Capítulo Vinte e Seis - Antes da ida

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 O último jogo de Trancabola aconteceu no fim de tarde do dia 28 de junho.

Por mais que quisesse, Hugo não se encontrou com Adolfo Campos nesse dia, que sequer lhe chamou ou enviou um bilhete chamuscado. Outros dias foram produtivos o bastante para que o homem lhe desse folgas consideráveis para aproveitar o último mês na escola, sem aulas.

Achava que ele merecia, embora o rapaz ansiasse tentar aparatar outra vez.

Foi na saída da vitória de Andurá – que levou um tristonho terceiro lugar que fez com que Rebeca Roriz, a capitã do time de Trancabola de Andurá, receber a taça de latão com o rosto amargo.

Muqui havia ganhado o primeiro lugar este ano, mas tanto Manuela Junqueira quanto Renan Bedoia, de Hibiri, já marcavam treinos durante julho para que pudessem vencer no ano seguinte.

Enquanto alguns alunos riam ou insultavam os alunos de Acaí na saída do Campo de Voo, Hugo afastou-se junto de Diego para a beira das paredes destruídas. Bruna estava com Maitê e Antônio Gomes.

O amigo havia dito que Fernando Calabar estava estranho durante essa semana.

— Não sei como usted não percebeu — disse ele, enquanto sentavam-se ao pé dos tijolos. — Não sei se es la enfermedad, mas às vezes ele para e fica mirando hacia la nada. Tem parecido um pouco esquizofrénico, tipo ouvindo vozes.

— Ah, ele passou por muita coisa na casa dele, né? Acho que isso martela na cabeça dele — disse Hugo, olhando para alguns Jurutauis voando próximo dali.

Amana colhia insetos do chão.

— Mas faz poco tiempo que ele está assim — respondeu Diego. — Ele não era assim hace meses. E olha que él es de mi casa.

— É, tenho que concordar que eu não tenho falado muito com ele. Ele ficou muito recluso para falar.

Crees que devíamos falar com ele?

Hugo não respondeu por um instante.

Era uma daquelas situações que ele não sabia se devia ou não se envolver. Parecia um caso complicado de se resolver a partir da perspectiva de observador que tinha; ele nunca conversou profundamente com Fernando para saber dos detalhes mais sórdidos.

Não via um modo satisfatoriamente fácil de resolver o empasse que o pai abusivo de Fernando havia criado. Ele o odiou por ter feito isso e odiou a si mesmo por se sentir incapaz.

Sabia que talvez somente uma conversa seria o bastante para colocar tudo (ou parte disso) nos eixos, mas sua mente parecia tão sobrecarregada que não sabia como. Tentar sobreviver a um bruxo das trevas decididamente era mais fácil que conversar seriamente com alguém.

Porém, pensando bem, sobreviver a um bruxo das trevas parecia ser mais simples, exatamente pela ausência de conversa.

— Eu não sei — respondeu Hugo. — O que você acha?

Diego deu os ombros.

Uma sombra desceu do sol de junho, fazendo com que Hugo achasse que a harpia negra tivesse voltado com outra entrega malévola.

O pássaro que pousou em seus joelhos era decididamente menor e menos ameaçador.

Quando a voz de Jânio Ribeiro ecoou de seu bico, o coração de Hugo disparou.

Hugo, sua mãe é totalmente contra te deixar ir nesse passeio. Eu já tentei de tudo para fazer ela pensar, mas até eu estava com o pé um pouco para trás; Orlando Lesieg ainda não foi encontrado e tudo mais, mas como o Ministério da Magia venezuelano está responsável pela ida e volta, eu acho que acredito um pouco mais. É o seguinte: eu vou dizer a ela que vou pedir para um auror ir junto, mas acho que dá pra você ir nessa viagem. Leva, no máximo, cinco Vintém e uns vinte Jimbos, nada mais. Me avise quando é o passeio e tome absoluto cuidado, se você aprontar, nunca mais vai sair desse país na sua vida. Te amo filho. De Jânio Ribeiro, em São Paulo, para Hugo Ribeiro em Castelobruxo, no Amazonas.

Saga Castelobruxo - Pratas e Opalas Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora