Capítulo Sete

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Quando somos crianças o que mais desejamos é crescer.  A ideia de ter liberdade para sair e fazer coisas que antes não podíamos fazer parece ser algo maravilhoso.
Porém como todo mundo, damos de cara com a parede ao vermos que o buraco é mais em baixo. E quando finalmente crescemos apenas queremos voltar no início, pois o que achávamos que seria o paraíso é apenas um lugar ruim e com pessoas vazias, que tomam atitudes sem pensar no bem estar do próximo. 
Eu estava jogado em minha cama naquela manhã, após inúmeras tentativas de minha mãe
para que eu levantasse por fim ela desistiu, e resolveu apenas dar o tempo que eu precisava.
Meu corpo doía , mas não era uma dor tão grande quanto a que sentia em minha alma, eu estava perdido dentro de mim mesmo, e eu sabia.
Estava tudo em completo silêncio, eu apenas ouvia o som dos pássaros cantando de árvore em árvore até que lá em baixo começou a tocar uma música do Bon Jovi, creio que era It's my life.
Era dia de minha mãe lavar a casa, e como sempre fazia colocou a música o mais alto possível. 
A única coisa que eu queria era ficar jogado em minha cama, simplesmente olhando para o nada e me lamentando de tudo que aconteceu no dia anterior.
Porém logo com aquela música lá em baixo comecei a me sentir melhor, aquela letra me deixava feliz, me fazia acreditar que o mundo ainda tinha esperanças, que eu ainda tinha esperanças. 
"Esta não é uma canção para quem tem o coração partido
Não é uma oração para quem perdeu a fé
Eu não serei só um rosto na multidão
Você vai ouvir minha voz
Quando eu gritar bem alto

É a minha vida
É agora ou nunca
Eu não vou viver para sempre
Eu só quero viver enquanto eu estou vivo
(É a minha vida)
Meu coração é como uma rodovia aberta
Como Frank Sinatra disse
Eu fiz do meu jeito
Eu só quero viver enquanto eu estou vivo
É a minha vida"

Abri um sorriso ao ouvir esse trecho, e não consegui mais ficar ali, jogado em minha cama.
Me levantei, abri as janelas, deixei a luz do dia entrar e penetrar em meu quarto, clareando tudo, até mesmo minha alma que a poucos instantes estava completamente doente. 
  Me olhei no espelho, e após tanto tempo vi um sorriso. As coisas podiam piorar dali para frente, mas eu sabia que eu apenas precisava de um momento para manter o controle novamente.
Passei álcool em gel nas mãos após abrir a janela e sentei na cama novamente.
  Quando dei por mim estava sorrindo novamente, sim, por um instante me lembrei dela, eu estava fodido, eu sabia.
Lembrei que havíamos marcado de olhar as estrelas naquela noite, e então me alegrei ainda mais.
Eu me sentia bem perto dela, mesmo sendo tão reservada sobre sua vida, havia algo nela que me chamava atenção — Além de sua beleza. — Ela parecia não ser linda apenas por fora.
  — Por que eu tenho que falar para seus pais que você está em minha casa? — Pedro disse por ligação. 
— Cara… Eu queria muito te explicar… Eu ainda vou… Mas agora você só precisa dizer para os meus pais que eu estava ai caso eles perguntem… — Eu disse colocando meu casaco e pegando minha mochila.
— Eu pensava que a gente não escondia nada um do outro… — Pude ouvir sua voz um pouco abafada.
— Você sabe que por mim eu te contaria… Mas não é algo que parte somente de mim. — Um silêncio tomou conta da ligação.  — Por favor cara, por mim.
Ouvi que ele respirou fundo.
— Tudo bem cara.
Após desligar, sai do meu quarto com pressa, avisei minha mãe — Já que meu pai estava jogado no sofá e não me dava bola — E sai.
  Devia ser quase oito e meia quando cheguei na praia.
Olhei para todos os lados e não a vi, sentei exatamente onde nos vimos pela última vez, e lá fiquei por mais ou menos meia hora.
Me perguntei se ela já teria chegado mais cedo e esperado demais por mim demais até que se cansou e foi embora.
  Enquanto a esperava fiquei olhando as estrelas e como tudo era perfeito no céu. 
Fiquei pensando sobre sua evolução, e como elas eram a milhões de anos atrás e se eram daquela maneira.
Aos olhos do mundo da Antiguidade, parecia óbvia a imutabilidade posicional das estrelas no céu. Foram conceituadas, inclusive, teorias que julgavam as estrelas estarem fixadas em globos de vidro circuncêntricos à Terra. No entanto, os céus observados pela Antiguidade não se apresentam mais atualmente da forma como eram. Com o avanço da Ciência, descobriu-se, muito mais tarde, que os corpos celestes em geral são regidos por certas leis mecânicas, possuindo movimento previsível. Na verdade, em função das características infinitas do universo, a ciência em sua evolução levou algum tempo para quantificar corretamente as grandezas e lapsos de tempo envolvidos na compreensão dos fenômenos do Universo.
  Enquanto pensava fui interrompido por uma brisa fresca que me fez perder o foco, nisso olhei para o mar e suas ondas, indo e vindo.     Logo a vi se aproximando. Não a havia visto antes, estava tão distraído que quando a vi já próxima de mim levei um susto.
– Desculpe a demora. — Ela disse se aproximando e sentando ao meu lado, dessa vez não estava com um vestido, mas sim com um blusão cheio de estrelas e constelações, era lindo, e de cara me apaixonei por ele.
— Tudo bem! — Eu disse sem tirar os olhos do blusão. — Gostei do blusão. 
Ela sorriu e pude ver as covinhas que se formavam em seu rosto.
— Coloquei ele justamente por sua paixão por estrelas Everton.
Eu sorri novamente, e naquele instante nos mantemos em silêncio e a única coisa que fizemos foi olhar para o céu. 
Eu olhei para minha estrela favorita — Que estava do meu lado e ao mesmo tempo estava no céu. 
— Ali está você!  — Eu disse apontando. 
Ela sorriu e virou-se olhando no fundo de meus olhos.
— É a preferida de minha mãe também, por isso o nome. — Ela se aproximou um pouco de onde eu estava sentado e eu dei uma afastada. 
— O que foi? — Ela disse, ainda olhando no fundo dos meus olhos. Eu conseguia ver as constelações nos olhos daquela garota. — Sempre que me aproximo um pouco você se afasta.
Respirei fundo, situações como aquelas eram difíceis, eu sabia bem.
— Sabe… Eu… Bem…
— Está tudo bem… Pode falar, eu não vou te julgar. — Ela sorriu, seu sorriso me trazia um conforto indescritível.
— Não é algo fácil de contar para mim… Eu tenho TOC, saber que existem bactérias em todos os cantos me deixa maluco, é exatamente por isso que evito o contato com as pessoas, porque todas elas carregam consigo milhões e milhões de bactérias.
Ela se afastou um pouco, e foi nesse momento que senti medo, medo dela se afastar agora, de algo que estava começando, aquela amizade estava me dando uma base para seguir em frente, e se fosse tudo destruído agora eu não iria saber o que fazer.
— Temos algo em comum além da paixão por estrelas Everton… — Ela olhou no fundo dos meus olhos novamente e senti meu coração acelerar. — Temos sérios problemas com bactérias. 
— Como assim? Você também tem TOC? — Eu olhei para ela de relance dando algumas olhadas para o céu. 
— Não é bem isso. — Ela se levantou, ainda olhando para o céu, como se fosse contar aquela história para as estrelas em vez de me contar.  — Eu tenho uma certa doença na qual minha imunidade é muito baixa Everton. Eu vivi praticamente a minha vida toda dentro de casa por causa disso, com meus pais sempre me passando medo falando que no dia que eu saísse eu iria morrer. E bem… Não foi bem assim.
— Espera… Você nunca saiu de casa? — Eu estava estranhando aquela conversa.
— Quando eu era pequena devido a doença, o pouco que eu saia de casa já me fazia ficar muitos dias de cama… Então meu pai que é bastante importante para essa cidade adaptou minha casa para que eu nunca precisasse sair. — Ela me encarou novamente, e eu levantei, ficando ao lado dela para ouvir. 
— Está dizendo que nunca foi a escola?
— Não... Tudo que aprendi foi em casa, com um professor particular indo três vezes por semana me ensinar as matérias chatas que vocês aprendem na escola. 
— E você gostava de ficar lá?  — Aquela história estava me fascinando.
— Everton, se imagine preso dentro de uma caixa por dezesseis anos… Essa era a sensação que eu tinha… Meus pais me faziam viver com medo, falando diariamente que se eu colocasse os pés para fora de casa iria morrer. Não era legal. — Foi nessa hora que vi que aquela história a machucava, e como da outra vez vi uma lágrima escorrer de seu rosto.
— Devia ser horrível...
— Todos que entrassem lá em casa tinham que passar por uma seria sessão de desinfecção, meus pais eram neuróticos e queriam garantir que nada de ruim iria me acontecer, e meu sonho sempre havia sido conhecer a praia.
— Mas desde que você começou a sair, nunca ficou doente? — Me aproximei dela, um tanto que eu ainda me sentia confortável e sem obsessão de limpeza.
— Não... Eu creio que estou curada, mas meus pais nunca acreditariam nisso e me deixariam sair. — Ela virou-se para mim, novamente me encarando. — Aquela noite Everton, foi a primeira vez que sai daquela prisão e você foi a primeira pessoa que tive acesso fora daquela prisão.
Ela então se aproximou de mim, tão próximo que comecei a me sentir desconfortável, ela estava próxima demais, entretanto por mais que minha mente obsessiva dizia "se afaste, perigo!", minha alma dizia "Se aproximem."
— E é por isso… — Ela se aproximou ainda mais. — Que você é muito especial para mim. — Ela pegou em minha mão, e eu afastei-a dela, infelizmente naquele instante a mente obsessiva falou mais alto.

O TOC DA ESTRELA (2018)Onde histórias criam vida. Descubra agora