Festival de primavera

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"A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca."
Carlos Drummond de Andrade

Minha mãe sempre me dizia que todo mundo tem uma maneira de fugir dos problemas.

Ela fugia dos problemas, com os problemas de outros. Foi o que aconteceu com Sasuke e Itachi, e comigo. Depois que eu cresci foi que eu entendi que minha mãe nunca chorou a própria dor dela quando meu pai se foi. Ela não queria fraquejar, por que se ela fraquejasse, eu também fraquejaria. Acho que por isso ela sempre foi tão forte, porque ela era forte por ela e por mim, e por quem quer que ela quisesse proteger.

Sakura acabou sendo bem parecida com minha mãe. Ela nunca conheceu a dela, que sumiu no mundo quando ela nem sabia nada do mundo ainda. Quando minha mãe chegou na rua, e nos conhecemos (ela me deu uma surra por que confundi ela com um menino, ótimo começo de amizade.), ela acabou, aos poucos, elegendo minha mãe como um modelo para ela, e depois minha avó. Foi delas que ela puxou toda a força, como se pudesse proteger todos debaixo de seus braços se o bicho pegar, e nunca amolecer. Sakura sempre fugiu do abandono da mãe dela, fazendo laços e mais laços para suprir isso, essa ausência. O problema é que certas ausências nunca são anuladas.
Sasuke sempre fugiu da dor com a indiferença. Ele vivia trancando seus sentimentos, e nunca se aproximou de ninguém mais além do seu ciclo normal, que incluía minha mãe e a mim, Itachi e Sakura. Todos os namoros dele, nunca duraram muito, porque ele sempre afastou cada garota que ele começava a se apegar. Para muitos, ele parecia apenas um cara de gostava de partir corações para se auto afirmar, e para os caras na escola e mesmo na universidade, era tido como arrogante, que pensava que era bom demais para se misturar com qualquer um, mas poucos entendem Sasuke. Que o problema dele é o medo de perder, como perdeu os pais. O medo de se apegar a alguém e um policial aparecer na porta dele no meio da madrugada e falar que tudo acabou por conta de um cara bêbado na direção.
E vem Itachi. Eu nem posso imaginar o tamanho da dor que Itachi carregou quando os pais dele morreram. Eu lembro de cada parte do enterro, dele e do Sasuke sérios, sem derramar lágrimas perto do caixão, apenas recebendo com indiferença os pêsames. Itachi parecia triste, mas Sasuke parecia apenas... vazio. Naquela noite, quando Sasuke foi dormir na minha casa, eu fiz ele chorar tudo o que estava entalado dentro dele, mesmo que tenha conseguido muitos hematomas nisso (desde então se tornou nosso método de ajudar o outro). Era tanta dor dentro dele... Mas eu sempre imaginei quem ajudou Itachi a chorar. Um garoto de 18 anos tendo que assumir um papel grande demais, cuidar do irmão mais novo, estudar, lidar com problemas de herança e com uma família mesquinha. Itachi conseguiu, se formou em medicina com muito esforço, criou Sasuke e ainda assim nunca foi amargo, nunca o ouvi reclamar de nada, ou culpar Sasuke por ter perdido muito da vida assumindo a responsabilidade por ele.A o contrário, para ele, Sasuke sempre foi mais um filho do que irmão. E é por ver isso que eu entendo porque Sasuke ama tanto Itachi, porque ele mataria por ele, porque a gente se metia em brigas na escola quando alguém falava algo torto sobre ele. Itachi não fugiu da dor dele, ele suportou e transformou em força. E suportou sempre sozinho.

Eu sempre fugi da minha dor sorrindo. Sorrindo até que eu realmente me sentisse feliz e a dor passasse. Sasuke uma vez me disse que eu sorria tanto que tinha gente que devia pensar que eu era um retardado, porque não existe ninguém feliz a esse ponto. E não existe mesmo, mas esse método de fingir até que se torne real não foi aprendido à toa. 

Eu notei com o tempo que as pessoas não se preocupavam comigo se eu sorrisse, ou sentiam pena por eu não ter pai, ou quando era mais novo, por não ter nenhum amigo porque vivia me mudando de um lado para outro. Eu sorria para que meus pais não achassem que eu ficava machucado com isso, porque minha mãe ficava feliz quando eu sorria. Com o tempo eu deixei de enganá-la, e ela sempre percebia quando meu sorriso era falso ou não. E também nunca enganei Sasuke, mas todos os demais, para todos, eu sempre estava alegre, nunca para baixo.

Da tua retinaOnde histórias criam vida. Descubra agora