"Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram." Carlos Drummond de Andrade
me lembrando bem do inferno de Dante, na divina comédia, quando é dito que o inferno está cheio de pessoas que negaram a escolher e viveram em indecisão. Minha mãe, em sua sabedoria bem similar a Dante Alighieri sempre me dizia que o destino de quem ficava em cima do muro era ver a vida passar por longe, sem saber se era carne ou se era peixe. Eu acho que viver assim já é meio que um inferno.
Quem diria que zonas de conforto nos condenam? Eu não consigo me imaginar caminhando nessa linha, ficar na indecisão fode comigo, com minha cabeça. Acho que sempre fui meio como minha mãe, agindo no impulso, seguindo a corrente, me guiando mais pela emoção do que pela cabeça. Dois cabeças de vento, mas ao menos eu sei que nunca serei condenado por minha própria mente por ter ficado na inércia, ter visto minha vida passar e ficado para trás.
Eu vivi tudo, eu não vou olhar para trás e pensar no que poderia ter sido. Eu sofri pelo o que tinha que sofrer, eu sorri pelo o que tinha que sorrir, e por muito mais, e chorei sem remorso. Eu amei, eu perdi, e ganhei muito mais. Mesmo uma lembrança morna, mesmo uma saudade branda. Mesmo a sensação de achar que seu mundo desabou, e depois ver que ele sempre vai estar de pé, você que precisa levantar. Nada é tão inacreditável do que renascer, do que acordar depois de uma noite longa e escura, e ver que o sol vai continuar nascendo mesmo que você continue de olhos fechados. Tudo continua lá, esperando, mesmo que não para sempre.
O sol vai continuar nascendo, os dias passando, a vida fluindo e esperando você acordar, levantar, abrir os olhos e continuar. Mesmo para um cara cego.
Chegamos em Naha em uma manhã de quinta-feira. Nunca esqueceria daquele dia, do rosto de Hinata quando finalmente partimos para a cidade de Okinawa. Deixamos o avião em um galpão em Ginowan e partimos nas caminhonetes para a capital.
Eu já havia estado em Okinawa antes, com minha mãe. Foi bem logo que chegamos ao Japão. Minha mãe sempre tivera um fanatismo estranho por carros e motos antigas, paixão que aproximara ela do meu pai. Como ela perderia o 2 gate festival? E foi assim que com meus sete anos eu me vi em meio a um desfile com 200 motocicletas, incluindo Harley Davidsons.
Claro que na época, criança que eu era, não havia entendido de verdade a magia daquela cidade. Um ponto de quebra da cultura do Japão praticamente, um paraíso tropical e uma mistura cultural intensa como um maremoto. As casas eram diferentes, não eram feitas de madeira, mas de cimento, janelas vedadas, resistentes aos fortes tufões. Eles possuíam um carnaval e o Kijimunaa Festival, e uma das primaveras que eu sempre sonhei ver, e que infelizmente não veria mais.
Okinawa, acima de tudo, era a cidade da música no Japão: jazz, folksongs e rock, e muitos bons músicos do Japão vinham de lá, e era comum andar nas ruas e ouvir o hard rock nos restaurantes. Além dos festivais, como peaceful love rock festival e Eisa Festival, que era o motivo de estarmos ali e foi onde os pais de Hinata se conheceram. E era interessante que a mãe de Hinata havia vindo de lá, isso poderia mesmo ser a resposta para a inclinação musical de todos na casa que eu havia visto.
As ruas estavam em polvorosa. Agora mesmo, se eu me concentrar posso sentir o cheiro do hidjá no shirú. Nessa escuridão, as cenas se desenham das crianças correndo nas ruas. Nós caminhando por entre as pessoas, como mochileiros, os olhos em tudo. Eu posso ver as casas e Shisa nos telhados vermelhos como eternos protetores, e, acima de tudo, eu posso ouvir a voz de Hinata me contando sobre a história por trás de Okinawa, tornando tudo, cada detalhe ainda mais mágico, mais palpável, mais visível.
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Da tua retina
FanfictionAviso de imediato que essa não é uma história triste e depressiva, apesar de ser narrada por um cara que acabou de ficar cego e teve uma estranha experiência de quase morte. Essa é a história de uma cara que só acreditava no que poderia ver, e por...