☄
Eu sempre me senti como um alienígena. Nunca me identifiquei como um terráqueo destinado a morrer.
A algo maior, eu sei. A algo que me faz crer que todo o universo, todas as constelações, planetas, estrelas, astros e buracos negros estão lá por uma razão, tudo em nossa volta é tão perfeito que é impossível que do nada nasceu tudo.
Observava as estrelas com meu telescópio a beira do mar, ouvindo o som das ondas indo e vindo, e em algumas vezes a vibe era quebrada
por carros barulhentos que passavam buzinando.
Passei algum tempo observando o farol e sua longínqua luz, por alguns instantes tive curiosidade de ir até lá e ver como é por dentro, por fora ele era lindo, era grande e era pintado de branco e vermelho, cores essas que não apareciam tanto a luz do dia. Normalmente sempre ficava alguém ali para que cuidassem caso desse algum problema, mas fazia muito tempo que não ia ninguém para lá.
"Se eu dormisse no farol ninguém iria me encontrar, seria perfeito." Pensei enquanto observava as três Marias no céu, tudo o que havia acontecido ainda doía como se fosse uma
faca cravada no peito, que demoraria muito tempo para se curar.
Mas o fato era que estar ali, a beira mar observando as estrelas me traziam uma certa paz, era como se tudo aquilo fosse o meu refúgio, para qualquer coisa que acontecesse, talvez até mesmo para fugir de meus transtornos de ansiedade, que pareciam não me incomodar tanto quando eu estava ali.
Parei de observar as três Marias e sentei em um lençol que levei para me sentar, me senti fazendo um piquenique, peguei na mochila uma pizza que comprei no caminho, e comecei a comer, ainda desfrutando de todas as belezas daquele lugar.
Naquela noite enquanto pegava a pizza em minha mochila percebi que havia levado uma grande corda que havia deixado guardado. Eu forcei minha memória de porque a corda estava ali, ou para que a usei antes, mas nada voltou em minha mente.
Se vocês acreditam em destino, podem ter certeza que aquela corda estava ali pelo destino. Talvez como se aquela corda fosse a ponte, entre um eu que apenas existia, para um eu que descobriu o que era viver.
Enquanto comia a pizza sentado no lençol, comecei a lutar contra mim mesmo para não pensar em Escherichia coli.
Escherichia coli é uma das principais espécies de bactérias que vivem no intestino inferior dos mamíferos, incluindo os seres humanos. Estirpes patogênicas de E. coli podem causar vômitos e diarreia. Essa bactéria pode prosperar bem na praia e até mesmo aprender a crescer e reproduzir na região. A bactéria é depositada na areia através do material fecal de muitos animais, incluindo cães, gatos e aves.
Enquanto a E. coli é relativamente inofensiva — causando apenas desconforto estomacal —pode ser um indicador de outros micróbios presentes na praia de contaminação fecal que pode revelar-se mais grave, como a salmonela.
Assim que comecei a pensar essas coisas me levantei ainda comendo e fiquei em pé, observando as estrelas novamente, agora decidi focar em minha constelação preferida, Cão Maior.
De uma forma geral, costuma-se relacionar a figura do Cão Maior com as constelações vizinhas, pois estas são vistas como participantes num cenário comum. Neste episódio representado no céu, observa-se o caçador Orionte a defender-se da investida do Touro — Constelação do Touro — enquanto os seus dois cães observam a luta - o Cão Menor permanece estático do seu lado esquerdo e o Cão Maior, aos pés do caçador, distrai-se com uma Lebre — Constelação da Lebre — que passa.
No entanto, algumas lendas independentes foram sendo associadas à figura do cão, das quais se celebrizaram as que faziam parte da cultura greco-romana. Segundo os Gregos, representava Laelaps, um cão mítico cuja velocidade lhe permitia alcançar qualquer presa que perseguisse.
Algumas versões contam que Laelaps havia sido oferecido por Zeus a Europa, uma das várias mortais cobiçadas pelo líder dos deuses olímpicos. Desta relação viria a nascer o mítico rei de Creta, Minos, que herdou o lendário cão. Tendo um dia sido vítima de uma maldição lançada pela sua própria esposa, Minos pediu ajuda à filha dos monarcas de Atenas, Procris, que, após ter conseguido curar o rei, recebeu como recompensa Laelaps e uma lança mágica que nunca falhava o seu alvo. Uma outra versão da história relata que estes presentes teriam sido oferecidos pela deusa Ártemis a Procris.
A lenda principal prossegue contando que o marido de Procris, Céfalo, tentou usar Laelaps para caçar uma raposa mítica que assolava os campos de Tebas, a Norte de Atenas. Assim como o cão conseguia alcançar qualquer presa, também esta raposa possuía o poder de conseguir escapar a qualquer caçador. Perante o paradoxo, em que se veriam eternamente envolvidos numa perseguição irresolúvel, Zeus transformou ambos em pedra, colocando a imagem de Laelaps no céu. A história termina com Procris atingida mortalmente por engano com a lança mágica atirada pelo seu marido, posteriormente condenado ao exílio pelos pais de Procris.
Lembro-me bem da primeira vez que ouvi as lendas de Cão Maior, a qual tanto fiquei fascinado. Mas nada se comparou a minha paixão pela segunda estrela mais brilhante dessa constelação, Adhara.
Terminei de comer a pizza, lavei as mãos com água que levei, passei álcool em gel nas mãos e voltei a observar as estrelas pelo telescópio, agora focando nela, o quanto era brilhante e o quanto parecia deixar o céu ainda mais bonito.
Talvez eu estivesse apaixonado desde antes de vê-la pela primeira vez, agora eu vejo isso.
Eu fiquei no mínimo dez minutos a observando, namorando seu brilho e como todas em sua volta pareciam ficar sem luz perto dela.
Até que em certo momento eu vi algo estranho acontecer com ela, era como se agora a estrela estivesse caindo, como uma estrela cadente, com uma iluminação muito forte, e caindo rapidamente em minha direção. Eu assustei e pisquei várias vezes para ter certeza que não era um sonho, até que ainda pelo telescópio, acompanhando sua queda eu a vi indo de encontro com o mar, fiquei assustado e vi que estava tudo claro demais em minha volta, até que ainda olhando pelo telescópio eu a vi se chocar com o mar.
— ALGUÉM ME AJUDE! — Eu ouvi uma voz feminina muito alta vindo do mar assim que vi pelo telescópio a queda de Adhara, então me afastei do telescópio e olhei para o mar.
Não estava enxergando direito, então peguei minha lanterna e me aproximei mais da praia, tentando encontrar a garota, entre gritos e pedidos de socorro.
Quando me aproximei vi que a garota estava se afogando, mesmo não estando em uma área muito funda, a água ali chegaria no meu peito. — ME AJUDE POR FAVOR! — A garota gritou. A pergunta era, como ela havia parado ali? Não havia ninguém na praia!
Assim que a vi, tirei a camiseta rapidamente para entrar na água para ajuda-la, mas novamente minha mente resolveu demonstrar-se completamente desumana. Eu estava pronto para pular na água para ajuda-la, mas minha mente começou a lembrar-se da quantidade enorme de bactérias que existem na água salgada.
Ainda me entristeço algumas vezes a noite quando me lembro que quando uma pessoa tanto precisou de mim, minha mente resolveu fazer com que uma barreira me impedisse de ajudar. Eu tentei, tentei ignorar aquilo que estava em minha cabeça e ir ajuda-la rapidamente, mas era como se uma barreira percorresse todo meu corpo e me impedisse de fazer aquilo, fazer o certo.
Tudo se passou tão rápido em minha cabeça, e rapidamente lembrei da corda que havia levado para a praia — Como disse, as vezes realmente parece o destino.— Fui rapidamente pega-la, e já que a garota não estava em uma parte muito distante, a corda alcançaria.
Eu então entrei na água colocando os pés dentro da água. — Lembro-me que na manhã seguinte meus pés estavam roxos do tanto que os esfreguei com uma escova.
— Segura essa corda! — Eu disse lançando a corda para a garota que comigo dentro da água não estava tão longe. Eu estava me sentindo agoniado por estar até a panturrilha com água do mar, meu estômago revirava e eu sentia arrepios horríveis, e minha mente respondia a tudo isso imaginando as bactérias se alojando em minhas pernas, eu juro que podia senti-las em minha pele.
A garota pegou a corda, — Na qual havia uma espécie de volta com um nó na qual dava para colocar a mão. — E então eu a puxei, tentei não fazer movimentos que a fizessem se afogar mais, mas o mar estava calmo, isso com certeza ajudou muito.
A medida que eu a puxava eu ia saindo da água, a garota parecia fraca quando chegou na
margem, eu me aproximei, onde a essa altura ela estava deitada na areia da praia.
Lembro-me de observar seus olhos azuis, sua pele branca e seus cabelos ruivos molhados pela água.
Ela então olhou para mim, ainda recuperando o fôlego.
— Muito... — Ela voltou a respirar fundo. — Muito obrigada. — Disse respirando fundo novamente e ficando desacordada em seguida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O TOC DA ESTRELA (2018)
RomanceQuando Everton vê sua estrela favorita cair do céu, sua vida fica de cabeça para baixo. Mas as coisas pioram quando a estrela se transforma em uma garota e agora além de enfrentar seu transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e problemas familiares te...