P.S.: Para sua informação, senhorita espertinha, eu ainda escrevo poemas. Não enfie todos os homens nesse seu achismo!
Tirei o bilhete que ele me mandara mais cedo na escola do bolso do meu casaco quando cheguei em casa, e o pus em minha gaveta. Agora, depois de um demorado banho, me deitei na cama, lendo novamente suas palavras antes de dormir. Sem pensar duas vezes, peguei o celular e liguei.
-- Alô? -- A voz sonolenta dele me atendeu.
-- Desculpa se te acordei, eu ligo outra hora.
-- Não, não, não, senhorita espertinha. -- A voz de Mateus estava alerta agora. -- Deve ser algo importante para você me ligar às duas da manhã.
Somente agora fui me dar conta da hora. E me dei conta também de que não tinha um assunto para tratar com ele.
-- Eu também... -- Tomei fôlego, pensando em algo. -- Escrevo poemas. Ou escrevia. Já passei dessa fase
-- Que bom, senhorita espertinha. -- A voz dele estava empolgada. -- Porque você me escreverá uma carta em breve, e espero ao menos alguns versos seus.
-- Do que você está falando? -- Me sentei na cama, prestando mais atenção.
-- Você saberá em breve. -- Ele falou sombrio, tentando dar uma gargalhada sinistra, mas sem êxito.
-- Ok.
-- Ok.
Ficamos um tempo em silêncio, eu ouvindo a respiração dele. Precisava achar um assunto. Foi quando olhei para a escrivaninha.
-- Lembra daquele livro que te falei?
-- Qual deles? Você falou sobre tantos...
-- Garota Exemplar.
-- Ah, esse. -- Ele pareceu pensar um pouco. -- Eu li uma resenha, mas não gostei muito do que se trata nesse livro.
Ele deixou o convite no ar, como sempre, e eu comecei a falar do livro. Ele fazia um comentário ou outro, mas era perceptível como ele prestava atenção em cada palavra.
-- Acha que eu pareço com ela?
-- Amy Exemplar?
-- É. Uma vez, Vick e eu discutimos, e ela disse que eu tinha um jeito bonzinho forçado, como se quisesse que todos acreditassem que eu era boa, sabe?
-- Hum, sei. Mas, Soph, ela disse isso porque estava com raiva. -- Ouvi o farfalhar dos lençóis, como se ele estivesse se mexendo na cama. -- Você, dentre todas as pessoas que conheço, mesmo sendo só duas semanas, -- Ele riu, breve. -- não é uma Amy Exemplar.
-- Por quê diz isso? -- Eu estava morrendo de curiosidade.
-- Sinceridade?
-- Sim.
-- Com todo o respeito que tenho por você, Sophia, você não é uma Amy Exemplar. -- Ele suspirou. -- Não que você não seja exemplar, porque você é o maior exemplo que tenho de juventude responsável. -- Ele riu. -- Mas isso é natural em você. E, diferente de uma Amy, você não quer forçar a barra e aparecer. Você quer ser invisível. Acha que eu não percebi que toda vez que um professor faz uma pergunta eles te olham porque sabem que você tem a resposta, mas você simplesmente não responde. Que mesmo sendo membro do Grêmio Estudantil você faz questão de ser Vick a representante de suas ideias, que por sinal são geniais? Você evita ao máximo mostrar o quanto você é sensacional, Sophia, e isso faz você muito melhor que uma Amy Exemplar qualquer. Acredite.
Fiquei sem palavras. Mateus, o irônico e engraçado Mateus fez um discurso motivacional dirigido a mim. Eu não sabia o que responder, então esperei que ele dissesse alguma coisa. E continuei esperando, mas depois de um tempo, achei que a ligação havia caído.
-- Você ainda está aí? -- Sussurrei para o outro lado da linha.
-- Estou. -- Ele também sussurrava. -- Estava quase perguntando o mesmo para você.
-- Obrigada. -- Pensei em acrescentar alguma coisa, mas sabia que Mateus era a pessoa ideal para entender as outras palavras por trás do meu agradecimento.
Fiquei esperando mais alguma coisa do outro lado da linha, mas quando nada veio, apoiei o celular do lado do travesseiro e me arrumei para dormir. Podia ouvir a respiração pausada do Mateus do outro lado, e sabia que ele também podia ouvir a minha Comecei a contar as vezes que ele puxava o ar para depois soltá-lo, e descobri que era um dos sons mais tranquilizantes que já ouvi. Sorri quando já caía no sono, ao som da respiração dele.
-- Eu que agradeço por ter te conhecido.
Ele sussurrou tão baixo, e eu estava tão envolta no sono que fiquei me perguntando se era real ou um sonho.
Ouvi o celular tocando. Não lembro qual o sonho, mas devia ser algo bom, porque acordei com um sorriso. Olhei para o visor do celular, que estava no mesmo lugar de antes sob o travesseiro. Olhei a hora. Quatro e vinte e seis da manhã. Mateus devia ter desligado quando percebeu que caí no sono, só espero não ter roncado e o assustado. Então olhei quem estava me ligando.
Era ele.
Depois de tanto tempo, Ethan estava ligando, e pela hora, devia ser algo importante. Me sentei de supetão e atendi com pressa.
-- Ethan? -- Sussurei, me esforçando para não soar assustada. Mantive o volume da ligação baixo, para não acordar minha família.
-- Oi, Soph. -- Ele estava calmo, então descartei a hipótese de ser algo grave. A voz dele estava igual a de sempre, mas levemente rouca. Linda. -- Como vão as coisas por aí?
-- Hã, bem, e com você?
-- É sobre isso que quero falar com você.
-- O que aconteceu, Ethan? -- Voltei a me preocupar.
-- Bom... -- Ele pausou, puxando o ar de maneira alta. -- Estou na entrada da cidade.
-- Da sua cidade? -- Logo soube que minha pergunta era estúpida.
-- Da sua cidade. -- Ouvi os passos dele, então supus que ele devia estar fora do carro, ou o que quer que fosse. -- As coisas entre meu pai e eu pioraram, e vou voltar para a casa da minha mãe.
As coisas nunca foram fáceis quando o assunto era o pai dele. Era um homem odioso, e depois divórcio, que, segundo Ethan, fora merecido, ele piorara. Para a infelicidade da família, ele conseguiu sua guarda, enquanto a mãe de Ethan ficou com a guarda de seu irmão mais novo. A mãe dele morava do outro lado da cidade, e somente a conheci na ONG, que ela mesma ajudou a fundar e comanda até hoje. Quanto ao seu outro filho, que é pouco mais novo que Ethan, pouco ouvi falar, e nunca o vi.
Ethan explicou o que estava acontecendo nos últimos tempos, e o motivo da briga que foi o pivô de sua decisão de vir para cá. Me contava tudo rapidamente, sem se ater a detalhes. Suas notas haviam caído, e como ele já reprovara um ano, o pai resolveu pegar no seu pé, de maneira obstinada e rude. Então ele saiu, com a roupa do corpo e a moto que a mãe havia dado a ele. Eu nem sabia que ele tinha uma, já que nas vezes que o vi estava de carona com sua mãe, e supus, erroneamente, que ele estava de táxi ou carro. Ele era um ano e pouco mais velho que eu, então não devia ter carteira, e mesmo que que dirija às vezes, nunca saí da cidade, já que era arriscado demais. Imagine então uma moto! Quando peguei no pé dele quanto a isso, ele apenas riu, dizendo que não haviam riscos.
-- Pelo amor de Deus, vá logo para a casa de sua mãe, seu maluco!
Ele apenas riu outra vez, antes de pedir informações da mãe. Pelo visto, ela comprou a casa na qual estava de olho a meses, e já se mudara de lá. Falei para ele ligar para ela e pedir, e mesmo não querendo acordá-la naquela hora da manhã, ele garantiu que o faria. Depois de se despedir, Ethan desligou o telefone.
Ethan Monroe estava na cidade, e dessa vez era definitivo.
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O Som Mais Bonito
RomanceAção. Percepção. Emoção. Esses eram os três pilares da vida de Sophia Bleinn. Houve um tempo em que seu mundo era repleto de cor e forma. Suas mãos viviam sujas de tinta ou grafite, seus cadernos cheios de esboços. Suas camisas preferidas pareciam u...