Ela gostava de chá. Eu amava café.
Ela gostava de biografias. Eu amava ficção.
Eu amava aviões. Ela preferia barcos.
Eu gostava de rock. Ela amava jazz.
Ela tinha raízes. Eu, asas.
Uma mesma palavra pode ser dita de várias formas, e, assim, tornar-se várias. Pode ser falada, escrita, gritada, ou simplesmente sussurrada como um segredo precioso. A palavra "amor" e a palavra "morte" podem não significar nada, dependendo de como são ditas, e podem significar tudo. E podem ser ditas de muitas formas.
Minha mãe sempre me dizia que palavras tem poder. Elas podem salvar uma pessoa, ou podem destruí-la. E ela sempre me dizia também que eu tinha o dom do meu pai de usá-las, porque apesar de eu agir meio como pateta as vezes, eu sabia exatamente o que falar quando alguém precisava de mim.
Minha mãe e eu tínhamos uma comunicação que ninguém mais entendia. Ela chamava meu nome com uns vinte tons diferentes, e em cada vez significava alguma coisa. E quando eu tinha algum problema, ela sempre sabia o que dizer para mim, mesmo que em pretextos. E meus pretextos, ela entendia todos. Ela sabia a diferença de todos os meus "alôs" quando ligava para ela do outro lado do mundo. E ela sabia que por mais que eu sempre tivesse algo para falar quando um amigo precisava, eu conseguia esconder minha necessidade de todos de ouvir palavras de consolo quando algo me doía. Exceto dela, porque por mais que nunca houvêssemos dito isso em som claro, nós sabíamos que se todos nos magoassem, nós sempre teríamos um ao outro, e por mais longe que eu fosse na vida, eu sempre poderia voltar para ela, e ela sempre me colocaria de castigo se eu fizesse besteira, ou me abraçaria se eu precisasse de colo, ou assistiria filmes e comeria chocolate se batesse a depressão. Ela foi quem me ensinou a falar o que eu penso, mesmo sendo meio desbocado.Minha mãe pode dizer que eu herdei o dom das palavras do meu pai, mas o que me fez ficar sempre de pé, foi o coração que herdei da minha mãe, pois sem ele, todas minhas palavras não passariam de palavras vazias, e que de nada serviriam.
Minha mãe havia me ensinado que não se falavam coisas importantes por falar, como eu te amo, por exemplo. Eram palavras especiais demais para serem direcionadas a qualquer um, mas quando eram verdadeiras, elas podiam ser "gastadas a vontade". Por isso poucas pessoas ouviram um eu te amo meu, e somente aquelas que me foram mais preciosas. Para mim, essas palavras sempre foram sagradas, e não uma camisa velha que se troca a toda instante, como muitos faziam. E do mesmo jeito, de poucos eu ouvi essas palavras, e de muitos jeitos diferentes, mas eu tinha alguns especiais. Esses eu guardava na cabeça quase como um tesouro entre caixas de vidro blindada contra o tempo.
Um deles foi do meu pai, era meu aniversário, e ele chegou de surpresa de uma missão que pensávamos que ia durar bem mais. "Feliz aniversário campeão, eu te amo muito, muito." Foram essas palavras, com um sorriso enorme, a mão quente no meu cabelo, e isso ficou em mim para sempre. Não que ele não tenha ditos outras e tantas mais, mas de algum modo foi esse que me marcou, pois dois dias depois ele estava se despedindo da gente para mais uma missão. O coração dele parou com ele ainda na esquina.
E então veio o de Hinata. Foram simplesmente as três palavras, sussurradas em meu ouvido. Foi o eu te amo mais triste, e o mais feliz da minha vida. As três palavras que me fizeram alcançar do paraíso ao inferno em segundos.
Foi a esperança borbulhante depois de semanas de dúvida de um amor unilateral. Foi a primeira vez que ele falou que me amava.
E significou "amor" e "morte".
Porque foram as últimas palavras que ela falou para mim.
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Da tua retina
FanfictionAviso de imediato que essa não é uma história triste e depressiva, apesar de ser narrada por um cara que acabou de ficar cego e teve uma estranha experiência de quase morte. Essa é a história de uma cara que só acreditava no que poderia ver, e por...