Voar sem avião

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"Quero saber o que é o mundo e porque estou aqui e para onde estou indo...Quero saber também como voar sem um avião, se assim o desejar. "
Richard Bach


Você já amou alguém?
Já sentiu a sensação amedrontadora de que suas reações dependem das ações de outra pessoa de forma tão profunda, que você ri se ela sorri, chora se ela está triste? Você faria tudo por ela, seria tudo por ela, e ao mesmo tempo, com ela, é sempre você mesmo...
Já sentiu isso? Esteve com alguém que fez de alguns poucos momentos seus, embora curtos, totalmente eternos, absurdos? Alguém que te faz rir por tão pouco, e por coisas que o resto do mundo parece não entender, como se vocês fossem os únicos seres de um planeta particular, de uma língua própria, um dialeto ás vezes onde até mesmo são desnecessárias palavras... Se sentiu tudo isso, parabéns.
Você é o sujeito mais sortudo, e também o mais ferrado possível. Sortudo porque você sabe, ou soube, em algum momento o que é amar alguém. Ferrado por que com o amor, sempre vem a dor. Não é pessimismo, só a verdade. Nem um sentimento no mundo anda sozinho.
Eu amei Hinata. A amei, sem perceber. A amei fácil demais. Não foi uma paixão forte, potente. Nada daquelas coisas de novela, daqueles casais de capa de tumbrl ou coisas assim. Foi algo tão suave, que quase não percebi como aconteceu, ou quando. Quando vi, nenhum som era bonito no mundo que não fosse a risada dela, e foi assim.
Às vezes duvidei de mim, do que eu sentia, se tudo o que acontecia não era apenas projeção por ela ser um reflexo do meu futuro. Mas logo apagava isso. Não era a condição de Hinata que a fazia ser quem era. Ela era simplesmente ela mesma. Tudo nela a fazia especial para mim, e acaba que sua condição de não enxergar, se tornava um pequeno detalhe. Ás vezes, eu mal percebia isso nela, eu esquecia. Isso, porque todo o momento eu era o verdadeiro cego.
Sim, em um pouco tempo eu a amei.
E nesse pouco tempo ela me fez me descobrir junto a seu mundo.
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Era um tipo de pub. Eu nunca podia imaginar que existia um lugar daquelas, afinal, a cidade não era lá muito grande.
Já devia passar das nove, mas o local estava abarrotado de jovens que haviam fugido do festival para o lugar mais despojado. Havia um balcão onde se vendiam bebidas e mesmo lanches, uma daquelas máquinas antigas onde se colocavam moedas e se escolhia a música a tocar, e uma mesa de sinuca em um canto onde agora Sakura dava uma surra nos garotos enquanto o sobrancelhudo dava em cima dela e Sasuke olhava para isso com uma estranha cara de desgosto enquanto bebia um "refrigerante" que provavelmente estava batizado com algo mais dentro, apesar de ter idade para beber ele provavelmente queria mostrar que não bebia álcool, como sempre fazíamos juntos, e como os outros pareciam estar fazendo, alguns desses porque eram realmente menores de idade.
Exceto eu e Hinata que conversávamos sentados em uma mesa perto do balcão, e o irmão dela que estava no balcão conversando com uma garota de cabelos presos e morena, mas com o olhar em cima de mim e da irmã como se pudesse matar a qualquer movimento em falso meu.
Eu não queria beber mais e perder o que ela me falava. Na verdade Hinata se mostrou uma humorista de primeira, me falando de como imaginava que era cada uma das pessoas daquele estranho grupo que andava conosco. E estranhamento ela fazia uma imagem mental totalmente condizente com a personalidade de cada um ali. Até que ela falou que imaginava Sakura como uma fisiculturista e não me aguentei rindo de forma escandalosa.
– Você é uma boa observadora. - falei limpando minhas lágrimas. - Sakura é um monstro, apesar de ter um metro e meio de altura. Ela surrava todos os garotos da nossa rua.
Ela riu baixo bebendo seu refrigerante, e eu ficava embasbacado de como ela não se atrapalhava com isso. Na verdade, ela nem mesmo parecia...bem, cega, às vezes. E eu notava como todos a olhavam com carinho por onde passávamos naquela noite, vinham falar com ela. Ela agia da mesma forma com todo mundo, com aquele jeito suave e bem-humorado, de vez em quando até desconcertante dela.
Não havia nenhum olhar de pena. Ninguém a tratava como uma inválida, ou um estorvo.
Todos pareciam amá-la, até mesmo o troglodita que cuidava de servir as bebidas que ficava zoando sobre quando seria o casamento dos dois recebendo um olhar mortal de Neji enquanto ela ria.
Eu estava sim impressionado, e confuso com isso. Bem, entenda-se que eu tinha um pensamento até então que não ter algo tão importante quando a visão era sinônimo de tristeza e raiva, como a que eu sentia quase todo o tempo, apenas em saber que logo não poderia enxergar. Hinata em poucas horas naquela noite estava me fazendo mudar totalmente isso, esse pensamento.
– E como você me imagina? - perguntei curioso, bebericando meu drinque sem álcool a olhando com um estranho fascínio enquanto ela dobrava um papel entre suas mãos, voltando a dobrá-lo outras vezes.
– Gordo, com bigode e banguela. - ela falou séria e arregalei meus olhos. O garçom que estava colocando um prato com dangos para a gente riu alto e fiz um bico para ele.
– Acertou em cheio. - brinquei fungando e ela riu e virou os olhos para mim, como se pudesse me ver.
– Zoando com sua cara Uzumaki. Eu imagino você diferente em todo momento. Você parece que tem um sol na cabeça, outras vezes parece estar sempre de noite.
Olhei confuso para aquela explicação maluca.
– Será que batizaram sua coca? - provoquei e ela negou rindo de mim.
– Pela maneira como seus amigos ficaram quando você correu. A preocupação na voz deles. Você vê quem a pessoa é, por suas relações de verdade. Eles não seriam assim com você se você não fosse como um sol para eles. Você parece do tipo de sujeito que conquista todos muito rápido, afinal, todo mundo, mesmo os que você haviam conhecido há poucas horas, foram atrás de você, se preocuparam com você. Mesmo Sai, que é tão difícil. Você é especial. Você ilumina onde chega, e a todos. Traga todos para sua órbita. Um sol.
Corei e agradeci por ela não poder ver isso, então ri sem graça coçando a nuca.
– Mas então, de vez em quando você ri forçado. Apenas para que eles não se preocupem com você. Você usa piadas, descontração, para esconder seus problemas. Você se preocupa muito em não preocupar ninguém, em ver todo mundo feliz, e se negligência. E isso é tão estúpido, pois eles não se convencem de verdade, e ficam mais preocupados. Você então fica de noite, se isola por conta própria.
Arregalei meus olhos e fitei confuso a mesa. Ela parecia me ler como se não fosse nada, sem nem ver meus rosto, apenas em me ouvir, em ouvir os outros ao meu redor. Aquilo me deu medo.
– Você também parece fazer isso. - rebati desconfortável.
– Todos fazem. Mas eu apenas mostro meu sorriso quando tenho vontade. Você pode achar estúpido minhas piadas sobre minha condição as vezes, mas não estou tentando esconder nada, apenas ver um lado mais divertido de tudo isso. Nem tudo na vida é de um jeito só Uzumaki. Ser Cega não é bom, mas não é o fim do mundo. Ao contrário, me faz ter que ver tudo de outra maneira. E isso inclui coisas como felicidade e tristeza. Eu quero que as pessoas saibam o que eu sinto sempre, eu preciso que saibam, eu digo. Porque eu preciso delas, mas não porque eu sou cega. Eu preciso delas porque gosto delas, e quero que me ajudem se estou com problemas, como quero ajudá-las quando estiverem com um. Por isso eu falo.
Ela terminou o pequeno discurso com um sorriso leve nos lábios. Neji riu do balcão com a outra garota, prestando atenção na conversa, enquanto eu apenas a encarava espantado.
– Você sabe pilotar um avião, mas não sabe dizer as pessoas como se sente de verdade. Isso te faz mais preso a terra do que eu. Você tem que aprender a voar de verdade, sem o peso de tanta coisa que guarda.
Ela estendeu a mão buscando a minha e a entreguei. Logo a abrindo e vendo o que ela colocava lá, era um Tsuru do papel que ela dobrara.
– Obrigado. - murmurei sincero.
– Com mais 999 dá para fazer um desejo. - ela piscou e eu ri.
– Narutooooo. - A voz me tirou a atenção da garota que me fitava ao mesmo tempo que a música parava. Olhei confuso e encontrei Sasuke no palco do karaokê com um sorriso besta e o microfone na mão. - Sobe aqui safado!
Ele riu e eu revirei os olhos: - Sempre fraco para bebidas, esse Teme. - bufei. - Vou buscar ele.
Ela assentiu rindo e se virando para o palco na cadeira enquanto Neji e a outra garota iam se sentar com ela. As pessoas batiam palma em algazarra e vi Sakura com a expressão entre diversão e preocupação e fúria para o nosso amigo, que escolhia uma música com o garçom brutamonte. Algumas garotas gritavam um "Canta gostoso!"
Os meninos assobiavam, alguns apenas riam enquanto ele dançava no palco. Eu não conseguia não rir também. Ele ia querer se matar pela manhã. Quando Sasuke bebia ele virara outra pessoa. Sem vergonha, atirado, brincalhão, meio como ele era um pouco antes da morte dos pais. Ok, nem tanto, ele sempre foi meio frio. Na verdade quando Sasuke bebia ele ficava ... meio eu né.
– Sai daí Teme! - gritei rindo tentando o puxar para baixo pela mão e recebendo vaias por isso. E acabei mesmo sendo puxado por ele para cima do palco, meio empurrado pelos outros também.
– Boooora cantar Dobe desgraçado! - ele riu me abraçando pelos ombros enquanto eu cobria minha cara morto de vergonha. Isso estava virando costume. Esse era o tipo de coisa que eu só podia fazer bêbado!
– CANTA CANTA CANTA...
As pessoas gritavam, assobiavam. Virei meus olhos para a mesa da Hinata e ela assobiava e gritava enquanto Neji segurava o riso.
Que fosse. Assenti e Sasuke me jogou nos ombros me rodando enquanto eu o xingava.
– São viados mesmo! - Alguém gritou e vi Sai levantando a latinha de refrigerante (hum, sei) em brinde para nós. Sasuke me pôs no chão enquanto eu me preparava para xingar aquele branquelo com todo o repertório que minha mãe tinha quando falava com os fornecedores do restaurante dela (Dona Kushina era boca suja), enquanto as pessoas fizeram silêncio para escutar minha resposta. Mas não tive tempo, pois Sasuke tomou a frente.
– Viado é teu pai! Branquelo arrombado! Pensa que não vi teu olhar pra cima do meu amigo idiota aqui? Doido para traçar o Dobe, que eu sei. E se eu comesse o Dobe hein? Algum problema?
Eu fiquei vermelho.
– Por que eu que seria comido? -perguntei indignado esquecendo todo o resto enquanto o empurrava.
– Porque eu não tenho jeito de passivo. - ele falou dando de ombros.
– E eu tenho? Seu desgraçado do caralho, vai tomar no...
– Essa não é a questão Dobe! - ele se explicou gesticulando enquanto eu o ameaçava com o microfone e ele colocava o pedestal em defesa. - Esse branquelo que tem cara de que quer ser comido foi que começou. Só estou falando que se você fosse viado, ainda seria meu amigo. Na verdade se eu gostasse de homem, você seria o único que eu iria querer,
– E o que te faz pensar que eu iria...
– CANTEM DE UMA VEZ! - Hinata gritou e os outros riram.
– É, depois decidem quem come e é comido na relação. - Sai provocou e antes que eu pudesse partir para cima daquele zé ruela o tiozinho colocou a música para tocar para a gente se calar de vez.
I could stay awake just to hear you breathing / Watch you smile while you are sleeping/ Far away and dreaming/ I could spend my life in this sweet surrender / I could stay lost in this moment forever / Well, every moment spent with you / Is a moment I treasure...

Da tua retinaOnde histórias criam vida. Descubra agora