baixinho. Inclinei o rosto para trás para tê-lo em meu campo de visão, mesmo que ele estivesse de ponta-cabeça.

  -- Você fala engraçado, senhorita espertinha. -- Ele se abaixou um pouco, em direção ao meu rosto. Por algum motivo, isso me lembrou da cena em que o Homem-Aranha e Mary Jane se beijam no filme, com ele de cabeça para baixo. Corei com o pensamento. -- Nunca vi alguém falar em cóccix com tanta propriedade fora de uma sala de aula, muito menos sem soar... antipática. -- Ele sorriu, antes de sussurrar. -- Você realmente é única, Sophia.

  Ele estava perigosamente perto, e meu coração perigosamente rápido. O olhando de tão perto, notei como seus olhos são lindos. Um castanho claro, muito claro, pontilhado de verde perto das pupilas, com um aro escuro nas bordas da íris e cílios invejáveis. Os lábios dele eram levemente avermelhados, e provavelmente mais cheios que os meus. Os cabelos ondulados dele caiam como cascatas em direção ao meu rosto, já que ele estava inclinado.

  Com os olhos dele presos aos meus, não percebi o quanto ele estava próximo, até que alguém bateu na porta e eu levantei repentinamente, batendo minha cabeça na dele no processo.

  -- Desculpe. -- Sussurrei enquanto massageava a testa, o vendo se afastar até o lanche, imitando meu ato para diminuir a dor. Meu rosto queimava de vergonha.

  -- Está tudo bem. -- Ele respondeu de costas para mim, antes de Marcus entrar com uma outra pasta com folhas para desenhos.

  Logo que ele saiu, retomamos a conversa sobre amenidades, sem mencionar o incidente de antes. Ele sorriu quando disse que uva era minha fruta favorita, já que também era a dele.

  Depois de terminarmos de comer, voltamos a arrumação. Revirando as pastas que trouxe com folhas, Mateus acabou encontrando dois desenhos meus, uma garota deitada na relva e uma paisagem, com montanhas sob um céu estrelado. Ele se sentou ao meu lado, com os desenhos em mãos.

  -- Você leva o ato de desenhar a outro nível! -- Ele me olhava risonho. -- Santo Deus, Soph! Olha essa garota! Parece que vai saltar para fora da folha de tão real.

  -- Eu agradeço seus elogios, mas não é para tanto, Mateus.

  -- Como assim "não é para tanto"? -- Ele se levantou e começou a andar pela sala. Logo reconheci que essa é uma mania dele. -- Você deveria investir nisso, sabia? Quero dizer, seguir uma carreira, sabe? Exposição, essas coisas.

  -- Fala sério, Mateus! -- Ri da ideia dele.

  -- É sério! -- Ele parou de andar e ficou na minha frente, com os braços cruzados. -- Você tem talento de sobra.

  -- Não é tão fácil assim. -- Eu o olhei séria. -- Eu já pensei em cursar Artes, mas não é algo muito... rentável. -- Fiz uma pausa, revendo meus argumentos. -- Quase ninguém se torna um artista renomado, e a grande maioria que cursa Artes segue a carreira de professor, que é altamente desvalorizada. Por isso dei uma... pausa nisso tudo. Parei de desenhar para focar nos estudos, para que assim eu consiga passar na Federal para Arquitetura.

  -- Arquitetura?

  -- É. Isso é uma forma de arte também, e assim posso desenhar e projetar uma arte que todos poderão ver quando passarem nas ruas.

  -- Você tem razão. -- Ele se abaixou na minha frente, me olhando nos olhos. Mesmo abaixado ele conseguia alcançar minha altura sentada na cadeira, que era alta. -- Mas não devia deixar de desenhar por isso, Sophia. Dá para ver que você tem uma relação especial com as artes. Deixá-la de lado seria como deixar um pedaço seu de lado. Pense nisso.

  Ele beijou minha mão, se levantando e pegando nossos copos antes de sair da biblioteca. A curiosidade dele aqueceu meu coração. Saber que havia alguém que queria saber essas coisas de mim. Saber que havia alguém que se importava. O que era estranho, já que ele estava seguindo o mesmo caminho que eu, ao deixar a música de lado, mas resolvi não tocar no assunto.

  Me peguei sorrindo para a porta agora fechada, por onde ele saira.

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