Beco sem saída

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"As coisas mudam. Não significa que melhoram.

Você precisa tornar as coisas melhores.

Não pode ficar falando e esperar o melhor."– Hugh Laurie

Era primavera, minhas últimas férias da universidade em casa.

Naquele dia havíamos voltado para casa, e estávamos participando do festival da cidade na esquadrilha de exibição aérea. Sasuke e eu pilotávamos desde os 15 anos. Sasuke por influência minha (embora ele prefira morrer negando) e eu por influência do meu pai que morrera quando eu tinha sete anos, mas que desde que me lembrava dele, sempre foi em seu colo em um Bimotor. Ele era piloto das forças aéreas, e apesar de viver sempre com o perigo nas costas, morreu mesmo foi do coração aos 34 anos. Irônico até, se não fosse deixando uma viúva de gênio difícil de 28 anos para trás e um moleque de sete que só dava dor de cabeça.
Sasuke, Sakura e eu nos tornamos amigos quando eu me mudara depois da morte de meu pai para a rua dos dois. No começo éramos inimigos e rivais declarados, mas depois nos tornamos quase irmãos. Cinco anos depois, eram os pais dele que morriam em um acidente de carro, e minha mãe acabou fazendo o que sempre fazia, que era cuidar de todo mundo, e ajudou muito ele e Itachi, que tinha dezoito na época e teve que cuidar do irmão quando nem sabia se cuidar. Desde então eles passaram a respeitar minha mãe como autoridade completa, e a palavra dela era lei. Eles viviam mais lá em casa do que na casa deles que era ao lado. E consequentemente, Sakura estava lá também.
Por isso foi com alivio que nossas famílias nos viram cruzar o oceano para estudar juntos. A gente sempre funcionou melhor juntos mesmo. Sakura era a mão firme quando minha mãe não estava, já que Sasuke e eu tínhamos uma tendência estranha de nos metermos em encrenca sempre. Sasuke funcionava como a cabeça pensante, na minha vida. Era como seu eu fosse o Pinóquio e ele o grilo falante. Embora de vez em quando eu colocasse ele no mau caminho também.
Bem, aquele era nossa última primavera de volta a casa, e as aulas começariam em dois meses, quando teríamos que voltar. Eu tinha todo o meu futuro planejado. Eu sempre quis ser Engenheiro e trabalhar para as forças aéreas. Iria me formar em um ano, fazer especialização, achar uma garota que fizesse meu coração pular no peito e passar o resto da vida construindo aviões e pilotando. Para mim, minha vida se resumia a isso. A ter uma família, ganhar dinheiro o bastante para ter uma vida confortável, e pilotar nas horas vagas sempre e sempre.
Mas naquela primavera tudo mudou. E minha vida planejada ruiu por completo.

Eu não precisava pensar para voar. Era como andar, respirar. Era algo natural. Assim como cortar em meio aos outros EMB-312 na exibição aérea. Embaixo o festival prosseguia em meio as acrobacias que fazíamos, chegando tão perto um dos outros que os tucanos pareciam prestes a se chocar a qualquer momento arrancando suspiros da platéia.
Um modelo negro e vermelho passou zunindo a meu lado e sorri ao imaginar a bronca do comandante depois, mas eu não iria negar o desafio de Sasuke, então emparelhei com ele e começamos a rodar em parafuso em uma dança sincronizada. Eu sabia que com qualquer outro isso seria assinar a sentença de morte em um impacto, mas não com o Uchiha. Conhecíamos decorados os movimentos um do outro, era como se soubéssemos o que o outro pensava, como gêmeos de um mesmo cordão umbilical.
Por isso, apesar de quase nos matar depois, Tobirama de fato tentava esconder o orgulho por sempre nos sairmos bem depois daquelas loucuras.
Mas naquele dia algo diferente aconteceu. Eu finalizava o parafuso e subia o bico quando minha visão falhou. Ela vinha acontecendo muito ultimamente, mas era a primeira vez que isso acontecia durante o ar, e justo no pior momento. Eu tentei seguir o instinto já que não sabia qual direção seguir.
O comunicador vibrou e ouvi a voz preocupada de Sasuke.
– O que está fazendo? Vai bater assim idiota!
Eu ri, mas ele percebeu o tom nervoso e logo entendeu que não era nenhuma piada ou tentativa de chamar atenção.
– Gire sete graus esquerda...
Ele começou as instruções e quando descia finalmente minha visão retornou. Havia sido meu mais longo apagão. Quando enfim senti o chão notei o quanto estava nervoso ao respirar com dificuldade. Removi o equipamento de segurança e saltei no chão no mesmo momento que vi Tobirama vir até mim furioso. Os outros ainda continuavam no ar, rodopiando,exceto por mim e pelo conhecido EMB-312 preto e vermelho que descia também. As pessoas olhavam para minha direção, deviam ter notado que aquilo não fizera parte do show.
– O que diabos foi aquilo? Estava tentando se matar?
– Não Senhor! - falei em continência. - Foi apenas uma perda de controle.
– Não perderia o controle se parasse com essas coisas infantis no ar. Você também Uchiha! - gritou apontando o moreno que vinha com o uniforme na direção deles com o rosto livido e eu poderia rir da cara de fantasma dele se a situação não fosse grave. - Parem de tentar chamar atenção ou me arrependerei de ter colocado dois moleques no esquadrão. Eu devia saber... O que aconteceu para diabos você quase bater no vizinho Uzumaki? Parecia um cego em tiroteio!
– A culpa foi minha. - Sasuke falou sem emoção como de costume. - Eu o provoquei.
– Não importa quem fez o que. Estão dispensados até segunda ordem. Agora vão. E droga Uzumaki, vá falar com sua mãe, ela quase morreu do coração na platéia.
O homem saiu ainda sobre a continência de nós dois. Quando ele se fez distante nós relaxamos e Sasuke me encarou com um olhar tão gelado que engoli em seco. Era o famoso olhar Uchiha que dizia que eu estava ferrado na mão dele.
–Agora chega. Você vai falar com Itachi. - ele disse gelado enquanto eu dava um passo para trás de forma automática.
– Não foi nada. - falei tentando o quebrar com meu famoso sorriso Uzumaki. Não funcionou. Puta que pariu, ele parecia furioso.
– Uma ova! Eu assumi a culpa por agora, mas você podia ter se arrebentado. Que morrer Naruto?
– Você está exagerando...
– Você vem sentindo essa porra há um mês seu imbecil. Agora chega. Vai falar com Itachi sim. Não quero ter que juntar seus restos com a Tia Kushina quando você explodir essa bunda branca em um rochedo se perder a visão de novo.
Sasuke estava irritado mesmo. Nunca o vi falar tanto palavrão. Sakura vinha correndo em nossa direção com a cara assustada.
– Você escolhe. - Sasuke falou mais baixo. - Ou vai ver o Itachi e descobre o que tem, ou vou falar tudo para sua mãe.
Droga, aquele bastardo estava jogando pesado.
– Ou quem sabe você quer mesmo morrer e deixar ela para o Kakashi... Sabe que ele é louco por ela...
– Droga, eu vou seu bastardo. Pode marcar a consulta. - falei rendido.
Sasuke sorriu vitorioso e fiz o gesto mais adulto por cima: dei a língua.
E foi nesse momento que recebi um cascudo de Sakura me xingando pelo susto.
Se Sakura quase me matara, não ia sobreviver a minha mãe.
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Foi a voz de Itachi que me alertara. O tom calmo dele parecia...não usual. Peguei o carro e corri para o consultório onde havia estado obrigado há alguns dias por meu suposto melhor amigo chantagista.
Sim, eu vinha sentindo coisas estranhas com minha visão. Ela sempre me parecera perfeita, até algum tempo. Hoje eu usava óculos, mas isso nunca me parecera nada demais, apenas o fato de que eu não podia entrar nas forças aéreas como piloto, como meu pai fora, apenas na parte de construção. Fora isso, nada.
Até que de uns tempos para trás começaram os apagões. Eu tinha dores de cabeça, e as vezes minha vista ficava escura do nada, como se apagassem as luzes por um momento, e então retornava. De vez em quando, eram os pontos luminosos saltando e dançando em minha frente. Ainda tinham as náuseas e outros incômodos e um desmaio na história. Eu contara apenas a Sasuke. afinal, eu dividia uma casa com ele em Brisbane e ele era meu melhor amigo, mas eu havia minimizado muito as coisas. Mas aquele idiota era bem esperto. E agora lá estava eu, de frente a outro esperto Uchiha. E no momento em que Itachi pegara o casaco e me chamara para um café na esquina, eu sabia que algo não estava bem em meus exames.
Itachi sempre fora como meu irmão mais velho, talvez até mais, ele era tão maduro, que parecia, odeio admitir, meu pai. Ele me conhecia bem, tão bem quando conhecia o Sasuke. Fora ele que fora buscar a gente da delegacia quando tinhas dezesseis e entramos em uma briga de bar depois de um jogo de sinuca, bêbados, nos livrando de uma surra da minha mãe e de Sakura. Fora para ele que falei da minha primeira transa e pedi conselhos, e para quem liguei quando eu e Sasuke nos desentendemos pela primeira e única vez, mesmo que a briga tenha durado apenas um dia e findado com ele vindo pedir um CD emprestado para mim como se nada houvesse acontecido.
Itachi era um ponto de apoio, e por isso quando ele me deu a noticia, eu sabia que era verdade, não era engano nenhum. Eu sabia que ela só me diria aquilo se tivesse certeza, não sem antes procurar especialistas e logo percebi por que meus resultados demoraram tanto. E fui desmoronando por dentro, enquanto o olhava mudo agarrando o copo de café entre as mãos enquanto ele explicava.
– Não é maligno Naruto. - ele falou calmo. - Na verdade, podemos removê-lo facilmente em cirurgia, e apenas algumas sessões de quimioterapia, provavelmente, serão o suficiente, embora não possa prever com certeza.
– Então eu não vou morrer ? - minha voz saiu em um sussurro, ainda não acreditando naquilo.
– Uma cirurgia, provavelmente, e tudo se resolve. - ele me tranquilizou. Mas seu rosto estava triste e eu percebi que tinha mais.
– Mas... - incitei baixinho.
– Ele está muito perto do nervo óptico. Inevitavelmente quando o removermos, ele será danificado. Isso quer dizer que...
– Eu vou ficar cego. - falei o interrompendo. Finalmente entendendo o porquê de tudo aquilo.

Da tua retinaOnde histórias criam vida. Descubra agora