Legado

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 Viver é um processo de mudança, em que tudo flui, todos morrem, e no fim tudo o que importa é o que você deixou.

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Meu avô me falava sobre legados.

Eu nunca havia entendido bem. Eu sempre achei que legado era só algo que você deixava para trás quando partia, algo físico e palpável. Demorei a perceber que legado é tudo. Um pensamento, uma mudança, alguém que você tocou de verdade de alguma forma. Legado é o que marca a sua existência na terra, não importando se para milhares de pessoas, ou apenas uma, é o que faz com que tudo tenha valido a pena. É o que te livra do total esquecimento quando você morre.
Meu avô dizia que eu era um legado do meu pai. Antes, eu pensava que se devia a eu ser filho dele, e parecer tanto com ele, mas não era isso. Eu era um legado dele, porque eu carregava ensinamentos dele, mesmo que tenha sido tão breve ter estado com ele, tudo o que meu pai me ensinou, eu carrego comigo, e esse é seu legado para mim. O amor por aviões, por palavras. Meu pai vive em mim, e na minha mãe, e em todos que ele tocou de verdade, que ele penetrou em sua vidas, e não apenas passou por elas deixando como obra o esquecimento.
Eu só fui entender o que realmente era legado, naquela tarde, naquele lugar cheio daquelas pessoas recém conhecidas, ao lado dos meus melhores amigos e com Hinata.

Ali, ela me ensinou que o que as pessoas mais deveriam temer era o total esquecimento, irem embora sem nada deixar de importante. Nenhuma marca, se tornando apenas uma fotografia esquecida em um álbum de alguém. Você entrar na vida é ir embora sem deixar nenhum passo, é triste, e a coroa da obra de quem nada fez.

Eu aprendi sobre legados ali, e hoje eu sei que sou um legado de Hinata também. Foi ela que no breve momento em que esteve comigo me ensinou de fato o que era pensar, o que era ver. E quando você abre sua mente para o mundo, fica impossível de fechá-la uma segunda vez. No momento em que te arrancam da zona de conforto, ela se torna pouco para que você queira retornar. Você passar a querer deixar sua marca. Você passa a querer deixar algo além do esquecimento.
Sim, foi ela que me mostrou o poder dos legados.
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No rádio tocava The Smiths.

A janela do carro aberta, o sol da tarde batendo por entre as árvores sendo filtrado por entre o caminho verde que ladeava ambos os lados da estrada. Ela estava do meu lado no banco de trás, o vento bagunçando seu cabelos, jogando no rosto, enquanto cantava "Please, Please, Please, Let Me Get What I Want". Eu estava espremido entre ela e Neji, que apenas olhava pela janela com um sorriso leve, a ouvindo pensativo, de vez em quando falando apenas para instruir o caminho. Sasuke dirigia, um braço na direção, o outro segurando a mão de Sakura que estava a seu lado no banco da frente, o cabelo rosa voando com a brisa enquanto assobiava por cima da música.
Logo atrás estava a caminhonete preta de Shikamaru com Sai, Lee, Chouji e Ino, além de Kiba e Akamaru na traseira. De vez em quando eles emparelhavam com a gente para perguntar algo ou apenas fazer graça, e eu podia ver o cachorro grande com a língua do lado de fora, parecendo totalmente feliz ali.
Era um daqueles momentos. Um daqueles vários que eu vinha tendo desde que aquilo tudo começara. E então começou a tocar "Sheila Take A Bow".
Sorri feito bobo e encontrei o olhar de Sasuke pelo retrovisor em mim com um sorriso de canto, pequeno. Ele apertou a mão de Sakura e ela virou o rosto e olhou para mim, sorrindo largo.
Aquela era a nossa música. A música que soava alto no galpão do meu avô enquanto a gente corria por entre os aviões antigos, se escondendo. Eram os melhores momentos da minha infância, os nossos melhores. Me lembrava da minha mãe e a mãe de Sasuke aparecendo no fim da tarde, o sol tocando o campo largo que ficava atrás, perto da pista de pouso, minha mãe no nosso Ford desbotado com uma calça jeans velha e uma blusa xadrez, os cabelos vermelhos soltos e a tia Mikoto sempre com um sorriso pequeno no banco ao lado, trazendo suco e bolo. As vezes Itachi vinha também e se tornava arbitro das brigas minhas e do teme, impedindo que Sakura nos matasse por encher muito ela.

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